Vou contar um segredo comum a [quase] todos os advogados, que outrora foi revelado pelo querido Marcelo Feller, salvo engano: os minutos que antecedem a nossa chegada no plenário do júri, na sala audiências ou na tribuna da defesa são sempre recheados com um misto de alegria e desespero. Alegria porque é nesses ambientes que nós exercemos de forma plena a “arte da advocacia”. Desespero porque, na maioria das vezes, o nervosismo toma conta e faz com que a boca fique seca, as pernas trêmulas e o coração palpitando a quase mil por hora.
Para mim, por exemplo, é comum iniciar sustentações orais revelando essa salada de sentimentos. Logo de início eu digo em alto e bom som que naqueles primeiros minutos eu estarei, sim, nervoso. E, justamente por isso, peço que eles não deem atenção para os escorregões que, em razão dessa ansiedade, poderão acontecer. Nós sentimos esse nervosismo gigante porque sabemos que carregamos a responsabilidade de bem representar os interesses que os nossos clientes nos confiam.
A única coisa que eu e a esmagadora maioria dos profissionais que conheço não têm é medo! E não importa quem está assistindo, ouvindo, debatendo ou interagindo. Ainda que mergulhados nessa aflição que antecede a nossa “subida no palco”, sabemos todos que aquele espaço que a gente ocupa é, além de sagrado, uma trincheira. A nossa trincheira. Aconteça o que acontecer, não arredamos o pé do direito dos nossos clientes e das prerrogativas que nós conquistamos. Com ou sem a beca sobre os ombros.
Há alguns anos participei de uma audiência no interior em um desses processos grandes, com vários volumes e que envolvia fraude, discussão sobre uma vultuosa quantia e onde seriam ouvidas, só naquele dia, umas dez testemunhas. Do lado de cá, estávamos em dois advogados, eu e um colega assistente. Do lado de lá, outros dois profissionais mais velhos e, portanto, mais experimentados que nós.
Logo no início, quando ainda ouvíamos o depoimento pessoal de uma das partes que eu representava, virei a minha cadeira de frente para o depoente esperando colher impressões sobre “o que” e “como” ele falava. Faz parte da minha forma de atuar nas audiências colher percepções sobre a tal comunicação não verbal. Isso me ajuda a desenhar estratégias daquele momento em diante.
Incomodado com o movimento da minha cadeira, o colega que atuava do outro lado protestou. Bradou o “pela ordem”, interrompeu o ato e disse para o juiz que não admitia a minha cadeira de frente para o meu cliente. Ele disse que aquilo poderia influenciar o depoimento e a continuidade dos trabalhos, e que eu deveria ficar de costas, sem que fosse possível qualquer troca de olhares entre mim e a pessoa que me contratou (e pagou!) para que eu estivesse ali.
Fiquei assombrado. Não imaginei que um profissional tarimbado e, como eu disse, mais bem experimentado pudesse dizer aquilo. E não me calei, obviamente. Pedi a palavra e, em resposta ao seu inconformismo, esclareci que a posição geográfica que eu ocupava dentro daquela sala seria a que eu escolhesse. Se eu quisesse ficar em pé, sentado, de frente, de costas, de lado ou de bruços nem ele, representante da parte contrária, nem o juízo poderiam interferir. E esclareci: “quem diz isso não sou eu, colega, é a lei”.
O juiz do caso, que durante toda a instrução foi exemplarmente calmo e muito técnico, ouviu atento o debate entre nós e finalizou a discussão concordando com o meu argumento. Ele inclusive leu o que dispõe o art. 7º da lei 8.906/94, onde consta essa prerrogativa. E ainda disse: “se eu for contra isso estou ferindo uma prerrogativa da advocacia, não do advogado”.
Se o foco da minha atuação fossem os ingredientes que estavam no meu campo objetivo de visão, isto é, o nervosismo e a ansiedade que comentei no início, somados à nítida (e intimidante) experiência dos advogados que representavam a parte contrária, eu teria acatado a reclamação apresentada, “obedecido” a ingerência e não teria agido. Mas, diferente disso, foquei o meu olhar nos direitos que eu e o meu cliente tínhamos. Em fração de segundos nós nos atentamos que esses direitos eram mais importantes do que a experiência e a interferência dos nossos antagonistas. De quebra, ainda tínhamos ali um juiz atento aos termos da lei e às prerrogativas da advocacia.
Feita a digressão, confesso: a vivência experimentada com esse juiz me fez ficar absolutamente perplexo quando assisti o vídeo que tem circulado por aí e que mostra o debate entre advogados e uma juíza do Rio de Janeiro. Fiquei assustado com o despreparo da pessoa que, em uma só toada, ignorou a condição dos profissionais que representam os interesses dos réus e, furiosa, ordenou que eles se sentassem. Uma postura exagerada e sem nenhum fundamento. A ordem daquele evento não dependia da posição que os advogados ocupavam no plenário.
A edição 374 do Jornal da OAB/SP trouxe uma entrevista interessante da ministra aposentada do STJ, dra. Eliana Calmon, onde constaram algumas lições relevantes para magistrados que, fruto de um ambiente incontestavelmente propício, acabam sendo contaminados pelo mal do ego inflado.
Ela diz que alguns juízes, “muitas vezes inseguros por não saberem bem enfrentar as dificuldades da profissão, fecham-se como caracol e passam a ideia de distância e superioridade. É aí que nasce a juizite, uma doença profissional.” O raciocínio é fechado com uma lição valiosíssima: “o problema deve ser atacado já na formação do magistrado e aqueles já afetados devem recorrer ao hospital que pode oferecer o tratamento adequado, que é a Escola da Magistratura”.