Migalhas de Peso

Seguro agrícola e entrega de grãos de soja avariados

A importância de que conste no Laudo Pericial todas as questões tidas como controversas no momento da perícia e, ainda, a importância de que sejam adotadas todas as medidas cabíveis à comprovação do direito pleiteado.

1/6/2022

1. Seguro agrícola e aspectos gerais de contratos de seguro agrícola realizado junto a companhia de seguros 

O instituto do seguro agrícola está previsto no art. 187, Inciso V, da CF/88: 

“Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

“V - o seguro agrícola;” 

O Estatuto da Terra, do mesmo modo, em seu art. 73, Inciso X, dispõe sobre o seguro agrícola:

“Art. 73. Dentro das diretrizes fixadas para a política de desenvolvimento rural, com o fim de prestar assistência social, técnica e fomentista e de estimular a produção agropecuária, de forma a que ela atenda não só ao consumo nacional, mas também à possibilidade de obtenção de excedentes exportáveis, serão mobilizados, entre outros, os seguintes meios:

“X - seguro agrícola;”

Arnaldo Rizzardo1 conceitua seguro agrícola como “instrumento de política agrícola destinado a garantir ao produtor rural” uma compensação, valor complementar indenizatório devido em decorrência de danos causados pela formação de fenômenos naturais.

O produtor rural, por meio da contratação de seguro agrícola, portanto, “fica exonerado de obrigações” causadas pela ocorrência de fenômenos naturais (como, por exemplo, “pragas, doenças, pestes, granizo, seca, tromba d’água, vendaval, doença fúngica sem método difundido de combate, controle ou profilaxia”, dentre outros) capazes de causar eventos danosos.2

Como consta no artigo “Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria”, escrito por Francisco Torma, publicado no Portal AgroLei,3 no Brasil, atualmente, o Banco do Brasil é “o maior operador de crédito rural”, cuja contratação de seguro agrícola se dá pela Companhia de Seguros Aliança do Brasil, “empresa vinculada ao Banco do Brasil” para a realização e concretização destas operações.

Assim como no artigo acima mencionado, no presente ensaio, serão analisadas as regras perpetuadas, somente, quanto a seguradora Companhia de Seguros Aliança do Brasil.

Os contratos de seguro agrícola realizados junto a Companhia de Seguros Aliança do Brasil são regidos pelo processo SUSEP de 15414.001178/2005-04,4 tendo como regramentos, discriminados nas Condições Gerais, os seguintes itens:

No Item 17.1.5 está descrito que “o segurado deverá comunicar à seguradora” “qualquer evento que possa a vir se caracterizar como sinistro ou qualquer outro dano causado à cultura segurada”. Isso, imediatamente, após obter conhecimento do mesmo.

No Item 19.1.6 está disposto que “a seguradora deverá enviar seus peritos ao local do sinistro, dentro do prazo de dez dias úteis, contados da data de recebimento do Aviso de Sinistro”.

No Item 17.1.1.7 está discriminado que “a colheita não poderá ser feita sem autorização por escrito da seguradora”, cabendo ao “segurado comunicar a data do início da colheita com uma antecedência de 15 dias”.

Pois bem, o artigo, “Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria”,8 aqui já mencionado, questiona a ausência de penalidade às seguradoras quando não houver realização de perícia dentro do prazo fixado no contrato de Seguro Agrícola. Francisco Torma, autor do artigo em comento, finaliza seu ensaio, expondo que “o poder Judiciário vem definindo essa questão a favor do produtor rural”, quando tomadas às medidas necessárias à comprovação de seu direito.

Para demonstrar, colacionou um acórdão, proferido na apelação cível 796875-2, julgado pelo Estado do Paraná, no qual restou deferido o pagamento de indenização securitária, sob a alegação de que: a) o produtor rural realizou perícia técnica particular; b) ainda que o produtor rural tenha colhido antes do comparecimento do perito na lavoura, deixou parte da área plantada para colher após a realização da perícia pelo perito da seguradora.9

Partindo da problemática trazida no artigo aqui já mencionado e na safra de soja no Estado do Rio Grande do Sul, período agrícola 21/22, que se caracterizou pela colheita de grãos de soja avariados (em parte, mais precisamente, os primeiros grãos colhidos); se analisará como fica essa questão, entrega de grãos de soja avariados, mediante os contratos de seguro agrícola realizados junto a seguradora Companhia de Seguros Aliança do Brasil. 

2. Grãos de soja avariados e safara de soja, período agrícola 21/22, realizada no Estado do Rio Grande do Sul

O Inciso IV, do art. 2º, da instrução normativa 11/07, de 16/5/07, estabelece o conceito de grãos de soja avariados. Consideram-se grãos de soja avariados aqueles “grãos ou pedaços de grãos que se apresentam queimados, ardidos, mofados, fermentados, germinados, danificados, imaturos e chochos”.

Em outras palavras, grãos de soja avariados são grãos de soja que não se desenvolveram corretamente, são grãos com menos peso ou, ainda, maus formados. O objetivo final do grão de soja é obter uma boa quantidade de óleo e o avariado não obtém essa boa quantidade de óleo, podendo servir, em razão disso, de ração.10

Na comercialização, é descontado um percentual pela entrega de grãos de soja avariados. Caso o percentual de grãos de soja avariados entregue é muito alto, tais grãos não serão recebidos pelo Silo para comercialização.

Sobre o tema, a decisão monocrática, proferida no agravo em recurso especial 1371164/PR, julgada pelo STJ, em 30/11/18,11 na qual o produtor rural e a empresa firmaram contrato, em que essa “se comprometia a receber até 8% de soja avariada” daquele, “sem realizar qualquer desconto”. Isso “se deu porque é permitido, por lei, que as empresas, nas exportações de grãos, realizem o que se chama de ligação (padronização da soja)”. A lei permite, portanto, que “as empresas, ao exportarem, façam a ligação dos grãos puros com os grãos impuros”, respeitando, claro, o limite legal de ligação previsto por lei.

A cultura de soja, no Estado do Rio Grande do Sul, período agrícola 21/22, como é de conhecimento de todos, foi acometida pelo fenômeno climática estiagem.

No dia 8/3/22, a Emater/RS divulgou as estimativas finais, correspondentes a safra 21/22 da cultura de soja, no Estado do Rio Grande do Sul. Houve, segundo a Emater/RS, “uma perda significativa, em razão dos efeitos da estiagem”. Ainda que “a área total cresceu 2,8% frente aos 7,898 milhões de hectares cultivados na safra 20/21, totalizando 8,116 milhões de hectares”, a “perda foi de 41,1% frente às 33,197 milhões de toneladas colhidas na safra 20/21”. É importante salientar, por fim, que, embora tenha chovido e proporcionado a recuperação das lavouras de soja cultivadas no tarde, “as perdas, de modo geral, foram irreversíveis”.12

No início da colheita da safra de soja, no Estado do Rio Grande do Sul, período agrícola 21/22, foi colhido muitos grãos de soja avariados. Isso se deu, como explicado nos parágrafos anteriores, face o evento danoso estiagem. 

3. Entrega de grãos de soja avariados e seguro agrícola realizado junto a Companhia de Seguros Aliança do Brasil

Partindo da problemática trazida no artigo, Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria,13 aqui, será analisado quando houver o evento danoso, estiagem, e o grão de soja colhido for avariado. Tudo, de acordo, com as Condições Gerais, previstas no Processo SUSEP de 15414.001178/2005-04, da Companhia de Seguros Aliança do Brasil.14

A Companhia de Seguros Aliança do Brasil não cobre grão de soja avariado. Cobre somente grão de soja inteiro, com identidade e qualidade. Quer com isso dizer que se o produtor rural colher grão de soja avariado, a seguradora não irá pagar por esse tipo de grão.

Ocorrendo o sinistro, o produtor deverá acionar, imediatamente, a seguradora. A seguradora enviará um perito até a área onde ocorreu o evento danoso para realizar a vistoria. A vistoria será realizada juntamente com o produtor rural.

O perito irá retirar, juntamente com o produtor rural, uma amostra de toda a área. Como as lavouras não são uniformes, a amostra, retirada pelo perito, deverá ser bem representativa. Ambos escolhem o local da área, mais atingido, mais prejudicado, pelo evento danoso. No presente caso, estiagem.

Na vistoria, o perito e o produtor rural colhem no mínimo um hectare como amostragem. Depois, será pesado o produto e nesse momento já pode ser visto se os grãos de soja colhidos são (serão) avariados. Caso os grãos de soja colhidos forem avariados, o produtor rural deverá fazer constar no laudo pericial. Uma vez que o produtor rural aceite o laudo pericial elaborado pelo perito, não poderá mais discordar daquilo que nele está descrito, por isso a importância de discriminar tudo aquilo que for controverso no laudo pericial. No presente caso, grãos de soja avariados.

O produtor rural poderá discordar do laudo pericial ou, inclusive, requerer que outro perito vá até sua lavoura fazer nova vistoria. Isso, no entanto, deve ser feito antes de assinado o Termo de Término de Colheita.

Antes de assinado o Termo de Término de Colheita, o produtor rural poderá, ainda, requerer agravamento de sinistro. Caso, por exemplo, no dia seguinte da vistoria, ocorre uma forte chuva e o produto fica totalmente avariado, poderá ele requerer, junto a seguradora, agravamento de sinistro. Demonstrará, assim, que houve um fenômeno natural que originou um novo evento danoso.

Nesse caso, o produtor rural não poderá esperar dez dias para que o perito vá até a área, conforme determinado no item 19.1, das Condições Gerais do Processo SUSEP de 15414.001178/2005-04, da Companhia de Seguros Aliança do Brasil.15 No momento em que as condições climáticas permitirem o bom andamento da produção, face esse novo evento danoso, o produtor terá que dar continuidade a colheita. Deverá ele, no entanto, fazer o mesmo que foi dito no acórdão trazido no artigo, Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria, escrito por Francisco Torma:16 a) realizar perícia técnica particular; b) deixar parte da área plantada para colher após a realização da perícia pelo perito da seguradora. Isso tudo, como medida de prevenção à comprovação de seu direito, já que, dessa forma, a favor do produtor rural, é que os tribunais vêem se manifestando.

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BAASCH, Arno. Safra do RS deve Cair 41,1% em 2021/22, Para 19,563 milhões de toneladas – Emater. Publicado em 08/03/2022. Disponível em < : https //safras.com.br/safra-do-rs-deve-cair-411-em-2021-22-para-19563-milhoes-de-toneladas-emater/ >. 

MALISZEWSKI, Eliza. Soja Avariada Pode Virar Ração. Publicado em 27/10/2020. Disponível em < https://www.agrolink.com.br/noticias/soja-avariada-pode-virar-racao_441505.html >.

RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >.

STJ, Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1371164. Ministro Relator Luis Felipe Salomão. Julgado em 30/11/2018. Disponível em < https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201802550570&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea >.

TORMA, Francisco. Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria. Publicado em 21/05/2018. Disponível em <  https://agrolei.com/2018/05/21/seguro-agricola-e-o-prazo-da-vistoria/ >.

1 RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 413.

2 RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 413.

3 TORMA, Francisco. Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria. Publicado em 21/05/2018. Disponível em <  https://agrolei.com/2018/05/21/seguro-agricola-e-o-prazo-da-vistoria/ >. p. 1.

4 SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >. p. 1-31.

5 SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >. p. 19.

6 SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >. p. 23.

7 SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >. p. 19.

8 TORMA, Francisco. Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria. Publicado em 21/05/2018. Disponível em <  https://agrolei.com/2018/05/21/seguro-agricola-e-o-prazo-da-vistoria/ >. p. 2.

9 TORMA, Francisco. Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria. Publicado em 21/05/2018. Disponível em <  https://agrolei.com/2018/05/21/seguro-agricola-e-o-prazo-da-vistoria/ >. p. 2-3.

10 Leia-se, a propósito, o artigo, Soja Avariada Pode Virar Ração, escrito por Eliza Maliszewski, Publicado em 27/10/2020, Disponível em < https://www.agrolink.com.br/noticias/soja-avariada-pode-virar-racao_441505.html >. p. 1-4.

11 STJ, Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1371164. Ministro Relator Luis Felipe Salomão. Julgado em 30/11/2018. Disponível em < https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201802550570&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea >. p. 4.

12 BAASCH, Arno. Safra do RS deve Cair 41,1% em 2021/22, Para 19,563 milhões de toneladas – Emater. Publicado em 08/03/2022. Disponível em < : https //safras.com.br/safra-do-rs-deve-cair-411-em-2021-22-para-19563-milhoes-de-toneladas-emater/ >.  p. 1.

13 TORMA, Francisco. Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria. Publicado em 21/05/2018. Disponível em <  https://agrolei.com/2018/05/21/seguro-agricola-e-o-prazo-da-vistoria/ >. p. 1-3.

14 SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >. p. 1-31.

15 SEGURADORA COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL. CONDIÇÕES GERAIS. Processo SUSEP Nº 15414.001178/2005-04. Disponível em < https://www.bb.com.br/docs/pub/voce/dwn/SegAgrSafra0809.pdf >. p. 23.

16 TORMA, Francisco. Seguro Agrícola e o Prazo da Vistoria. Publicado em 21/05/2018. Disponível em <  https://agrolei.com/2018/05/21/seguro-agricola-e-o-prazo-da-vistoria/ >. p. 1-3.

Arnaldo Rizzardo Filho
Bacharel em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito Público pela Unisinos. Advogado, professor e autor.

Débora Minuzzi
Advogada; Mestre em Direito pela PUCRS, Área de Concentração: Teoria Geral da Jurisdição e do Processo; Especialista em Direito Ambiental pela UFRGS; Especialista em Processo Civil pela UFRGS.

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