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Algumas considerações sobre a tutela cautelar em caráter antecedente na recuperação judicial

A tutela cautelar em caráter antecedente ainda não ser utilizada de forma vasta, uma vez que a maior parte das empresas acabam por ajuizar diretamente o pedido de recuperação judicial.

13/6/2022

A tutela cautelar em caráter Antecedente é procedimento preparatório previsto no art. 305 do CPC. Sua aplicação é ampla, razão pela qual, não obstante mesmo antes de formalmente prevista na Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências, a lei 11.101/05 (“LRF”) poderia ser utilizada em casos que a justificassem.

Contudo, a positivação deste procedimento foi efetivada com a reforma da LRF (lei 14.112/20) para duas situações: i) no art. 6º, § 12, LRF desde que atendido aos requisitos para tutela de urgência previsto no art. 300 do CPC; e ii) no art. 20-B, IV, §1º, LRF para tentativa de composição com credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado.

Neste brevíssimo artigo vamos nos concentrar em cuidar da tutela prevista no primeiro caso.

Esta hipótese trata da antecipação dos efeitos da recuperação judicial de forma integral, ou seja, suspensão das execuções e atos de constrição em desfavor da empresa pelo período de 180 dias, havendo a obrigação de a sociedade em crise apresentar o pedido principal, ou seja, o pedido de recuperação judicial, em 30 dias a contar da concessão da medida.

No pouco tempo em que a disposição está em vigor, algumas questões vêm sendo levantadas sobre sua aplicação. A primeira delas é se o pedido da tutela deve ser guarnecido com a documentação integral da recuperação judicial. A segunda é se o stay period deve contar da concessão da tutela ou a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial apenas. E por fim, em terceiro lugar, se a relação de credores concursais a ser considerada é a existente na concessão da tutela cautelar ou aquela do pedido principal, que poderá contemplar a inclusão de créditos posteriores à tutela.

No que diz respeito à primeira, nosso entendimento, que é acompanhado pela maioria das decisões no âmbito do TJ/RJ, ao menos, é a de que a documentação integral para a recuperação judicial não é necessária neste momento. E por certo, não haveria lógica nessa exigência, pois, assim fosse, não seria sequer necessário o ajuizamento da tutela cautelar, podendo o requerente pleitear diretamente a recuperação judicial. O objetivo dessa tutela é exatamente o de prevenir a degradação do patrimônio da empresa, capaz de impedir sua reestruturação, num prazo exíguo de tempo, que normalmente é incompatível com a obtenção de toda a documentação para impetração do pedido recuperacional. O prazo de 30 dias previsto para ajuizamento da demanda principal será utilizado exatamente para carrear a documentação completa para instrução do pedido de recuperação judicial, que como se sabe é bastante extensa.

No que tange ao prazo do stay period, nosso entendimento é que ele deve ser contado a partir do efetivo deferimento do pedido de recuperação judicial, eis que mesmo diante de uma decisão que concede a suspensão das execuções e atos de constrição por 180 dias, tal como na recuperação judicial, a ação principal em si pode nem mesmo chegar a ser proposta, ou pode haver alteração das partes envolvidas, incluindo-se novas empresas no polo ativo, por exemplo. Então, não obstante a previsão de antecipação dos efeitos da recuperação judicial, entendemos que com o deferimento do processamento do processo de reestruturação é que deve ser contado o stay period, sob pena, inclusive de confusão processual.

Por último, assim como no caso do stay period, defendemos que a relação de credores concursais do pedido principal da recuperação judicial é a que deve contar para todos os fins, até mesmo pelo entendimento de que a tutela cautelar não precisa nem mesmo contar com a relação de credores. Nessa linha de raciocínio, entendemos que é possível inclusive o pagamento de credores eventualmente existentes na propositura da tutela cautelar, haja vista que apenas o pedido principal, se realizado e após ter tido seu processamento deferido, tem o condão de submeter o pagamento dos créditos relacionados ao processo concursal nos termos do art. 49 da LRF e as demais obrigações consectárias, mesmo as de caráter criminal.

Desta forma, apesar de a tutela cautelar em caráter antecedente ainda não ser utilizada de forma vasta, uma vez que a maior parte das empresas acabam por ajuizar diretamente o pedido de recuperação judicial, medida que normalmente é adotada de forma muito cautelosa e não raro demorada, é importante conhecer e poder contar com este instrumento tão relevante para a preservação da empresa.

Luciana Abreu
Advogado especialista em Direito Empresarial. Pós-graduada em Direito Empresarial e Direito Tributário, MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios e especialização em Administração Judicial (TJ/RJ). Sócia e head das Áreas Empresarial e Cível do Gameiro Advogados.

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