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Características elementares e legais dos royalties relativos ao Fundo Especial gerido pela Agência Nacional do Petróleo, gás natural e biocombustíveis (ANP)

Assim como ocorrem as transferências constitucionais de parcela das receitas tributárias entre os entes públicos por meio das participações em fundos, os royalties também são distribuídos pela União por meio de repasses efetuados a partir do Fundo Especial.

20/6/2022

Sob a perspectiva histórica, relevante anotar que a partir da abertura do mercado a agentes privados, foi promulgada a lei 9.478/97 que regulamentou tal abertura e, não por acaso, é conhecida como a Lei do Petróleo.

Desse modo, o pagamento de compensação financeira, em regra, é vinculado diretamente aos efeitos sociais e ambientais do processo de exploração do recurso natural da União, tratado como indenização, embora, a partir da lei 7.453/85, entes federados que não se enquadravam nos conceitos de atingidos ou afetados, passaram a receber 1% (um por cento), dividido entre todos eles.

A Lei do Petróleo promoveu alterações no setor de óleo e gás do Brasil, inclusive a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), inaugurando a fase de regulação do setor. Em se tratando do ponto que se discute, a Lei do Petróleo estabeleceu, em seu art. 47 e § 1º, o percentual padrão de 10% (dez por cento) para os royalties, podendo ser reduzidos até o limite de 5%, a depender de critérios a serem analisados pela ANP.

Com o advento da lei 12.734/12, a forma de partilha dos recursos foi bastante modificada, de modo a beneficiar um pouco mais os estados e municípios não ajustados às condições territoriais decorrentes da exploração direta de petróleo e gás, mas vinclulados ao rateio dos recursos dos  Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM).

Deste modo, os royalties são pagos mensalmente pelas empresas à STN, que é encarregada de repassar aos Estados, Municípios,  Comando da Marinha, Ministério da Ciência e Tecnologia e ao Fundo Especial, que é administrado pelo Ministério da Fazenda e distribuído a todos os Estados e Municípios de acordo com o FPE e FPM.

De acordo com federalismo fiscal cooperativo, não apenas ocorre a partilha de de receita tributária, mas também a partilha de receitas patrimoniais entre os entes federados, seja por meio da repartição de fontes de receita, seja pela repartição do produto da arrecadação, podendo ser utilizado o sistema de fundos financeiros especiais para sua implementação.

Nesse rumo, os royalties arrecadados pela União devem ser obrigatoriamente repassados aos entes legitimamente estabelecidos para receber os recursos indenizatórios por força de mandamento constitucional (CF, art. 20 §1º). Nesse sentido, cabe ao Tesouro Nacional, em cumprimento aos dispositivos constitucionais, efetuar as transferências desses recursos aos entes federados, nos prazos legalmente estabelecidos.

Tendo sido atribuída pela Constituição essa fonte de receita patrimonial (royalties) exclusivamente à União, fica afastada a competência dos demais entes  federativos para arrecadar esses valores.

Aos Estados, Distrito Federal e Municípios apenas compete o direito à divisão  do produto da arrecadação, na forma que vier a ser estabelecida por lei federal1. Portanto, o conceito de distribuição do produto da arrecadação é pertinente ao sistema de repartição de receita, do federalismo fiscal cooperativo, de rateio de valores entre entes federados.

A distribuição do produto da arrecadação obedece a um critério espacial, geográfico; a vinculação de receita obedece a um critério relacional, que  congrega a receita ao estabelecimento de uma finalidade. Afetação é o estabelecimento dessa finalidade, que ocorre por meio da vinculação a uma despesa,  órgão ou fundo.

A distribuição das verbas relativas aos royalties ocorre por meio do Fundo  Especial mencionado no artigo 48 da lei 9.478/97. A disposição legal esclarece, ainda, que “o rateio dos recursos do fundo especial obedecerá às mesmas regras do rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), de que trata o art. 159 da Constituição”.

Assim sendo, de acordo com Fernandes de Oliveira2, o sistema de fundos de participação distribui o produto da arrecadação de forma interfederativa e o sistema de fundos de destinação cria vinculação da receita, afetando-a a um fundo. Sob este escólio, é possível afirmar que o Fundo Especial em estudo se trata de um fundo de distribuição, que promove a repartição dos royalties entre diversos entes federativos, conforme critérios estabelecidos em lei e determinação da ANP.

Na análise da distribuição dos royalties, é necessário cruzar diferentes situações, a saber: (i) contratos firmados sob o regime de concessão e firmados sob o regime de partilha de produção; (ii) exploração em áreas terrestres e exploração marítima; (iii) e, nos contratos de concessão, deve-se distinguir entre a parcela obrigatória de 5% e parcela variável entre 5% e 10%.

Numa tentativa de sistematização didática dessas diversas hipóteses, é possível demonstrar as normas supratranscritas conforme as seguintes tabelas3:

Royalties terrestres

(em terra, rios, lagos, ilhas lacustres ou fluviais) 

 

Partilha

Concessão 5%

obrigatório

Concessão entre

5% e 10%

Estados produtores

20%

70%

52,50%

Municípios produtores

10%

20%

15%

Municípios afetados

5%

10%

7,5%

Rateio pelo sistema FPE adaptado

25%

-

-

Rateio pelo sistema FPM adaptado

25%

-

-

Fundo Social da União

15%

-

25%

 Royalties marítimos

(da plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva) 

 

Partilha

Concessão 5%

obrigatório

Concessão entre

5% e 10%

Estados produtores

22%

20%

20%

Municípios produtores

5%

17%

(em 2019 = 4%)

17%

(em 2019 = 4%)

Municípios afetados

2%

3%

3%

Rateio pelo sistema FPE adaptado

24,5%

20%

(em 2019 = 27%)

20%

(em 2019 = 27%)

 

Rateio pelo sistema FPM adaptado

24,5%

20%

(em 2019 = 27%)

20%

(em 2019 = 27%)

Fundo Social da União

22%

20%

20%

Analisando os quadros acima, nota-se que dentre as principais transferências da União para os Estados, o DF e os Municípios, previstas na Constituição, destacam-se as modalidades do FPE e FPM. Parte da destinação de recursos de royalties ao Fundo Especial se dá a partir dos mesmos critérios de distribuição do FPE e FPM.

O FPE é um sistema de transferências obrigatórias de receitas oriundas de dois impostos arrecadados pela União, o Imposto sobre a Renda – IR e o Imposto sobre produtos industrializados – IPI. Do  total arrecadado, 21,5% é partilhado com os Estados, na forma estabelecida na LC 62/89 com as alterações estabelecidas na LC 143/13, que estabelece que as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste devem receber pelo menos 85% do total, sendo rateados entre os Estados, sendo que esse item tem um peso de 95% no conjunto. Assim, é um fundo que tem por base a realização de transferências obrigatórias para os Estados, com base em critérios regionalizados, sem levar em conta a capacidade arrecadatória de cada Unidade ou outras transferências interfederativas. Destarte, é possível concluir que a destinação das verbas dos royalties ao Fundo Especial constitui uma das modalidades de transferência de recursos financeiros da União para os estados e municípios, nas mesmas bases previstas no art. 159 da CF, de modo que os royalties podem ser um forte indutor de desenvolvimento, tratado como mais uma receita pública além das tributárias, podendo ser utilizada para custeio da máquina estatal, com base no princípio da liberdade do legislador orçamentário.

No que tange aos possíveis questionamentos quanto a natureza jurídica deste Fundo especial, relevante destacar o escólio doutrinário de José Maurício Conti4:

“O caso da transferência de recursos por meio dos Fundos de Participação previstos na Constituição brasileira é o típico caso de transferência intergovernamental automática e obrigatório ‘por fórmula’. O sistema de transferência intergovernamental adotado pela Constituição brasileira que faz uso dos Fundos de Participação nada mais é do que uma fórmula de redistribuição de recursos entre as diversas esferas de governo. Os Fundos de Participação foram criados apenas e tão somente como uma etapa intermediária – e necessária – entre as regras de recebimento dos recursos e as regras de distribuição dos mesmos recursos. São, pois, partes integrantes da fórmula de redistribuição de recursos acolhida pelo Texto Constitucional que permitem a operacionalização dessa sistemática.

Não há porque atribuir personalidade jurídica – ou capacidade postulacional, ou processual – a parte de uma fórmula matemática de transferência intergovernamental despida de qualquer grau de autonomia. A figura dos Fundos de Participação não tem, na verdade, qualquer tipo de personalidade jurídica, ou capacidade postulacional, ou qualquer outra denominação que se dê figuras intermediárias entre uma entidade com personalidade jurídica e um bem completamente despersonalizado.” 

Visto isso, entende-se que a natureza jurídica do Fundo Especial é mais de  objeto de direito, e menos de sujeito de direito, considerada a relação jurídico-financeira, pois não possui capacidade de realizar qualquer ato jurídico, não havendo autonomia na gestão dos recursos que o integram. Como dito, é a Secretaria do Tesouro Nacional que efetivamente promove o repasse dos valores informados pela ANP a cada Município e Estado que têm direito a participação nas receitas tributárias definidas pela CF, assim, não há relação de crédito e débito da ANP em relação aos valores devidos a título de royalties, e não sendo a autarquia credora, não tem legitimidade para pretender repeti-los.

A ANP como agência reguladora compete reconhecer e incluir o ente público na relação daqueles com direito à percepção das compensações, informando a STN os valores calculados de município a município, segundo os critérios definidos em lei para fins de percepção. Diferentemente das ações judiciais em que se pleiteia a recuperação de receitas certas e determináveis, como aquelas em que é possível discriminar previamente os valores a serem restituídos, as receitas referentes aos royalties repassados pela ANP podem variar de acordo com diversos fatores, como localização geográfica, entes públicos inseridos na base de cálculo da divisão do fundo, volume de produção de petróleo e gás natural do mês de apuração e preço de referência dos hidrocarbonetos no mês de referência. Assim, os entes destinatários da divisão do Fundo Especial se submetem, mês a mês, a uma natural variação de suas cotas, diante das intercorrências que influenciam na repartição do montante global dos royalties. Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho do agravo regimental nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo de instrumento, apreciado pelo STJ:

“O Município de Balneário Barra do Sul e o Município de Itapoá, unidades da Federação, integrantes do Estado de Santa Catarina, ajuizaram a presente ação ordinária em face da Agência Nacional do Petróleo – ANP, Autarquia Federal responsável pela distribuição dos royalties de petróleo gerados pelo desembarque de óleo bruto e gás natural na monobóia da Petrobrás S/A, situada na plataforma continental em São Francisco do Sul/SC, tendo em vista a revisão feita pela ANP, no final do ano de 2002, nos critérios de distribuição dos royalties da mencionada monobóia, ao editar o ato administrativo (Portaria ANP nº 29/02) que retirou uma parte substancial dos royalties  mensais que recebiam os Municípios autores, em favor dos três outros municípios que vieram a integrar a lide depois do ajuizamento desta ação, quais sejam: Garuva, Joinville e Araquari. Objetivam, em síntese, os Municípios de Balneário Barra do Sul e Itapoá reverter o ato administrativo que modificou o critério de repasse dos royalties, restabelecendo a situação anterior, bem como requerem a condenação da ANP na correspondente indenização pelas retenções e pelos repasses das verbas que lhes seriam devidas, mas que  foram creditadas em favor dos Municípios de Garuva, Joinville e Araquari. Colhe-se dos autos que os royalties eram, antes da revisão feita pela ANP, repassados nos percentuais de 40% ao Município produtor - São Francisco do Sul, 30% ao Município de Itapoá e 30% ao Município de Balneário Barra do Sul, estes dois últimos considerados únicos integrantes da Zona de Influência da aludida monobóia de desembarque de petróleo e gás natural operada pela Petrobrás S/A, instalada em mar aberto há aproximadamente 10 Km da linha de costa da Ilha de São Francisco do Sul. Com a mudança na distribuição dos royalties, a partir da nova interpretação dada à Portaria ANP nº 29 de 22 de janeiro de 2002 pela Agência Nacional do Petróleo, ampliaram-se os municípios componentes da referida Zona de Influência, passando a integrá-la, além dos Municípios de Itapoá e de Balneário Barra do Sul, os Municípios de Garuva, Araquari e Joinville. Com efeito, a distribuição dos royalties passou a ser feita no percentual de 12% para cada um dos cinco Municípios, ficando inalterada a situação do Município da monobóia, i.e, São Francisco do Sul, cujo percentual de 40% manteve-se incólume. Entretanto, o repasse, com o redimensionamento aqui discutido, somente foi realizado a partir da competência de outubro de 2002, com efeitos financeiros retroativos a janeiro 2002, quando, inclusive, iniciou-se a dedução do que os Municípios de Itapoá e de Balneário Barra do Sul haviam recebido em desacordo com a norma regulamentar, desde janeiro de 2002, fato que determinou a supressão do percentual de 50% do que deveriam receber mês a mês, até a efetiva restituição aos três outros Municípios, tudo de acordo com a determinação regulamentar questionada. Os autores sustentaram, então, que perderam duas vezes: uma, diante da nova divisão dos royalties com os novos participantes que passaram a integrar a zona de influência; e, duas, porque desse novo e menor percentual, estaria havendo retenção de 50%, a título de desconto, para ressarcir aqueles três Municípios. Neste contexto, até a competência de setembro de 2002, os Municípios de Itapoá e de Balneário Barra do Sul recebiam 30% dos royalties pagos  à zona de influência da citada monobóia, em sua configuração original, e, a partir de outubro de 2002, repentinamente, o percentual ficou reduzido para 6%, percentual este que perduraria até que consumada a restituição integral do que seria devido, quando, então, os Municípios de Itapoá e de Balneário Barra do Sul seriam creditados, mês a mês, de 12% da produção. (AgRg nos EDcl nos EDcl no Agravo de Instrumento nº  1.215.890/RJ, Relator Ministro  Arnaldo Esteves Lima, DJe 23/02/2011)” 

Destaca-se que a nova fórmula de rateio os royalties marítimos do petróleo  inserida pela lei 12.734/12, cuja aplicação encontra-se suspensa em parte por liminar do STF, após conturbado processo legislativo, provocou o ingresso de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas pelos Estados produtores ou confrontantes que tiveram reduzida sua receita pública transferida, a saber: (i) ADIn 4.916, proposta pelo Estado do Espírito Santo em 15/3/13; (ii) ADIn 4.917, proposta pelo Estado do Rio de Janeiro em 14/3/13; (iii) ADIn 4.018, proposta pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, assinada em 15.03.2013, mas que requereu distribuição por dependência às ADIns 4.916 e 4.017; e (iv) ADIn 4.020, proposta pelo Estado de São Paulo em 15/3/13.

A ação que recebeu o primeiro despacho foi a ADIn 4.917 do Rio de Janeiro, à qual as demais foram apensadas, tendo sido distribuídas por prevenção à Ministra Cármen Lúcia, que concedeu monocraticamente a medida cautelar requerida em 18/3/13, para “suspender os efeitos dos arts. 42-B; 42-C; 48, II; 49, II; 49-A; 49-B; 49-C; parágrafo 2º do artigo 50; 50-A; 50-B; 50-C; 50-D; e 50-E da Lei Federal 9.478/97, com as alterações promovidas pela Lei 12.734/2012”. Atualmente, a liminar vigora por oito anos e as normas indicadas encontram-se com seus efeitos suspensos.

No que tange à aplicação desta espécie de receitas públicas, ressalta-se que  os royalties se enquadram na modalidade de transferências legais, uma vez que a aplicação dos recursos repassados não está vinculada a um fim específico. Nesse sentido, o ordenamento jurídico veda a aplicação das receitas recebidas a título de compensação financeira advindas do Fundo Especial de Royalties/Petróleo apenas no pagamento de dívida e no quadro permanente de pessoal, excetuando-se o adimplemento dos débitos com a União Federal e ao custeio de despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como sua aplicação para capitalização de fundos de previdência,  nos termos do art. 8º da Lei n. 7.990/89.

Em síntese, conclui-se que assim como ocorrem as transferências constitucionais de parcela das receitas tributárias entre os entes públicos por meio  das participações em fundos, os royalties também são distribuídos pela União por meio de repasses efetuados a partir do Fundo Especial, de acordo com determinados critérios de rateio estabelecidos pela ANP e atendendo ao princípio da descentralização no federalismo cooperativo fiscal brasileiro.

________________

1 SCAF, Fernando Facury. Royalties do petróleo, minério e energia: aspectos constitucionais, financeiros e tributários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 253.

2 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro, 3ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2010, p. 312 e ss.

3 SCAF, Fernando Facury, op. cit., p. 279. 

4 Federalismo Fiscal e Fundos de Participação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 79.

Edvaldo Nilo de Almeida
Pós-Doutorando em Direito Tributário pela UERJ. Pós-Doutorando em "Derechos Humanos: de los derechos sociales a los derechos difusos" pela Universidade de Salamanca. Pós-Doutorado em Democracia do Ius Gentium Conimbrigae associado à Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Público pela PUC/SP. Procurador do Distrito Federal. Vencedor do Prêmio Luis Eduardo Magalhães com a tese sobre CPI. Sócio do escritório Nilo & Almeida Advogados Associados.

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