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Fraude em programas de milhagem

Inequívoco, assim, que o consumidor dispõe de ferramentas, para tentar tanto administrativa quanto judicialmente a retomada de seus pontos que foram fraudados, atuando frontalmente contra condutas abusivas, no desiderato de que estas sejam desestimuladas.

4/7/2022

A continuidade de atendimentos jurídicos de pessoas vítimas de fraude em programas de milhagem ensejou a elaboração do presente texto, para orientação e esclarecimentos ao consumidor.

A narrativa frequente trazida ao nosso escritório é de associados a programa de fidelidade de milhas, em que são creditados pontos, com o fito de sua utilização posterior em passagens aéreas ou mesmo para aquisição de produtos, que simplesmente assistem ao desaparecimento súbito de suas milhas, sem que sequer tenham se utilizado. 

De certo que, o habitual é o consumidor valer-se do resgate de pontos para emissão de passagens aéreas, tendo, via de regra, um perfil do usuário, seja com relação a datas dos voos, quando se trata de famílias com filhos pequenos em idade escolar, no período de férias, e, principalmente, aos beneficiários das passagens.

E, em caso de fraude, o uso normal dos pontos é completamente subvertido. 

Como se dá a fraude nos pontos de milhagem? 

A fraude nos pontos de milhagem apresenta um perfil:

Inegavelmente, os bilhetes aéreos emitidos, em situações de fraude, fogem completamente ao padrão do consumidor de boa-fé, que é surpreendido com o desaparecimento de pontos de sua conta.

Por meio de atuação completamente atípica, irregular e fraudulenta, são emitidos, sem conhecimento do consumidor e beneficiando pessoas estranhas ao seu relacionamento, passagens aéreas, a partir de seus pontos.

Acrescente-se que as datas e rotas dos bilhetes aéreos resgatados, os números de documentos pessoais dos passageiros beneficiários, as informações sobre os meios utilizados para o pagamento da taxa de embarque são completamente desconhecidos do usuário. 

Como deveriam proceder as operadoras de programas de milhagem?                              

É de conhecimento público que a realização de transações que fogem aos padrões habituais dos clientes costuma gerar alerta para a adoção de medidas pelas empresas, que variam do contato com o cliente para confirmação das transações ao bloqueio imediato da conta. Trata-se de procedimento padrão de qualquer empresa que atue com seriedade no mercado e controles preventivos de fraude adequados.

Assim, as operadoras de programas de milhagem deveriam praticar tal conduta contra a fraude, o que evitaria que esta se concretizasse, notadamente quando os resgates contestados destoam frontalmente do comportamento habitual do consumidor. 

O que fazer em caso de fraude no programa de milhagem?

Tão logo o consumidor, vítima de fraude, tenha ciência da ocorrência, deve entrar em contato com o programa de milhagem, fazer reclamação no site do Procon, bem como lavrar boletim de ocorrência, descrevendo todo o ocorrido, para que haja a devida apuração.

De tal modo que o usuário deve tentar a resolução na esfera administrativa, exaurindo a tratativa amigável.

Não tendo logrado êxito na devolução dos pontos, o consumidor deve buscar auxílio jurídico. 

Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo e base legal do pedido de devolução das milhas 

A partir da reiteração no atendimento de consumidores, vítimas de fraude em pontos de milhagem, colaciona-se jurisprudência favorável ao usuário, notadamente porque, nos termos do artigo 14, Código de Defesa do Consumidor, “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Ressalta-se que a responsabilidade das operadoras de milhagem, como prestadora de serviços, é objetiva. Referido entendimento advém da teoria do risco do negócio adotada pelo Códex Consumerista, colacionando-se o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves: “A responsabilidade deve recair sobre aquele que aufere os cômodos (lucros) da atividade, segundo o basilar princípio da teoria objetiva: Ubi emolumento, ibi ônus”.1

Nesta toada, a jurisprudência é cristalina:

“Restou evidenciado o defeito na prestação dos serviços pela ré, mostrando-se seu sistema vulnerável a fraudes, deixando o consumidor exposto à insegurança de seus serviços, daí a responsabilidade da ré, até porque objetiva, de restituir a integralidade das milhas subtraídas da conta do autor”. (TJSP, Apelação 1028897-17.2020.8.26.0100, Relatoria de Maia da Rocha, j. em 3/12/2020).

Tem-se, ainda, preceito fundamental que não pode ser olvidado: de que o consumidor é vítima da fraude, estando de boa-fé, ramificada nas ideias de confiança e lealdade, que deve pautar toda e qualquer relação.

O Código Civil foi expresso na sua previsão, preceituando o artigo 113 que:“os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”

Inequívoco, assim, que o consumidor dispõe de ferramentas, para tentar tanto administrativa quanto judicialmente a retomada de seus pontos que foram fraudados, atuando frontalmente contra condutas abusivas, no desiderato de que estas sejam desestimuladas.

______________

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª Edição. SãoPaulo: 2003, p. 339.

Fernanda Giorno de Campos
Sócia do escritório Lopes & Giorno Advogados. Pós-graduada em Setores Regulados pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Processual pela EPM.

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