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Regulação específica, no Estado do Pará, do processo administrativo de apuração de infrações ao meio ambiente

A lei estadual 9.575/22, em certa medida, consolida também disposições já previstas na legislação federal e aplicáveis subsidiariamente aos processos administrativos no âmbito do Estado.

3/6/2022

O Estado do Pará editou, recentemente, em 11/5/22, a lei 9.575/22, dispondo sobre “o processo administrativo ambiental para apuração das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, as sanções cabíveis, além de tratar da conciliação ambiental, no âmbito da Administração Pública do Estado do Pará”.

Vale recordar que antes da edição da referida lei o processo de apuração das infrações ao meio ambiente no Estado do Pará era regido pela lei estadual 5.887/95, que dispõe sobre a política estadual do meio ambiente e que entre seus artigos 118 a 146 continha disposições acerca da tipificação de infrações, o estabelecimento das sanções, bem como o regramento do respectivo processo administrativo, assim como pelas disposições das normas federais. A nova lei traz regulação específica, revoga os dispositivos anteriormente mencionados e dispõe, expressamente, em seu artigo 56, que nos casos omissos aplica-se subsidiariamente a legislação federal (lei 9.605/98 e decreto 6.514/08), assim como as leis estaduais 5.887/95 e 8.972/20.

De uma análise geral da lei estadual 9.575/22, se verifica que o diploma segue as premissas da legislação federal, aderindo ao conceito de infração administrativa ambiental, nos mesmos termos do art. 70 da lei 9.605/98. Outrossim, questões como circunstâncias agravantes e atenuantes, pedidos de conversão de multas e realização de conciliação ambiental, como etapa inaugural do procedimento de apuração de infrações, se alinham com o que prevê a legislação federal.

Destaca-se, por outro lado, no que se refere ao poder de fiscalização, que a lei estadual 9.575/22 é muito clara em delimitar as hipóteses de atuação do órgão ambiental, em linha com as disposições da lei complementar 140/11. Da norma se depreende que, em verificando a ocorrência de infração administrativa, nas hipóteses em que o Estado não for competente para atuar, conforme o artigo 8º da lei estadual 9.575/22, a providência cabível será notificar a autoridade competente. Isso é relevante no sentido de evitar atuações múltiplas, por mais de um órgão ambiental, e os prejuízos aos administrados disso decorrentes.

Em sentido diverso do que consta nas regras federais, observa-se que, entre as sanções previstas na lei estadual, consta possibilidade de doação de produtos perecíveis (artigo 10, inciso VIII). Significa que o agente fiscalizador pode, de plano, ao lavrar o auto de infração, já estabelecer a doação dos produtos perecíveis, de forma cautelar, conforme previsto no § 2º do mesmo artigo.  

De qualquer forma, como já prevê a legislação federal, em caso de perdimento ou mesmo de desconstituição da autuação converte-se o bem em perdas e danos. Essa disposição é relevante, pois, por um lado, poderá evitar a perda de produtos perecíveis, cujo procedimento para a devida destinação, conforme legislação federal, é extremamente burocrático e, geralmente, resulta na sua perda. Principalmente no Estado do Pará, apreensões de madeira e produtos florestais, não raras as vezes, perecem e são perdidos.

Assim, com essa disposição, é possível que essa realidade seja modificada, sem prejuízo de, eventualmente, a depender da situação, ser determinada a guarda do produto, conforme ressalva constante no §2º do artigo 10 da lei. Por outro lado, caso a autuação seja desconstituída a posteriori, restará impossibilitada a reversibilidade dos efeitos da sanção sofrida. Com isso, a busca de reparação do dano sofrido se dará, provavelmente, por meio de judicialização, mediante a conversão do produto doado em indenização a ele equivalente.

Verifica-se, ainda, que a lei estadual 9.575/22 prevê apenas uma hipótese de redução do valor da multa em caso de pagamento, qual seja, o pagamento realizado dentro do prazo previsto de defesa que enseja desconto de 50% no valor da penalidade. O autuado também pode optar pelo parcelamento da multa, sem a incidência do desconto. Em ambos os casos, de pagamento com desconto ou parcelamento, configura-se desistência do direito de defesa ou recurso. Aqui, resta a dúvida se seria cabível aplicar, subsidiariamente, as regras da legislação federal, que estabelecem outras possibilidades de redução do valor da multa, na hipótese de pagamento nas fases de recurso e mesmo após o julgamento em última instância administrativa.

Importa chamar a atenção para o fato de que os benefícios em relação ao pagamento (desconto ou parcelamento), não deixam de consolidar a autuação e gerar o efeito de caracterizar eventual reincidência, caso haja a prática de nova infração ambiental cometida pelo mesmo agente, no período de 5 (cinco) anos, contados a partir do trânsito em julgado administrativo, circunstância essa que leva ao agravamento da nova penalidade, conforme prevê o artigo 23 da lei estadual.

O artigo 29 da lei estadual 9.575/22, por sua vez, regula expressamente, em linha com as normas federais, a prescrição (i) da pretensão punitiva pelo Estado, que será de 5 anos, contados da lavratura do auto de infração; e (ii) do procedimento de apuração do auto de infração, que será de 3 (três) anos, nos processos paralisados por este período, pendentes de julgamento ou despacho (prescrição intercorrente). Outrossim, a lei indica expressamente as causas de interrupção da prescrição, o que reduz a margem de interpretação neste sentido e dá maior segurança jurídica ao administrado.

Com relação às etapas do procedimento de apuração das infrações, a lei estadual 9.575/22 define duas instâncias administrativas de julgamento e confere os seguintes prazos: (i) 20 (vinte) dias para oferecer defesa ao auto de infração, manifestar interesse de conciliar ou efetuar o pagamento imediato da multa; (ii) 20 (vinte) dias para recorrer da decisão de primeira instância; e (iii) 10 (dez) dias para o pagamento de multa, contados da notificação da decisão administrativa transitada em julgado. Quanto à contagem dos prazos, uma novidade bem-vinda na seara administrativa: se dá em dias úteis, a partir da notificação, excluído o dia do começo e incluído o do vencimento, o que denota conformidade com as regras do Código de Processo Civil, diferente da legislação federal que conta os prazos processuais administrativos em dias corridos. Ademais, o prazo de defesa passa a fluir apenas após a audiência de conciliação, caso o autuado opte por sua realização.

Como instâncias julgadoras, a lei estadual 9.575/22, em seu artigo 48, cria a julgadoria de primeira instância, responsável pelo julgamento em primeira instância, e o tribunal administrativo de recursos ambientais, responsável pelo julgamento dos recursos, em segunda (e última) instância, cuja implementação deverá ocorrer dentro dos 180 (cento e oitenta) dias, estabelecidos pelo artigo 56, para sua entrada em vigor.

Cumpre observar, também, que a lei estadual 9.575/22 estabelece que o comparecimento espontâneo ao órgão ambiental ou do seu acesso, por meio eletrônico, ao processo administrativo estadual ambiental, configura regular notificação do autuado. Resta saber se o sistema eletrônico dos Estado contará com infraestrutura adequada, não apenas para o registro da ciência do autuado, mas também para a tramitação do processo e o acesso rápido e estável à informação.

O artigo 51 da lei estadual 9.575/22, por sua vez, foi pertinente ao dispor expressamente no que consiste o trânsito em julgado administrativo, qual seja “o momento processual em que proferido o julgamento pela autoridade julgadora de primeira instância e escoado o prazo legal sem interposição de recurso, quando efetuado o pagamento do débito, ou, quando proferido o julgamento pela autoridade julgadora de segunda instância e transcorrido o prazo para pagamento do débito.” A legislação federal, por exemplo, não é clara a este respeito.

Dessa breve análise da norma, se verifica a intenção do legislador estadual em buscar estabelecer regras claras, no âmbito estadual, para condução dos processos administrativos de apuração de infrações ambientais. A lei estadual 9.575/22, em certa medida, consolida também disposições já previstas na legislação federal e aplicáveis subsidiariamente aos processos administrativos no âmbito do Estado – que não fica afastada, nas hipóteses de omissão da norma, como antes referido. Ademais, contém algumas inovações que permitem dar celeridade e efetividade aos atos praticados. Que seja bem aplicada!

Maria Clara Rodrigues Alves Gomes
Pós-graduada em Direito Processual Civil e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É especializada em Meio Ambiente e Sociedade pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. É advogada do Milaré Advogados desde 2004.

Thiago Sales Pereira
Leading Lawyer do Milaré Advogados. Possui MBA em Direito Público e em Direito Empresarial, ambos pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, especialização em Direito Civil e Processual pela Escola Paulista de Direito e graduação em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais.

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