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Da ilegitimidade passiva do devedor solidário para responder por dívida prescrita sem eficácia executiva

Caberá ao operador de direito analisar as circunstâncias do caso em concreto, para que assim seja escolhida a opção de inclusão ou não do terceiro codevedor.

27/6/2022

Preceituada no art. 700, caput, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), “[a] ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo [...]”.

O art. 402 do Código Civil de 2002 (CC/02), a seu turno, prevê que a parte requerida responde não apenas pelo valor original da dívida, mas também pelas perdas e danos gerados ao credor, que compreendem além do que ele efetivamente perdeu ou que razoavelmente deixou de lucrar.

Relativamente aos requisitos, cumpre ressaltar que deve existir prova escrita documental necessária para a propositura de ação monitória, além de que a parte devedora deve ter sido instada a resolver a situação de inadimplemento.

Em outras palavras, mesmo que a obrigação pactuada se encontre sem eficácia apta a ensejar uma ação de execução, poderá ser proposta ação monitória.

No tocante ao teor da obrigação celebrada, poderá concorrer mais de um devedor, como é o caso no contrato de empréstimo bancário advindo da emissão de Cédula de Crédito Bancário.

Quanto a supracitada forma contratual, o art. 31 da lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, dispõe que “[a] garantia da Cédula de Crédito Bancário poderá ser fidejussória ou real, [...] cuja titularidade pertença ao próprio emitente ou a terceiro garantidor da obrigação principal”.

Poderá ser celebrado contrato de empréstimo com garantia de terceiro codevedor, que, geralmente, responderá solidariamente em caso de inadimplemento.

É de se lembrar que “[a] solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”, como disposto no art. 265 do CC/02.

Não restam dúvidas quanto a possibilidade de ajuizamento de execução de título extrajudicial com a inclusão de devedor solidário, de modo que deverá ser observado o prazo prescricional aplicável de 3 (três) anos na maioria das hipóteses.

Apesar disso, considerando tal cenário, reiteradamente surgem algumas discussões jurisprudenciais quanto a possibilidade ou não de ajuizamento de ação monitória com a inclusão de terceiro codevedor.

A título de exemplo, cito o acórdão proferido pela 4ª (quarta) turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quando do julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 1520570/SP.

De um lado, a parte agravante alegou que os avalistas possuíam plena legitimidade para figurar no polo passivo da ação monitória ajuizada, sob fundamento que houve livre manifestação deles no instante de emissão da Cédula de Crédito Bancário objeto da ação.

Em relação ao teor da decisão recorrida, houve entendimento relativo à ilegitimidade passiva dos devedores solidários para respondem por obrigação pactuada que se encontre sem eficácia executiva.

No caso ilustrado, a 4ª (quarta) turma do STJ ratificou a impossibilidade de o aval subsistir em demanda fulminada pela prescrição executiva, porquanto tal forma de garantia perde a eficácia e o terceiro codevedor não responde mais pela dívida existente. Vejamos parte do trecho do acórdão:

[...]

Em que pese a alegação da recorrente, o Tribunal local concluiu que se trata de cobrança monitória lastreada em instrumento de cessão de crédito na justa medida em que os títulos que lhe dão suporte estão prescritos, o que afasta a relação cambiária e a responsabilidade dos avalistas.

[...]

A par de a conclusão alcançada pelo Tribunal local estar de acordo com o entendimento desta Corte, a premissa adotada, qual seja, a de que a cobrança está lastreada em instrumento de cessão de crédito, cuja pretensão executiva do título que lhe deu suporte está prescrita, é imune ao crivo do recurso especial, o que atrai a incidência dos enunciados n. 83 e 7 da Súmula desta Casa.

[...]

Não consta, outrossim, que os avalistas figuraram como devedores solidários, o que, de qualquer forma, pouco se alteraria, já que, como já se mencionou mais de uma vez, o pedido monitório está lastreado em instrumento de cessão de crédito e não em título de crédito endossado, sendo certo que cessão e endosso são institutos jurídicos inconfundíveis, em que pese haja situações em que a lei confere o valor de um à outra, o que, todavia, não foi questão suscitada ou examinada no caso dos autos.

[...]

A propósito, possuo entendimento que a ação monitória foi criada com o intuito de permitir ao credor inerte a satisfação do seu crédito, isto é, daquele que não observa o prazo prescricional aplicável e tampouco exerce algumas das medidas possíveis para cobrança do seu crédito extrajudicialmente.

O próprio art. 700, caput, do CPC/15, possibilita o ajuizamento de ação constituída em prova escrita e desacompanhada de eficácia executiva.

Em decorrência disso, a atual jurisprudência do STJ encontra-se harmoniosa com o intuito legislativo, posto que a inércia ou mesmo desídia do credor não poderá afetar o terceiro devedor solidário.

Em suma, poderá ocorrer o chamado perdão aos devedores solidiários, se porventura a obrigação principal não possuir eficácia executiva. Em outro sentido, afirmo ainda que a dívida interessará exclusivamente ao devedor principal.

De outro modo, a atual jurisprudência do STJ possibilita ainda ao credor a opção de ajuizamento de ação sem eficácia executiva com a inclusão dos devedores solidários, mas, que fique claro, tal alternativa constitui exceção à regra construída jurisprudencialmente.

A citada anterior possibilidade ocorrerá quando for verificado, no caso em concreto, o suposto enriquecimento ilícito do terceiro codevedor. Ou seja, que o avalista se beneficiou economicamente diretamente ou mesmo indiretamente do objeto do contrato inicialmente celebrado.

Como se percebe, o intuito é de evitar um possível locupletamento ilícito, já que poderia ocorrer do terceiro solidário utilizar do crédito eventualmente disponibilizado em seu benefício.

Indico, como exemplo, a hipótese em que existe a emissão de Cédula de Crédito Rural com garantia de terceiro dada devido à relação de parentesco em favor de um determinado produtor rural, onde o devedor solidário também exerce a atividade rural em conjunto com o devedor principal.

No caso exemplificativo, se por acaso fosse seguida ipsis litteris a tese de exclusão de responsabilidade solidária, é possível afirmar que existiria um claro benefício ilícito em favor de terceiro.

Nesse rumo, a 4ª (quarta) turma do STJ no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1763758/PR fixou o seguinte entendimento, vejamos:

[...]

1. A jurisprudência do STJ é firme quanto à ilegitimidade de o avalista responder por dívida inscrita em título de crédito prescrito, salvo quando comprovado seu locupletamento ilícito, circunstância afastada no presente caso. Manutenção da Súmula 83/STJ.

[...]

À vista disso, nem sempre será o caso de existir impossibilidade quanto ao ajuizamento de ação monitória com a inclusão de terceiro solidário, mas, fato é que irá depender de prévia análise da situação fática do caso existente.

Além do que já foi dito, alerto ainda em relação à possibilidade de fixação de honorários advocatícios e custas em desfavor do credor que efetuar o ajuizamento de ação monitória sem observar as lições até então expostas.

Assim, pelos menos até os dias atuais, conclui-se que existe construção jurisprudencial que corrobora com a tese de ilegitimidade passiva do devedor solidário para responder por dívida sem eficácia executiva, salvo se restar comprovado que o avalista se beneficiou economicamente diretamente ou mesmo indiretamente do objeto do contrato inicialmente celebrado.

Portanto, caberá ao operador de direito analisar as circunstâncias do caso em concreto, para que assim seja escolhida a opção de inclusão ou não do terceiro codevedor.

Caio Almeida Monteiro Rego
Advogado do escritório Barreto Dolabella Advogados. Pós-graduando em Direito Civil pela PUC/MG.

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