A CF/88 estabelece que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.Nessa linha, apesar de ser um direito fundamental constitucional de segunda geração e cláusula pétrea, percebe-se que muitos cidadãos não têm acesso com a equidade desejada, necessitando de contratar operadoras de saúde privadas.Ou seja, infelizmente, o Estado, por muitas vezes, não consegue prover recursos suficientes para atender com eficiência e eficácia toda a população e igualdade material. Nessa linha de discussão, inicia-se o questionamento sobre a abrangência de serviços e o custo final ao consumidor dessas operadoras, para que haja equilíbrio e satisfação contratual sinalagmáticos. Por conseguinte, há um paradoxo a ser decifrado sobre o que o plano de saúde pode e quer cobrar e a aceitação e o aproveitamento do cliente usuário do serviço médico.
Inicialmente, deve-se observar que há o ponto de vista da operadora e do consumidor do serviço. Nessa linha, quando uma pessoa contrata um plano de saúde, espera um contrato justo com abrangência de atendimentos preestabelecidos e custo-benefício positivados- pois tem, na teoria, um “serviço público à disposição”. Todavia, na visão da operadora de planos de saúde, a grande questão a ser colocada em xeque é quais serviços a serem listados no atendimento, qual o custo final para se obter lucro e evitar a todo o custo da judiciarização da saúde, com prejuízos a ambas as partes. Diante do exposto, os dois polos de atuação têm interesses opostos, mas necessitam de uma atuação mutualista para a continuidade de atendimento. Destarte, se o consumidor parar de pagar, a operadora não conseguirá atender, com afinco, o cliente e irá aumentar os custos de manutenção administrativa e reduzir a lista de atendimentos, criando um ciclo vicioso deficitário.
Outrossim, após toda a explanação supracitada, faz- se mister destacar o julgamento recente dos ministros do STJ sobre a taxatividade relativa do rol de medicamentos da ANS. Nessa perspectiva, foi decidido que “As operadoras não são obrigadas a arcar com tratamentos que não constem na lista da ANS, se nela existir alternativa igualmente eficaz, efetiva e segura já incorporada”. Consequentemente, quando um indivíduo contrata um plano de saúde no Brasil e necessita de um medicamento que não esteja nesse rol taxativo, deve constatar se não existe um substituto terapêutico para adentrar com processo judicial e obter, com celeridade, o fármaco específico.
Entretanto, muitos começaram a questionar a respeito da intenção intrínseca deste julgado em relação ao possível beneficiário imediato: a operadora, com redução de custos com a redução do leque de atendimentos ou os consumidores, com o arrefecimento das remarcações das cobranças mensais. Segundo a senadora Nil Godinho, “é gravíssima a decisão do STJ de desobrigar planos de saúde a darem cobertura aos procedimentos que não estejam no rol taxativo da ANS, isso vai afetar os autistas, pessoas com deficiência e doenças raras”. Nessa toada, percebe-se que essa questão coaduna com a pretérita questão da saúde individual e coletiva, permitindo ao leitor a indagação sobre a viabilidade de se tentar colocar numa lista alguns medicamentos específicos e atender somente uma camada da população, sem se preocupar com o coletivo e a proteção universal proposta pela CF/88.
Além disso, é cediço que o poder Judiciário está abarrotado de processos repetitivos sobre a utilização de medicamentos que estão fora da lista taxativa da ANS e corrobora com a ideia dos ministros do STJ em restringir os fármacos acessíveis aos consumidores. Nessa linha de pensamento, percebe-se que a questão da saúde no Brasil denota preocupação por parte do Estado provedor e pelos usuários dos serviços financiadores de todo este sistema público e privado.Nesse ângulo, num futuro muito próximo, todos os envolvidos visualizarão o aproveitamento ou não deste importante julgado dos ministros do STJ, mas a certeza atual é que tanto o governo irá arcar com a judiciarização excessiva sobre acesso á saúde quanto os cidadãos, que foram excluídos da lista da ANS, e tentarão, a todo o custo, proteger suas famílias. Para finalizar, faz-se necessário refletir sobre o pensamento do filósofo John Rawls “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais e todo indivíduo tem direito à inviolabilidade pessoal que não pode ser sobreposta para atender o bem-estar de toda a sociedade, além disso, não se pode conceber que o sacrifício imposto a alguns seja maior que a soma de vantagens obtidas pela maioria”.