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Golpe do leilão – uma chaga jurídica a ser combatida

Cada vez mais é comum vermos advogados e clientes que não se conhecem fisicamente, toda a contratação, envio de documentos, pagamento de honorários e custas se dá via digital.

24/6/2022

Introdução – a pandemia e a digitalização das relações comerciais e profissionais

Com o advento da pandemia de covid-19 –  que assolou/assola o mundo a partir de março de 2020 – catalisou-se, em todos os setores da sociedade, onde é possível, a digitalização de serviços e atividades.

Teses e dissertações hoje, são defendidas – em provas públicas – via videoconferência. Digitalmente também, através de uma tela de um computador, audiências são realizadas, testemunhas são ouvidas, dentre outras.

Cada vez mais é comum vermos advogados e clientes que não se conhecem fisicamente, toda a contratação, envio de documentos, pagamento de honorários e custas se dá via digital.

Por óbvio que todo este processo de tornar o trabalho cada vez mais indoor, mais home-office tem inúmeras vantagens. Passamos mais tempo com nossas famílias; reuniões improdutivas são espécies em extinção; o trabalho, de forma geral, ficou mais otimizado, o que se traduz em redução de custos e, por conseguinte, aumento dos lucros das pessoas inseridas no mercado de trabalho.

O problema geral – a digitalização do estelionato

Todavia, há que se anotar que, da mesma forma que a sociedade evolui, num processo darwiniano evoluíram também criminosos e estelionatários.

Se antigamente os praticantes deste tipo de crime especializavam-se em vender pontes e obras públicas ou, por outra, negociar bilhetes de loteria premiados, pelo simples fato das pessoas, massivamente, passarem a interagir mais e mais através de uma tela touch screem, aquelas pessoas que tem por meio de vida ludibriar terceiros com o fito de auferir lucro, os golpistas de toda a sorte, também migraram para a Internet.

Tanto o assim o é que o número de fraudes praticadas pela Internet aumentou 16% em 2021 em relação ao ano de 2020.1

O problema específico – O golpe do leilão falso

Foi matéria no Jornal “O Estado de São Paulo”, em 14/5/222, a questão das quadrilhas que praticam golpes do leilão falso.

O golpe do leilão, como ficou popularmente conhecido, consiste em quadrilhas que criam sites (normalmente com os domínios “.com” e não “.com.br”)3 para ofertar produtos, normalmente veículos, por preços muito abaixo do mercado.

Há que se notar que as páginas em questão são extremamente bem elaboradas, normalmente levam consigo o selo de algum tribunal, de leiloeiros, grandes escritórios de advocacia, sobrenomes tradicionais, aqueles chamados de “quatrocentões”.

Criado o site, o mesmo, fraudulentamente é vinculado a uma empresa que, efetivamente, existe. Este modus operandi permite que suas vítimas consultem o CNPJ da “empresa leiloeira” no site da Receita Federal e confirme que aquela pessoa jurídica, efetivamente, existe.

Cumpridas essas etapas “formais” prepara-se o golpe. São ofertados veículos por preços inacreditavelmente baixos, alguns por menos da metade do seu valor de mercado, para serem adquiridos em leilões.

Pessoas ansiosas por fazer um bom negócio4 mordem a isca, acessam o site e, excitadas com a possibilidade de fazer um excelente negócio, acabam ofertando lances baixos que serão aceitos.

Normalmente, quando chega no ponto de ofertar lances, a vítima já está tão hipnotizada com a possibilidade de realizar uma excelente compra, que simplesmente ignora os sinais óbvios.

Após a confirmação da sua vitória no certame, a vítima, recebe uma mensagem, ora por e-mail, ora por telefone, ora por whatsapp, informando que, por conta de um problema bancário qualquer, o depósito deve ser feito na conta de uma terceira pessoa, um laranja, normalmente moradores de rua que os mentores do golpe usam, para abrir contas bancárias e realizar transações financeiras.

Como dissemos acima, inebriados pela possibilidade de lucro fácil, as vítimas fazem o depósito, de vultosas importâncias, ignorando os claros sinais de alerta: 1) preço muito abaixo do mercado; 2) pagamento a ser feito a pessoa que sequer existe no contrato social da empresa.

De acordo com a citada matéria do jornal O Estado de São Paulo, 2000 sites fraudulentos foram fechados em dois anos.

Numa estimativa modesta, podemos com [relativa] segurança5 afirmar que cada uma destas “empresas” realizou algo como 30 leilões, com valor médio dos carros comercializados em R$ 40.000,00.

(É importante observar que algumas destas empresas alugam, ainda que por curtíssimo número de dias, andares inteiros em locais nobres como Avenida Paulista, Barra da Tijuca, Brigadeiro Faria Lima, dentre outros, como meio de passar credibilidade à operação.)

Pois bem, se os números que estimamos estão corretos, significa, então, que nos últimos dois anos pessoas honestas, iludidas com a possibilidade de realizar um excelente negócio, perderam – apenas para esta modalidade de golpe – R$ 2.400.000.000,00 (dois bilhões e quatrocentos milhões de reais).

Com efeito, este artigo – que longe de esgotar o assunto, procura iniciar o debate – ao fim e ao cabo serve como um chamado urgente para que advogados, OAB, autoridades policiais, juízes e MP atuem com rapidez e rigor no enfrentamento deste problema.

Por ora, àqueles que pretendem adquirir um bem em leilão, podemos oferecer os seguintes conselhos/advertências: a) procurem sempre um advogado de sua confiança; b) tenham extremo cuidado com propostas milagrosas. Negócios mágicos não existem, e; c) não façam pagamento algum a terceiros, que não a própria empresa leiloeira.

_____

1 Fonte: https://www.convergenciadigital.com.br/Seguranca/Golpes-marcam-2021-e-Brasil-registra-mais-de-4-milhoes-de-fraudes-digitais-59482.html?UserActiveTemplate=mobile#:~:text=O%20ano%20de%202021%20chegou,3%2C5%20milh%C3%B5es%20de%20ataques.

2 Golpe do Leilão cresce na pandemia e 2 mil sites falsos são identificados. O Estado de São Paulo. Pg. A-24. 14 de maio de 2.022.

3 Isto é, sites que, na maior parte das vezes, estão hospedados fora do país.

4 Notemos aqui que não necessariamente apenas pessoas simplórias são vítimas deste tipo de golpe. Tivemos processos em nosso escritório, onde as vítimas – os arrematantes – eram Juízes e Advogados.

5 Atendemos em nosso escritório algumas pessoas (físicas e jurídicas) que foram vítimas deste tipo de quadrilha; seja arrematando veículos inexistentes, seja com a indevida utilização de seus dados por estes marginais, de sorte que podemos afirmar que entendemos, um pouco, do modus operandi deste tipo de estelionatário.

Paulo Antonio Papini
Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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