Atualmente vive-se um momento de grande expansão dos meios de comunicação digital os quais, de forma surpreendente, aceleram a velocidade com que as informações percorrem os diferentes polos do globo.
Por conta disto, as trocas de informações na sociedade aperfeiçoaram-se de maneiras nunca antes imaginadas. Em poucos instantes pode-se enviar uma mensagem para o outro lado do mundo, sem qualquer custo com viagens, transporte e combustível, tornando a comunicação muito mais eficiente do que era a poucas décadas atrás.
De igual forma, as notícias adquiriram um enorme poder de difusão, espalhando-se de forma exponencial com apenas um clique.
Contudo, neste mesmo contexto de hiper aceleração dos diálogos, surge um fenômeno ocasionado por uma massa de usuários dos meios digitais de comunicação – muitas das vezes “influencers digitais” – que, guiados por um senso de poder absoluto de julgamento em detrimento do próximo, retiram o lugar de fala de determinado que sujeito que, por qualquer motivo não elucidado o bastante, manifestou-se de forma contrária aos padrões anteriormente (im)postos.
Isto é o que convencionou-se chamar de “cultura do cancelamento” a qual se aproxima, de forma não muito dessemelhante, com o que determinados setores da mídia televisa promovem em prejuízo de pessoas apontadas pela possível prática de infrações penais.
Desta forma, a mesma nascente que inunda o vilarejo, também o seca e desvia a corrente. Noutras palavras: o mesmo “sujeito” que aponta a prática marginal, é o que julga, sentencia e aplica a pena.
Contudo, neste contexto digital, as etapas da processualística ocorrem no mesmo ritmo hiper acelerado com que as comunicações se espalham na era digital: em questão de dias a pessoa está condenada pelos vieses sociais, que já o rotulam e o jogam na vala comum dos “cancelados”.
É bem verdade que a ideia original – ou ao menos o que se entendeu como originalidade – era chamar a atenção para pautas não discutidas noutros veículos fora da internet, dando voz a questões sociais e ambientais, tais como o racismo e o desmatamento.
Todavia, nos dias atuais, personalidades são destruídas e carreiras são arruinadas em virtude de um “cancelamento” declarado após uma análise superficial de determinados acontecimentos, que muitas das vezes nem aconteceram de fato.
É possível citar, a titulo de vívido exemplo, a recente polêmica envolvendo o ator de Hollywood Jhonny Depp, o qual se envolveu numa ação judicial em face de sua ex-companheira, a também atriz Amber Heard, a qual alegava que sofria reiteradas agressões físicas de seu companheiro e, após longo processo, o qual foi exaustivamente espetacularizado pela mídia mundial, descobriu-se que, provavelmente, a história não era bem assim.
Entretanto, antes mesmo do julgamento pelo poder Judiciário americano se aproximar fim, o ator foi lançado à masmorra dos “cancelados”, afetando consideravelmente a sua carreira.
Nesta linha, é importante que se chame a atenção para o fato de que a influência da mídia e da cultura do cancelamento entram em cena antes mesmo de qualquer formalização estatal de culpa por parte de determinada pessoa, de forma que o sujeito já foi condenado por todo o extrato social antes de haver, sequer, uma acusação formal, fato este que influencia, inclusive, os agentes públicos que irão participar do julgamento.
Perante o exposto, necessário dizer que o processo penal deve ser um instrumento de garantias, não de flagelo, não sendo permitido ou tolerado, como o é atualmente, que influências externas decorrentes de manifestações digitais ou midiáticas influenciem na dinâmica processual ou, até mesmo, num açoite prematuro da pessoa colocada sob a mira do poder punitivo estatal.