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Conflito de competência entre tribunais arbitrais: companhia vs. minoritários

Em razão da prolação de decisões inconciliáveis entre si, o STJ conheceu o conflito de competência para declarar competente o Tribunal Arbitral do procedimento instaurado pela Companhia lesada.

9/7/2022

O STJ julgou, no dia 22.jun.2022, o conflito de competência 185.702, que foi instaurado sob uma situação inédita. Dois Tribunais Arbitrais se declararam competentes para julgar procedimentos instaurados, perante a mesma Câmara de Arbitragem, com um objetivo único: a responsabilização civil dos controladores da JBS devido a supostos atos ilícitos indicados nos acordos de delação premiada e de leniência estabelecidos com o MPF (Ministério Público Federal), que teriam causado prejuízos à Companhia. O acórdão foi publicado na última quinta-feira (30.jun).
 
No leading case sobre a matéria (CC 111.230/DF), o STJ julgou, em 2014, um Conflito de Competência no qual foi reconhecido que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional, sendo possível, portanto, a existência de um conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral. Ocorre que, no caso julgado recentemente pela Corte Superior, o conflito foi instaurado entre dois Tribunais Arbitrais – caracterizando, assim, o ineditismo do caso. Segundo declarou o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do processo, compete ao STJ "conhecer e julgar originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais [leia-se, Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, Tribunais Regionais Federais e Tribunais arbitrais"].

O primeiro procedimento arbitral foi instaurado pelos acionistas minoritários, em 2017. Já o segundo foi apresentado pela própria Companhia apenas em 2021, devido a um impasse judicial que ocasionou a demora na realização da assembleia competente para deliberar sobre a autorização do ajuizamento da medida arbitral de responsabilização dos controladores. O impasse, contudo, é que ambos os Tribunais Arbitrais se declararam competentes para julgar o caso.
 
Dentre os principais argumentos utilizados pelo STJ para solucionar o caso, está a questão da legitimidade prioritária para propor a ação de reparação de danos causados ao patrimônio social por atos dos administradores e/ou controladores.
 
Segundo consta no voto, a Companhia tem legitimidade ordinária para propor ação de responsabilidade contra os administradores (ut universi), tendo pontuado que a legitimidade dos acionistas minoritários é secundária e extraordinária (ut singuli), pois apenas pode ser ajuizada em caso de inércia da Companhia, conforme dita o art. 159, § 3º da Lei das SAs. Esta inércia, todavia, não ocorreu por parte da JBS, visto que a Companhia, uma vez obtida a autorização assemblear para promover o procedimento arbitral, tempestivamente instaurou, perante a Câmara de Arbitragem de Mercado, a medida arbitral. Também considerou que o que estabelece a legitimidade de uma parte do processo deve ser sua situação subjetiva e relativa ao objeto do processo, não o momento em que começa sua participação. Logo, há prevalência da legitimidade ordinária exercida pela Companhia.
 
Assim, em razão da prolação de decisões inconciliáveis entre si, o STJ conheceu o conflito de competência para declarar competente o Tribunal Arbitral do procedimento instaurado pela Companhia lesada. Uma derrota, portanto, para os acionistas minoritários, mas uma vitória à comunidade arbitral, visto que foi reafirmada a natureza jurisdicional da arbitragem.

Carolina Smirnovas
Advogada no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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