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A responsabilidade civil do empregador em caso de síndrome de burnout

A inclusão da síndrome de burnout na CID-11 tornou inafastável a sua relação com o trabalho e consequente responsabilização civil do empregador, no caso de sua ocorrência.

30/5/2022

Em 1º/1/22, entrou em vigor a CID-111, ou seja, a 11ª versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – ou, na tradução literal do inglês, “Classificação Internacional de Doenças para Estatísticas de Mortalidade e Morbidade”2.

Uma grande novidade da 11ª versão é a inclusão da síndrome de burnout, item QD-85, em capítulo reservado a problemas associados ao emprego ou desemprego.3

Segundo o item QD-85, burnout é uma síndrome conceituada como o resultado de um meio ambiente do trabalho dotado de estresse crônico, que não foi gerenciado com sucesso.4

Se não foi gerenciado com sucesso, é de se concluir, ipso facto, que o empregador descumpriu duas normas-princípios labor-ambientais, extraíveis do art. 7º, inciso XXII, da Constituição da República: 1. a norma-princípio do risco mínimo regressivo, de modo que o meio ambiente do trabalho deve ser 100% seguro ou minimamente agressivo; e 2. a norma-princípio da retenção do risco na fonte, pelo que o empregador deve adotar todas as medidas possíveis, com base no atual estado da técnica, para não expor o trabalhador a riscos que degradem a sua vida ou saúde.

A síndrome de burnout é caracterizada por três dimensões: 1. sensação de esgotamento ou de exaustão; 2. falta de pertencimento ou humor deprimido, relacionados ao trabalho; e 3. sensação de ineficácia e de falta de realização.5

Veja-se que as dimensões se relacionam, com perfeição ao conceito de saúde, que, segundo o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde e o art. 3º, alínea “e”, da convenção 155 da OIT, não é mera ausência de doença ou enfermidade (conceito negativo), mas um completo estado de bem-estar físico, mental e social (conceito positivo).

A sensação de esgotamento ou de exaustão se relaciona ao bem-estar físico; a falta de pertencimento ou humor deprimido, relacionados ao trabalho, relaciona-se ao bem-estar mental; e a sensação de ineficácia e de falta de realização se relaciona ao bem-estar social e existencial.

Ressalte-se que a convenção 155 da OIT é um tratado internacional de direitos humanos, e, embora não se equipare a emendas constitucionais, por não ter sido aprovada pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição da República (é anterior à inclusão desse quórum pela emenda constitucional 45/04, inclusive), ostenta posição hierárquico-normativa de supralegalidade e imprime eficácia paralisante a qualquer norma infraconstitucional que lhe contradiga. 6

Assim, o conceito de saúde, na legislação infraconstitucional, deve adequar-se ao conceitual alargado previsto no art. 3º, alínea “e”, da convenção 155 da OIT.

A síndrome de burnout se refere, especificamente, a fenômenos do meio ambiente do trabalho, e não se aplica a experiências ocorridas em outras áreas da vida.7

O item QD-85 da CID-11 exclui do âmbito de reconhecimento da síndrome de burnout, expressamente: 1. transtornos de ajuste (6B43); 2. transtornos especificamente associados ao estresse (6B40-6B4Z); 3. ansiedade ou transtornos relacionados ao medo (6B00-6B0Z); e 4. transtornos do humor (6A60-6A8Z).8

É cediço que a lei 8.213/91 equipara a acidentes do trabalho as doenças ocupacionais, subdivididas em doenças profissionais, produzidas ou desencadeadas pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, e em doenças do trabalho, adquiridas ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. 

Aqui, dois pontos hão de ser bem ressaltados.

Em primeiro lugar, embora a doença do trabalho deva relacionar-se diretamente ao trabalho, não há necessidade de se relacionar exclusivamente com ele, ou seja, pode ter outra origem, mas também se relacionar com o trabalho, como fator de agravamento.

Trata-se do fenômeno da concausalidade, previsto expressamente no art. 21, inciso I, da lei 8.213/91, segundo o qual permanece reconhecidamente ocupacional  doença que, embora não se relacione exclusivamente ao trabalho (o trabalho não seja sua única causa), tenha tido contribuição das condições do trabalho para desencadear a morte do trabalhador, redução ou perda da sua capacidade de trabalho ou que tenha produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.

Em segundo lugar, embora o art. 20, incisos I e II, da lei 8.213/91 exija que a doença ocupacional seja a constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social (atual Ministério do Trabalho e Previdência), o § 2º dessa norma-regra prevê que não se trata de um rol numerus clausus (taxativo), mas numerus apertus (meramente exemplificativo), sendo ocupacional a doença não incluída na relação, mas que tenha resultado das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacione diretamente.

Dito isso, e na esteira da relação firmada pela própria CID-11, abstratamente, de que a síndrome de burnout é resultado de um meio ambiente do trabalho tóxico, conclui-se que toda síndrome de burnout atestada por médico (CID-11, item QD-85) tem, necessariamente, raiz ocupacional e é considerada doença do trabalho.

E, na esteira da causa da síndrome de burnout (meio ambiente de trabalho dotado de estresse crônico e não gerenciado com sucesso), conclui-se que toda síndrome de burnout atestada por médico (CID-11, item QD-85) faz presumir, de forma absoluta (iuris et de iure), pelo menos a culpa do empregador, sujeitando-o à responsabilidade civil, na forma dos arts. 8º, § 1º, 223-B e 223-E da Consolidação das Leis do Trabalho e dos arts. 186, 927, caput, 932, inciso III, e 933 do CC/02.

_____

1 WORLD HEALTH ORGANIZATION. ICD-11: international classification of diseases. 11. ed. Publicado em: [S.d.]. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2021.

2 “International Classification of Diseases for Mortality and Morbidity Statistics” (WORLD HEALTH ORGANIZATION..., S.d.).

3 “Problems associated with employment or unemployment” (WORLD HEALTH ORGANIZATION..., S.d.).

4 “Description: Burnout is a syndrome conceptualized as resulting from chronic workplace stress that has not been successfully managed. (...)” (WORLD HEALTH ORGANIZATION..., S.d.).

5 “Description: (...) It is characterised by three dimensions: 1) feelings of energy depletion or exhaustion; 2) increased mental distance from one’s job, or feelings of negativism or cynicism related to one's job; and 3) a sense of ineffectiveness and lack of accomplishment. (...)” (WORLD HEALTH ORGANIZATION..., S.d.).

6 Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 349.703 (RS). Relator: Ministro Ayres Britto. Relator para o Acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 3/12/2008. Publicação: Diário da Justiça Eletrônico divulgado em 4/6/2009 e publicado em 5/6/2009. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 466.343 (SP). Relator: Ministro Cezar Peluso. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 3/12/2008. Publicação: Diário da Justiça Eletrônico divulgado em 4/6/2009 e publicado em 5/6/2009. Repercussão geral no mérito. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 87.585 (TO). Relator: Ministro Marco Aurélio. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 3/12/2008. Publicação: Diário de Justiça Eletrônico divulgado em 25/6/2009 e publicado em 26/6/2009. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 92.566 (SP). Relator: Ministro Marco Aurélio. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 3/12/2008. Publicação: Diário de Justiça Eletrônico divulgado em 4/6/2009 e publicado em 5/6/2009.

7 “Description: (...) Burn-out refers specifically to phenomena in the occupational context and should not be applied to describe experiences in other areas of life.” (WORLD HEALTH ORGANIZATION..., S.d.).

8 “Exclusions: Adjustment disorder (6B43), Disorders specifically associated with stress (6B40-6B4Z), Anxiety or fear-related disorders (6B00-6B0Z), Mood disorders (6A60-6A8Z)”. (WORLD HEALTH ORGANIZATION..., S.d.).

Igor de Oliveira Zwicker
Doutor em Direito pela UFPA (aprovado em 1º lugar geral) Mestre em Direitos Fundamentais pela Unama (aprovado em 1º lugar geral) Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UCAM Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Unama 1º lugar em concurso nacional de redação, categoria Ensino Médio, com mais de 2.600 redações inscritas (Associação Nacional de Jornais, 1996)

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