O novo método de investigação regulamentado pelo provimento 88/18 do Conselho Federal da OAB é uma resposta, ainda que tímida, pela busca da paridade de armas no processo penal brasileiro. Entre defesa e acusação, esta tem todo o aparato Estatal a seu favor, o que contribui por uma desigualdade processual no sistema de Justiça.
Ainda que não tão nova, a investigação defensiva, regulamentada em dezembro de 2018 pelo Conselho Federal da OAB, é um instrumento de uso exclusivo da defesa, mas dada a sua recente introdução no mundo jurídico, surgem dúvidas acerca da sua aplicação e utilização.
O provimento 188/18 traz as possibilidades e limites que a defesa pode e deve seguir ao utilizar-se da investigação defensiva. Neste artigo, pretende-se analisar o regulamento e debater alguns temas importantes. É notório que alguns pontos ainda carecem de ajustes, para afinar a prática da investigação defensiva, que podem e devem ser alcançados por debates doutrinários e jurisprudenciais para dirimi-los.
Logo de início, o provimento 188/18 define o que se trata o novel instrumento:
Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.
Aqui, pode-se traçar qual é o principal objetivo da promoção da investigação defensiva: contribuir para construção de provas lícitas com a finalidade de garantir o direito ao contraditório e a ampla defesa do investigado/processado. A investigação defensiva, assim, se apresenta como uma alternativa para enfrentar os usuais procedimentos falhos e precários do sistema penal.
De antemão, deve-se salientar que a investigação defensiva se apoia em três importantes fundamentos constitucionais: a) o princípio da igualdade (artigo 5º, caput, CF), b) o devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF) e c) o contraditório, e da ampla defesa (artigo 5º, LV, CF).1
Dito isto, este artigo pretende esclarecer importantes pontos para a prática da advocacia ao destrinchar o provimento 188/18. Para tal, elenco quatro pontos a serem discutidos: Quais procedimentos o advogado pode e deve adotar? Quais agentes podem atuar no procedimento da investigação defensiva? Em quais fases processuais a investigação defensiva pode ser utilizada? Quais os limites e deveres do advogado com as informações colhidas pela investigação?
Primeiramente, o advogado ao conduzir a investigação defensiva pode se utilizar de todas as diligências investigatórias necessárias, inclusive ser auxiliado por outros profissionais, que podem ser acionados a contribuírem com o trabalho técnico investigativo (artigo 4º, provimento 188/18).
Importante lembrar-se dos limites que a legislação brasileira impõe ao realizar as diligências investigatórias, o advogado deve se ater a licitude do procedimento. Isso, pois, nossa legislação é nítida acerca da não admissibilidade de provas ilícitas no processo. O art. 5º da Constituição Federal e o art. 157 do Código de Processo Penal asseveram, respectivamente:
(...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Ademais, o provimento 188/18 exemplifica quatro diligências que podem ser exploradas pelo advogado, quais sejam: a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, elaboração de laudos e exames periciais, realização de reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição (artigo 4º, provimento 188/18)
Ato contínuo encaminha-se para o segundo esclarecimento, quais profissionais podem atuar na investigação defensiva? Apesar de ser um procedimento de uso exclusivo do advogado (artigo 7º, provimento 188/18) enquanto exercício profissional, garantido constitucionalmente pelo artigo 133 da CF/1988, o advogado pode se alicerçar nas atividades de outros profissionais técnicos e/ou habilitados.
É o que o artigo 1º define que consultores técnicos ou profissionais legalmente habilitados podem auxiliar o advogado na execução da investigação defensiva. Tais como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo (artigo 4º, provimento 188/18).
Outra indagação que pode surgir é quais fases processuais a investigação defensiva pode ser utilizada? Muito se engana ao pensar que se trata apenas de um instrumento de uso somente na fase pré-processual, no âmbito do inquérito policial. O provimento 188/18 é claro ao afirmar que além da investigação preliminar, a investigação defensiva pode ser aplicada no decorrer do processo em juízo, na fase recursal em qualquer grau, durante a execução penal, e para revisão criminal (artigo 2º do provimento 188/18).
O regulamento ainda elenca onze exemplos em que a investigação defensiva pode ser utilizada no artigo 3º do provimento 188/18:
I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito II – rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa; III – resposta a acusação; IV – pedido de medidas cautelares; V – defesa em ação penal pública ou privada; VI – razões de recurso; VII – revisão criminal; VIII – habeas corpus; IX – proposta de acordo de colaboração premiada; X – proposta de acordo de leniência; XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.
Por fim, pode surgir o questionamento sobre quais são os limites e deveres do advogado com as informações colhidas pela investigação? Das informações colhidas na investigação defensiva, não é dever do advogado levar ao conhecimento da autoridade todos resultados obtidos conforme o artigo 6º provimento 188/18.
Dessa maneira, ao não ter o dever de apresentar e informar os fatos investigados à autoridade, o advogado, ao analisar os dados obtidos pela investigação, pode utilizar-se apenas daqueles que segundo sua avaliação podem contribuir para o contraditório e ampla defesa de seu cliente. Resguardando no curso, ao fim e após as investigações o sigilo, a dignidade, privacidade, intimidade e demais direitos e garantias individuais das pessoas envolvidas (artigo 5º, do provimento 188/18).
1 Dias (2019, p.44). DIAS, Gabriel Bulhões Nóbrega. Manual de investigação defensiva:um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis: EMais, 2019