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Do levantamento da indisponibilidade oriunda de ação/investigação criminal em imóvel alienado fiduciariamente

Por meio da alienação fiduciária é transferida ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel, com a aplicação de todos os princípios do direito de propriedade.

20/6/2022

É notório que cada vez mais o Ministério Público vem buscando recuperar aos cofres públicos os valores e bens que se confundem com as atuações criminosas. As atuações por todo país têm buscado não mais apenas a recuperação dos ativos obtidos com proveitos da atividade criminosa, mas também outros bens em nome dos investigados, visando, em caso de condenação, uma futura reparação do dano.

Nessa linha, importante trazer à tona uma breve análise sobre os bens alienados fiduciariamente para pessoas investigadas.

Pela alienação fiduciária cria-se uma titularidade fiduciária, ficando o imóvel objeto da fidúcia excluído do patrimônio do devedor-fiduciante, com a averbação do contrato no registro competente.

Uma das medidas adotadas pelo Ministério Público, ressalta-se, cada vez mais recorrente, é o requerimento de indisponibilidade de todos os bens do investigado e não só aquele que envolve a empreitada criminosa.

Entretanto, referida ordem de indisponibilidade desenfreada acaba que, por vezes, resultam em indisponibilidades de bens que na realidade não são dos investigados, mas sim dos bancos que alienaram fiduciariamente aquele bem, ou seja, credores. A medida adotada para referida discussão é o incidente de restituição de coisa apreendia

Como se sabe, por meio da alienação fiduciária é transferida ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel, com a aplicação de todos os princípios do direito de propriedade, desde que ao pacto fiduciante seja dado publicidade mediante competente registro, nos termos da legislação aplicável à espécie.

O imóvel alienado fiduciariamente é garantia oferecida pelo devedor fiduciante que transfere a propriedade do imóvel ao credor fiduciário até o adimplemento de todas as parcelas da dívida, com o espoco de garantia, conforme o artigo 22, da lei 9.514/97. Uma vez quitado o valor do contrato, o devedor, automaticamente, passa a ser o proprietário da garantia.

Na hipótese de não pagamento do débito, o credor, titular do bem, poderá reaver a posse direta das mãos do devedor e efetuar a execução da garantia, conforme, inclusive, preleciona o artigo 26 da lei 9.514/97: “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário”.

Ou seja, quando do inadimplemento, o credor pode iniciar o procedimento para reaver o bem imóvel dado em garantia, por intermédio da consolidação de propriedade.

Entretanto, referido procedimento tem esbarrado por vezes em casos de indisponibilidade criminal, que obsta o procedimento.

Assim, em tese, bastaria levar ao conhecimento do juízo a real propriedade do bem para que fosse deferido o levantamento da indisponibilidade, e assim prosseguir devidamente com a medida de consolidação da propriedade.

Entretanto, na prática, não é o que vem ocorrendo na maioria dos casos.

O ponto controverso de referida questão é que, para concordância do levantamento da indisponibilidade, os membros do Ministério Público têm requerido a devolução (com depósito nos autos da ação criminal) dos valores pagos pelo investigado, o que na realidade não pode ser admitido, como veremos a seguir.

Não se discute eventual devolução de valor aos autos da ação criminal, mas a nosso ver, referida devolução não pode ser basicamente a devolução dos valores pagos pelo investigado.

Entendemos, contudo, que a indisponibilidade deve ser levantada, para o devido prosseguimento do procedimento de consolidação da propriedade do imóvel, sem qualquer pagamento prévio pelo credor.

Após consolidada a propriedade, seguido dos tramites de referido procedimento, tais como realizações dos leilões, intimação do devedor etc, eventual saldo, que eventualmente seria devolvido ao devedor fiduciante, seja devolvido diretamente aos autos da ação criminal, visando o ressarcimento de eventual conduta delitiva.

Realizar tal forma de procedimento, nada mais é do que aplicar, por analogia, a lei do devido prosseguimento sem ônus ou bônus para qualquer das partes, tanto Ministério Público, quando investigado/devedor fiduciante e o credor.

Tal medida tem sido compreendida e adotada por alguns órgãos ministeriais, entretanto, a maioria ainda evita se debruçar sobre assunto, o que acarreta, muitas vezes, em prejuízo ao credor fiduciário, que na realidade nada mais é do que também vítima.

A título de ilustração segue como exemplo entendimento do qual concordamos:

“Conforme decisão recente da Corte, a propriedade do bem é do credor fiduciário, por isso não se pode admitir que a penhora em decorrência de crédito de terceiro recaia sobre ele, mas podem ser constritos os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária” (AgInt no AREsp 644.018/SP, DJe 10/06/16).

Assim, como dito, embora firmado precedente supra, nem sempre a medida vem sendo adotada. Nessa linha, referido artigo tem o intuito, não de fazer uma crítica ao Ministério Público, muito pelo contrário, a ideia é trazer a discussão à tona para que seja unificado o entendimento dos órgãos espalhados pelo país, a fim de que adotem um posicionamento uníssono e em analogia ao procedimento constante da lei 9.514/97 a fim de evitar prejuízo para qualquer das partes, além da celeridade processual.

Eduardo Pires Galvão
Advogado especialista em Direito Penal Empresarial e Contencioso Cível com foco em Recuperação de Crédito no CMMM - Carmona Maya, Martins e Medeiros Sociedade de advogados

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