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Parâmetros para a fixação de dano moral pelo critério bifásico – Cenários jurisprudenciais

Não há muitos anos, ainda no começo da década de 2010, a Justiça Laboral discutia se a indenização por assédio moral (mobbying) estaria, ou não discutida na teoria do preço da dor.

10/6/2022

Antes do advento da CF/88 a grande discussão em torno do tema seria aquela atinente ao fato de que se discutia se seria, ou não, possível do ponto de vista moral o recebimento de indenização pelo preço da dor – o pretium doloris.

Não há muitos anos, ainda no começo da década de 2010, a Justiça Laboral discutia se a indenização por assédio moral (mobbying) estaria, ou não discutida na teoria do preço da dor. Observe-se:

TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA AIRR 1784003420095150113 (TST) Data de publicação: 21/03/2014 AGRAVO DE INSTRUMENTO DE RECURSO DE REVISTA - VALOR DA INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL. A indenização por dano moral/assédio moral não significa o pretium doloris (preço da dor), porque essa verdadeiramente nenhum dinheiro paga, mas, por outro lado, pode perfeitamente atenuar a manifestação dolorosa e deprimente de que tenha sofrido o trabalhador lesado. Nesse sentido, a indenização em dinheiro, na reparação dos danos morais, é meramente compensatória, já que não se pode restituir a coisa ao seu status quo ante , por conseguinte, ao estado primitivo, como se faz na reparação do dano material. Assim, embora represente uma compensação à vítima, a reparação do dano moral deve, sobretudo, constituir uma pena, ou seja, uma sanção ao ofensor, especialmente num País capitalista em que vivemos, onde cintilam interesses econômicos. In casu, coerente e "razoável" o valor arbitrado pelo Tribunal Regional, o qual julgo suficiente para impedir a prática de novos atentados dessa ordem por parte da reclamada. A gravo de instrumento a que se nega provimento.

TST - RECURSO DE REVISTA RR 1351002820095090068 (TST) Data de publicação: 07/03/2014 RECURSO DE REVISTA – DANOS MORAIS – VALOR DA INDENIZAÇÃO. A tormentosa questão de se mensurar a adequada indenização, no campo jurídico do dano moral, há de ser a mesma norteada pela prudência e parcimônia, na análise das particularidades de cada caso concreto, mormente em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Considerada, assim, a gravidade dos fatos, a culpa da empregadora, a real extensão do sofrimento do ofendido, inclusive, se houve repercussão familiar e social, e, finalmente, porque fixada em atenção à situação econômica da devedora e ao caráter pedagógico da sanção, para que não haja reincidência. A indenização por dano moral não significa o pretium doloris (preço da dor), porque essa, verdadeiramente, nenhum dinheiro paga, mas, por outro lado, pode perfeitamente atenuar a manifestação dolorosa e deprimente de que tenha sofrido o trabalhador lesado. In casu , coerente e "razoável" o valor arbitrado pelo Tribunal Regional - R$ 5.000 ,00 - a título de danos morais, o qual julgo suficiente para impedir a prática de novos atentados dessa ordem por parte da empregadora, bem como para compensar o sofrimento moral e estético sofrido pelo empregado. O e. Tribunal Regional, ao manter o valor da condenação, o fez atento à capacidade econômica da reclamada, o dano sofrido pelo reclamante e o caráter didático da pena. Sendo razoável o valor arbitrado, não há ofensa direta aos artigos. 5º, V , da Constituição Federal e 944 do CCB . Recurso de revista não conhecido.

A sociedade precisou a ser convencida da importância do tema e demorou a perceber que há relações jurídicas ditas existenciais que não se confundem com as patrimoniais puras (compreendendo-se a noção de patrimônio como conjunto de posições jurídicas ativas e passivas, pertencentes a um titular e que são suscetíveis de valoração econômica e consequente expressão monetária).

Essas relações existenciais são aquelas que qualificam uma pessoa enquanto tal, derivando dos direitos de personalidade, às mais das vezes. Rubens Limongi França os qualificava em três grandes espécies, inclusive, os de integridade física, os de integridade moral e os de integridade intelectual.

O STF, em acórdão em 1948, dissertava, “nem sempre o dano moral é ressarcível, não somente por não se poder dar-lhe valor econômico, por não se poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda porque essa insuficiência dos nossos recursos abre a porta a especulações desonestas pelo manto nobilíssimo dos sentimentos afetivos”, permitindo apenas a indenização nos casos previstos em lei 

Havia, então tendência limitativa do dano moral. O CC de 1916, previa a indenização por dano moral, em casos de ofensa a honra sem prejuízos materiais (art. 1.547) e de ofensas à liberdade (art. 1550), entretendo, também sem prejuízos econômicos, enquanto, as leis complementares contemplavam sua indenização, destacando a lei de imprensa (já revogado), lei. 5250/67.

Sempre houve resistência ao princípio da taxatividade do dano moral, mas havia grande dispersão de julgados. Com a previsão expressa no texto constitucional (art. 5º, incisos V e X) a questão se tornou mais estável. De modo literal, para a comodidade do leitor, se aponta:

Art. 5º CF: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Não se perca de vistas, no entanto, que mesmo havendo previsão constitucional expressa, a batalha de entendimentos perdurou mais alguns anos (poucos é bem verdade) até que o STJ se manifestasse nos seguintes termos:

SÚMULA 37 – STJ SÃO CUMULAVEIS AS INDENIZAÇÕES POR DANO MATERIAL E DANO MORAL ORIUNDOS DO MESMO FATO. Data da Publicação - DJ 17.03.1992 p. 3172

Hoje se evoluiu para outras searas, destacando-se, por exemplo, outro dano extrapatrimonial do bojo das indenizações por dano moral – qual seja, o dano estético, como se observa pela redação da súmula 387 do mesmo areópago, com a seguinte orientação:

SÚMULA N. 387 É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.

O CC vigente já entabulado em momento posterior à Carta Política, estando adequado a tais valores, não se apegando à ideia de taxatividade dos casos de indenização dos danos morais, prevê arbitramento de forma equitativa, em hipóteses de ofensas contra honra (art. 953) ou contra a liberdade pessoal (art. 954).

A identificação da natureza da indenização por dano extrapatrimonial esta intimamente ligada com a própria função da responsabilidade civil (em verdade a responsabilidade civil implica em dever ao quadrado como um dos autores do artigo aponta em suas aulas, já que é o dever de reparar porque se descumpriu um dever anterior que gerou danos).

No sistema de Civil Law a que nos filiamos em primeiro momento (não obstantes propostas como a da Unidroit e esforços do professor Michele Taruffo para uma unificação de sistemas jurídicos globais) se tem a ideia de que as indenizações não podem gerar enriquecimento sem causa.

Ideia diversa permeia os operadores no sistema de Common Law, que parte da ideia de que a indenização deva refletir não apenas aspectos de prevenção especial (tornar indene – reparar o dano) mas igualmente se preocupa com a prevenção geral aos atos ilícitos (daí as indenizações milionárias para gerarem sério temor na sociedade que passa a prevenir posturas que gerem danos).

No Brasil, a bem da verdade, a função da responsabilidade acaba sendo vista como meramente ressarcitória, visando a remoção dos efeitos danosos de uma injusta lesão sofrida por uma pessoa decorrente de ato praticado por outrem.

A indenização, tem caráter sancionatório ou punitiva resumida pela responsabilidade civil em medida muito leve para os padrões da sociedade atual estimulando que grandes lesadores desenvolvam cálculos atuariais em teorias de grandes números, o que se tem a lamentar e recomendaria uma revisão de postura no interesse de todos. Sobre a questão:

“Não se desconhece que exista grande empenho de juízes e serventuários do sistema judicial, mas a grande falta de estrutura judicial, cortes orçamentários, excesso de serviços, levam a um quadro de dificuldade de respostas rápidas e satisfativas por parte do Poder Judiciário em relação aos lesados – isso estimula os maus fornecedores a fazerem contas. Ou seja, se eu sou um mau fornecedor, por exemplo um operador de plano de saúde, posso ser tentado a recusar tratamentos de saúde que seriam cobertos, apenas e tão somente partindo da perspectiva de que, se atender a todos gastarei, digamos, um milhão de reais, mas se não atender nenhum, gastarei nada, ao menos neste momento. Estatisticamente, se metade dos não atendidos se conformar, já economizei meio milhão que será muito mais que a sucumbência devida à outra metade que for judicializar a questão, o mesmo vale para aqueles que irão pedir danos morais. Isso não leva em conta que, dos que irão judicializar, muitos irão com advogados que não são especialistas no tema e que poderão perder as demandas, outros irão aceitar acordos em valores pífios ou muito desvantajosos por falta de segurança no sistema (segurança jurídica) ou por simples premência (preciso de dinheiro HOJE, ou mais vale um pássaro na mão que dois voando e por aí vai), muitos irão ganhar, mas serão vítimas de recursos que demorarão a ser julgados (o que fará com que aumente o número de pessoas que aceitará acordos desvantajosos na execução). De igual modo, tem-se ai um percentual que não ganhará indenizações por danos morais, afinal embora não se reconheça mais ser indecente cobrar pelo pretium doloris (Súmula 37 STJ) ainda se fala em indústria do dano moral e enriquecimento sem causa em casos de mero aborrecimento e, indenizações, quando vem, o vem em patamar pífio – não se aplica com vigor o fator de desestímulo – a exemplary damages theory do sistema jurídico da Common Law, do direito anglo-saxão em que a jurisprudência se preocupa com aspectos de prevenção geral no direito indenizatório. Haveria que se tomar o cuidado de aprimorar a legislação, sobretudo em situações de massa (contratação por adesão) no sentido de responsabilizar automaticamente os gestores – isso porque, pense-se no setor de transporte público – indenizações por danos morais que se fixem no decorrer do ano, por lesões ocasionadas a consumidores, são repassadas como custo do serviço ao final daquele período e isso impacta o custo do serviço sendo transferido ao usuário e não ao gestor – não há fator pedagógico nisso – há que se pensar em formas de responsabilizar diretamente os sócios para que estes determinem causas que eliminem os problemas tornando menos tentador ganhar tempo para ficar esperando sanções pífias”. In https://jcballerini.jusbrasil.com.br/artigos/904265554/direitos-do-consumidor-pouco-conhecidos

Júlio César Ballerini Silva
Advogado. Magistrado aposentado. Professor. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Médico.

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