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Fornecimento de dispositivo para leitura de glicemia, pelo plano de saúde. É possível?

Você sabe se o plano de saúde é obrigado a fornecer, a pacientes diabéticos, dispositivos para leitura de glicemia, a exemplo do Freestyle Libre? Como fazer? Saiba mais aqui.

28/6/2022

Muitos pacientes têm dúvidas sobre se o plano de saúde é obrigado a fornecer um glicosímetro, que nada mais é do que um dispositivo que é frequentemente utilizado por portadores de diabetes, para checar o nível de glicose no sangue. Pessoas com diabetes tipo um ou dois precisam acompanhar com frequência como está o seu nível de glicose, evitando que eventual pico ou queda (hipo e hiperglicemia) desse índice possa lhes afetar a saúde. Ademais, ele é uma ferramenta importante para verificar a eficácia do tratamento contra a diabetes, pois a falta de um controle pode representar complicações severas como cegueira, distúrbios neurológicos e problemas renais crônicos.

O glicosímetro é utilizado várias vezes ao dia, variando de acordo com a alimentação do paciente, e do tipo de diabetes. Normalmente, pessoas pré-diabéticas ou com diabetes do tipo dois necessitam medir a glicose uma a duas vezes por dia, enquanto pessoas com diabetes tipo um e que fazem uso de insulina podem necessitar de medição da glicose por até 13 vezes ao dia.

Existem muitos tipos de glicosímetros disponíveis no mercado, desde os mais invasivos (que requerem o constante injetar de agulhas no corpo para retirada de sangue, mais conhecidas como “picadas de dedo”) aos mais modernos (que são compostos por sensores rentes à pele, e que permitem a identificação instantânea da glicose por intermédio de um equipamento leitor).

O monitoramento dos níveis de glicose está diretamente relacionado ao controle da diabetes, pois ajuda a reduzir o risco de hipoglicemia. Nesse sentido, um dispositivo que facilita e incentiva a verificação da glicemia é extremamente benéfico ao paciente. E dentre os dispositivos mais modernos, existe o Freestyle Libre, que passou a ser prescrito por muitos médicos, pela sua facilidade de uso e pela possibilidade de gerar automaticamente relatórios concisos e que contém uma análise clara e transparente dos dados coletados de glicose daquele paciente, facilitando o acompanhamento da doença.

No entanto, esse equipamento possui um valor elevado, e muitos pacientes não podem arcar com esse custo. E aí que começa o problema para muitos, pois ainda existe a dúvida sobre se o plano de saúde deve ou não cobrir dispositivos como esse.

Mas deve o usuário de plano de saúde saber que se houver prescrição médica bem fundamentada, e no sentido de recomendar o uso desse dispositivo, o plano de saúde não pode se negar a fornecê-lo, sob nenhuma justificativa.

Saiba que pela Lei dos Planos de Saúde (lei 9.656/98), os planos de saúde devem sempre garantir a cobertura de todas as doenças listadas no CID-10, que é a Classificação Internacional de Doenças. E a diabetes está nessa lista, de forma que ela deve ser coberta integralmente, incluindo-se os tratamentos e medicamentos que vierem a ser relacionados pelo médico. Vale lembrar que não cabe ao plano de saúde questionar o tratamento indicado pelo médico ao seu paciente.

Ademais, o Judiciário brasileiro tem se posicionado no sentido de reconhecer a obrigação do plano de saúde, como reforça a súmula 102 do TJ de São Paulo, que indica que a operadora de saúde não pode se recusar a cobrir o tratamento indicado pelo médico sob o argumento de ser um tratamento experimental, ou por supostamente não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.

Portanto, sempre que o usuário de plano de saúde precisar recorrer a dispositivos como o Freestyle Libre, ou outro semelhante, deve estar sempre munido de um laudo médico adequado, contendo detalhes de seu quadro de saúde, e destacando a indicação e importância do equipamento para o monitoramento do estado do paciente.

Munido deste laudo, o paciente deve entrar em contato com o seu plano de saúde, e formular o requerimento. Havendo a negativa, deve o usuário exigir que a resposta seja dada por escrito (saiba que é obrigação da operadora fornecer esse documento contendo a negativa).

É comum que os planos de saúde acabem negando a cobertura necessária para o paciente diabético, ao afirmar que não há previsão contratual para tais medicações ou tratamentos. Contudo, essa afirmação não se sustenta, e hoje a jurisprudência majoritária afasta essa tese, ao aplicar o CDC, de forma a reconhecer como obrigação do plano de saúde em fornecer esse equipamento – mesmo após o famigerado julgamento do rol da ANS, conforme observamos a seguir:

APELAÇÃO Plano de Saúde - Ação de Obrigação de Fazer Pretensão de compelir a ré a custear medidor de glicose para o tratamento de diabetes mellitus - Sentença de improcedência - Inconformismo da autora, alegando, basicamente, que necessita da medidor de glicose para o tratamento da diabetes mellitus Cabimento - Prescrição médica Súmula 608 do STJ Aplicação do Código de Defesa do Consumidor Recusa abusiva Compete somente ao médico indicar o tratamento mais adequado ao paciente Aplicação da Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo - Recurso provido.

(TJSP, Apelação Cível AC 1074145-69.2021.8.26.0100 SP 1074145-69.2021.8.26.0100, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Aparício Coelho Prado Neto, DJ 24/06/2022)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. SENSOR DE MONITORIZAÇÃO DE GLICOSE FREESTYLE LIBRE. INSUMO. RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA.

1. Havendo previsão de cobertura contratual para a enfermidade crônica que acomete o paciente (diabetes), é indevida a recusa do plano de saúde em fornecer insumo a ser ministrado em ambiente domiciliar (no caso, o Sensor de Monitorização de Glicose Freestyle Libre), por se tratar de continuidade ao tratamento prescrito pelo médico assistente, sob pena de desnaturar o próprio contrato de assistência à saúde.

2. Negou-se provimento ao agravo de instrumento.

(TJ-DF 07214999520218070000 DF 0721499-95.2021.8.07.0000, 4ª Turma Cível, Rel. Des. Sérgio Rocha, DJ 30/09/2021)

APELAÇÃO CÍVEL. Ação de reparação de danos Sentença de Improcedência. morais. Inconformismo da Autora. Acolhimento Custeio de sensor FreeStyle Libre para tratamento de diabete. Recusa da Ré em fornecê-lo. Obrigação reconhecida em Ação anterior proposta pela Requerente. Descabimento da negativa. Abusividade configurada. Ocorrência de ilícito. Dever de indenizar. Danos morais caracterizados. Situação que extrapola o ordinário Sentença reformada. RECURSO PROVIDO, reformando-se a Sentença para se julgar procedente o pedido, condenando-se a Ré ao pagamento de danos morais no valor de $ 9.927,50 (nove mil, novecentos e vinte sete reais e cinquenta centavos) com correção monetária desde este Acórdão e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação. Diante da inversão do Julgado, a Ré arcará com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, observados os requisitos do artigo 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil.

(TJSP, Apelação Cível nº 1100268-41.2020.8.26.0100, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Penna Machado, DJ 02/05/2021)

Em resumo: havendo indicação médica, o plano de saúde tem a obrigação de fornecer o dispositivo para acompanhamento da glicemia, conforme indicado pelo profissional. Seja ele o sensor Freestyle Libre ou outro semelhante, a negativa de seu fornecimento pode representar uma conduta abusiva.

Evilasio Tenorio
Advogado com mais de uma década de atuação. Atuação especializada em Direito da Saúde, Civil, Societário e Empresarial. Consultor. Fundador do Tenorio Luna Advocacia.

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