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O direito ao contraditório e ampla defesa expandidos: réu foragido e a sua garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional

Fica claro que resguardar o direito de um sujeito, ainda que réu foragido, não vai de encontro ao regime democrático de direito, tampouco infringe qualquer legislação por não haver qualquer inviolabilidade aos direitos de terceiros.

6/6/2022

Após análise de um caso concreto em que um réu empreendeu fuga de um estabelecimento prisional, a colenda Corte do STF - Supremo Tribunal Federal entendeu que àquele não poderia ser impedido de participar da sua audiência de instrução e julgamento virtual ainda que o mesmo não tenha se manifestado a respeito, não podendo presumir a sua renúncia ao referido direito.

Introdução

Este trabalho tem como objetivo trazer o entendimento recente sobre o direito do réu foragido em participar da sua audiência de instrução e julgamento virtual, sem que isso lhe acarrete prejuízos para a fiel execução do processo, sob a ótica do regime político brasileiro, a saber, o democrático, que assegura, por sua vez, aplicabilidade de garantias aos indivíduos de forma ampla – à analisar o caso concreto, sob pena de prejuízo ao acesso à justiça. Para tanto, fora utilizado o estudo de caso como pressuposto de partida (o julgado em questão), bem como pesquisas bibliográficas por meio digital. Através de uma abordagem qualitativa, buscou-se a interpretação do fenômeno e fazer a sua interdisciplinaridade. Quanto ao objetivo, a pesquisa exploratória mostrou-se mais apta ao trabalho, uma vez que, por ser julgado recente, demandou de familiaridade para o seu desenvolvimento.

Desenvolvimento

Sabe-se que o regime político vigorante no Brasil é a democracia, pilar fundamental e indispensável para assegurar a observância de diversos direitos inerentes aos seres humanos com o fim de lhes preservar, em contrapartida, a dignidade da pessoa humana (conceito filosófico e abstrato que determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo o ser humano, independente da sua condição perante a circunstância dada) e todos os outros princípios ramificadores que deste advêm. É um princípio fortemente influenciado pelo pensamento iluminista dos séculos XVII e XVIII.

A democracia, por assim dizer, pode ainda ser facilmente compreendida como a doutrina baseada nas regras principiológicas da soberania popular e da distribuição equitativa do poder - regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade.1

Dito isto, e por linha transversa, não é possível falar em garantias de direitos humanos, sejam eles quais forem, sem antes mencionar sobre o regime alhures. Pois, da mesma forma que a prática, para a preservação de determinados privilégios, dependam, sobremaneira, do profissional atuante para que seja observado o mínimo legal, não há se falar em amplitude dos direitos dos seres humanos sem que a democracia esteja na mesma esteira, como pedra angular do sistema jurídico brasileiro e, portanto, indissociável para a sua fiel execução.

Democracia é o poder do povo e para o povo, existindo uma relação política e jurídica para que haja uma sociedade harmônica com a finalidade de busca do bem comum, isso de forma incansável (ou assim deveria ser). Esse conceito foi bastante modificado ao longo dos anos, pois nem todos possuíam o privilégio de praticar a vida ativa em sociedade, o que ainda, infelizmente, tende a ser melhorado, haja vista direitos ainda serem podados por condutas, muitas vezes, arbitrárias. A democracia ganha força através da consolidação do fenômeno constitucional, pois a partir do momento que se cria a Carta Magna2 de um Estado, este está vinculado as disposições daquele texto, e à partir do momento que um Estado se torna democrático, alguns valores igualitários devem ser preestabelecidos para manutenção harmônica da sociedade.

Como assevera Jose Alfredo de Oliveira Baracho, em seu artigo intitulado Teoria geral do Constitucionalismo (1986, p. 6):

O desenvolvimento do constitucionalismo, pelos estudos de suas manifestações doutrinárias e experiências institucionais implementadas, mostra o lugar que a Constituição ocupa. A relação com as doutrinas e ideologias que manifestam na fixação do “Estado constitucional”, no “regime constitucional” (BARACHO, p. 6).

Neste viés, a democracia assegura a aplicabilidade de outras imunidades que, uma vez negadas, podem ensejar consequências devastadoras para o ordenamento jurídico pátrio e naturalmente uma desorganização social fincada na tirania, autoritarismo e discricionariedades. Para isso, observar, na prática, as prerrogativas de cada sujeito, sem, no entanto, suprimir a aplicabilidade da lei, é de uma nítida e ideal subsunção da norma ao caso concreto. Pois as garantias pessoais e individuais, bem como as coletivas e sociais, estão postas para serem usadas, e não usurpadas.

Com a mudança da sociedade no decorrer do tempo, sejam por fatores externos ou internos, o sistema legislativo também deve se enquadrar com essa paulatina metamorfose social a fim de que se afiance normas atuais, vigentes e de aplicabilidade palpável, ou seja, eficaz e eficiente.

Atualizações jurisprudenciais, entendimento atuais e modificações doutrinários são importantíssimos para que se possa criar um arcabouço legislativo efetivo e que esteja disposto à atender às mazelas sociais e acolher os direitos que, eventualmente, estejam iminentemente ameaçados.

Demonstrando que o ordenamento jurídico brasileiro está trilhando caminhos coerentes no sentido de proteger aquele que dele necessita, compreensão recente à luz de proteção das garantias individuais foram notadamente observadas, situação na qual houve outras proteções de tamanha importância que, sem sombra de dúvidas, abrirão portas significativas para o complexo judicial. E isso, diga-se de passagem, só fora possível pois a observância da democracia não deixou de ser vislumbrada como firmamento vital e preciso para que se forme uma sociedade mais justa e com seres humanos mais aptos para cooperar com tamanho objetivo: soberania popular.

Nesta figura, podemos ramificar os argumentos alhures ao seguinte: a proibição de um réu foragido em participar de sua audiência virtual não deve implicar renúncia tácita ao direito de participar do ato. Haja vista que os direitos do sujeito dado como foragido devem ser levados em conta para que se tenha um fiel processamento do feito e lhe seja efetivado, de forma democrática, o seu direito de defesa. Dentre tais outros direitos, não deve o acusado ser processado sem que lhe garantam a oportunidade ao contraditório e à ampla defesa, princípios previstos constitucionalmente, vide:

O inciso LV do artigo 5º, previsto na Constituição Federal de 1988, define que:

aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes

Com esse entendimento, nesta segunda-feira (2/5), o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em habeas corpus para que um acusado não sofra tal restrição imposta pelo juízo da causa. Ou seja, ele entendeu que o réu foragido NÃO deve ser impedido de participar da sua audiência de instrução e julgamento virtual, ainda que esteja em local não-sabido. Segue decisão:

"Em verdade, a relação de causa e efeito estabelecida pela autoridade coatora (foragido, logo impedido de participar dos atos instrutórios) não está prevista em lei. Não bastasse, entendo ser descabida a presunção de renúncia ao direito de participar da audiência quando há pedido expresso da defesa em sentido contrário",

Cumpre assinalar, por relevante, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela outorgado aos juízes e tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos seus específicos pressupostos: a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado; e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro. Sem que concorram esses dois requisitos, essenciais e cumulativos, não se legitima a concessão da medida liminar. Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código DD6F-C7A0-9810-4A65 e senha EA43-8C59-64AB-E4ED HC 214916 MC / SP No caso dos autos, a partir de uma análise sumária que ora faço, tenho que a pretensão liminar merece acolhida. Num juízo de cognição sumária, próprio desta fase processual, depreendo, no presente momento, a existência de plausibilidade nas alegações do impetrante e de risco ao exercício do direito de defesa da paciente, tendo em conta que o Juízo da causa, sem motivação idônea, indeferiu a participação do paciente na audiência de instrução e julgamento virtual que ocorrerá dia 03.05.2022.

Além do mais, impedir que um sujeito tenha acesso amplo à sua defesa e lhe impeça do seu contraditório, é ir de encontro, fortemente, ao que prevê a Constituição Federal sobre o direito de acesso à justiça daquele que dela necessita.

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Assim, não é prudente, tampouco fornece segurança jurídica ao ordenamento brasileiro, impedir que réu foragido participe de atos que lhe são garantidos por força de lei vigente.

Consideração Finais

Assim, fica claro que resguardar o direito de um sujeito, ainda que réu foragido, não vai de encontro ao regime democrático de direito, tampouco infringe qualquer legislação por não haver qualquer inviolabilidade aos direitos de terceiros. Pois garantir que aquele esteja presente no momento da audiência, ainda que virtualmente e em situação de fuga, não deve ser visto como fator maximizador da sua conduta nem motivo para pré-julgamento social, uma vez que o que se está garantindo nada mais é do que um regular e fiel cumprimento da lei com base, inclusive, no princípio que o acusado tem de não produzir prova contra si mesmo. A fuga, por si só, não deve ser considerada como potencializador de arcabouço probatório, pois, diga-se de passagem, o réu pode ter se evadido por diversos outros motivos legítimos, como por exemplo, medo da morte ou tortura, pois a vida é o bem maior a ser protegido.

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1 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2a ed., Nova Fronteira, RJ, 1986, p. 534

2 https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/128510890/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988 

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Referências

BRASIL, [Constituição (1988) ]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 9 mai. 2022.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 214.916 SÃO PAULO. Trata-se de habeas corpus impetrado em face da decisão monocrática proferida no âmbito do STJ, que indeferiu liminarmente o writ com base na Súmula 691 do STF (HC 737.610/SP - eDOC 2, p. 159/160). Relator: Min. Edson Fachin. HC 214916 MC / SP.

Anderson S. Dias Santos
Advogado, pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado, pós-graduando em Tribunal do Júri e Execução Criminal.

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