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Liberdade de expressão ou propaganda eleitoral: como resta a igualdade entre os candidatos?

Manifestações feitas por influenciadores a favor de alguns, desencorajam candidaturas, ao mostrar o Brasil divido entre poucos representantes, sem espaço para o novo.

30/5/2022

Direitos fundamentais são mecanismos legislativos que visam a garantir de forma mínima uma vida digna aos seres humanos, essa classe de direitos, por mais que expressos em texto legal, podem ser aplicados de uma forma diferente ante as leis comuns, em alguns casos, sua aplicação é feita através de critérios próprios, um deles é o juízo de ponderação, como trazido por Diego Brito Cardoso (2016, p. 137):

“Robert Alexy defende, com base na jurisprudência alemã, o uso da técnica da ponderação e do princípio da proporcionalidade como soluções para o problema da colisão entre direitos fundamentais estruturados como princípios, tendo sido amplamente incorporada no Brasil pela doutrina e pelo Poder Judiciário [...] Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”.

Um direito que se encaixa no conceito acima elucidado é o da liberdade de expressão. Sobre isso, veja-se a disposição da Constituição Federal de 1988:

“Art. 19: Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”.

Nesse sentido, a liberdade de expressão, é um direito fundamental assegurado pela constituição e sua aplicação ocorre da mesma forma como com os princípios, onde em caso de conflitos, por mais que envolvam dois direitos presentes de forma explícita, estes precisam ser ponderados para se chegar a um resultado eficiente, ou seja, que não fira nenhum dos direitos em conflito, ou que faça isso de forma mínima e não prejudicial, nos termos explanados pelo jurista Alexy (2014, p. 99-117):

“As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência. [...] Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza.”

Um dos maiores problemas que se encontra ao ponderar direitos fundamentais é que, em alguns casos, não há como delimitar a aplicação de um sem prejuízo ao outro, ou seja, limitando essa aplicação o bem tutelado será inevitavelmente afetado, podendo tornar essa limitação, na situação específica, até uma exclusão, no caso concreto, a uma das leis contrastantes.

Um exemplo é quanto ao racismo, tipificado como crime, além de ser imprescritível e inafiançável no ordenamento vigente. Resta claro, portanto, que a igualdade e a dignidade da pessoa humana prevalecem sobre a liberdade de expressão nesta situação, por mais que seja completamente extinto o direito da pessoa de se expressar de tal forma, a legislação ampara e justifica isso, em hipótese alguma é admitido o racismo, mesmo se tratando de uma limitação absoluta à liberdade em comento.

O conceito acima citado, pode ser utilizado como meio para uma possível solução sobre um dilema atual no Brasil, o conflito entre a liberdade de expressão e a igualdade entre os candidatos políticos. Tal problema retornou à pauta no dia 25/03/22, oportunidade em que ocorreram manifestações por parte de artistas no palco do lollapalooza 2022. A referida exposição foi a favor do governo anterior, em alguns casos falando o nome direto do possível candidato à presidência e contra o governo atual, com protestos revelando seu descontentamento.

Após esses atos, o partido liberal (PL) acionou o TSE, gerando, então, uma decisão liminar monocrática proferida pelo ministro Raul Araújo no dia 27/03:

“Defiro parcialmente o pedido de tutela antecipada formulada na exordial da representação, no sentido de prestigiar a proibição legal, vedando a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival” (G1, 2022).

Sendo assim, foi estipulada uma multa de R$ 50 mil para o festival, cada vez que a determinação fosse descumprida.

Os argumentos utilizados pelo PL foram: “A manifestação política realizada em evento de responsabilidade da representada fere inúmeros dispositivos legais, conforme restará demonstrado, razão pela qual se faz imperiosa a intervenção desta Especializada" (CNN, 2022).

Em contraponto, o partido dos trabalhadores (PT), alvo da manifestação, disse em nota que “Está avaliando as medidas jurídicas cabíveis para restabelecer a liberdade de expressão, confiando que a Justiça corrigirá este grave erro.” (PT, 2022), partido este que também, apresentou agravo ao TSE:

“A compreensão que as manifestações de artistas, pessoas alheias ao contexto eleitoral, possam representar atos vedados pela legislação eleitoral apenas se presta para afastar a política (e os políticos) da sociedade. É tirar de todo cidadão a capacidade de pensamento crítico frente àquilo que consome enquanto cultura.” (Uol, 2022).

No dia 28/03/22, o ministro Raul Araújo derrubou a liminar, acolhendo a desistência da ação pelo PL, devido à alta repercussão que o caso tomou. Nessa decisão, ele declarou que decidiu da forma anterior, pois entendeu na declaração do representante que o festival “Supostamente estaria estimulando a propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea no aludido evento. [...] Os artistas individualmente têm garantida pela Constituição Federal a ampla liberdade de expressão” (Uol, 2022). Desta forma, o caso foi encerrado.

Por mais que a decisão tenha estado em vigor por um curto período, tal ato gerou grande comoção e protesto por inúmeros artistas e o público num geral, pois o Brasil é um país que já passou por momentos sensíveis sobre o tema liberdade de expressão, inclusive com momentos de censura quase absoluta, durante a ditadura militar.

Diante do exposto, resta necessário discutir: quais são os limites da liberdade de expressão na esfera política? Até onde o ser humano está apenas exteriorizando seus pensamentos e ideias, direito este que lhe é assegurado pela constituição, e quando esse direito se torna uma propaganda política, devido a posição, ambiente e influência exercida?

Com o caso em vista, é necessário também analisar sob à ótica das propagandas eleitorais, nos termos da lei das eleições (lei 9.504):

“Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: 

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; [...]

Art. 36-B. Será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do STF, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições.” (lei 9.504/97).

Rodrigo Moreira (TSE, EJE n. 1, ano 4), elucida o assunto da seguinte forma:

“A propaganda eleitoral busca trazer votos aos candidatos, está direcionada a influenciar a vontade do eleitorado para induzir que determinado candidato é o mais apto a determinado cargo eletivo [...] A finalidade da proibição da propaganda extemporânea é evitar o desequilíbrio e a falta de isonomia nas campanhas eleitorais. Os candidatos devem ser tratados igualmente.”

Resta claro no texto acima que a razão para a propaganda eleitoral antecipada ser proibida e penalizada é no sentido de privilegiar a igualdade entre os candidatos.

Entretanto, uma questão se levanta ao identificar que a finalidade desta lei é promover a igualdade: afirmar que não se caracterizam como propaganda eleitoral atos de manifestação política, como os do Lollapalooza, garante a igualdade entre os candidatos?

É certo que, a liberdade de expressão é um direito defendido pela Constituição e deve ser respeitado, uma vez que se trata da possibilidade de externalizar o que se acredita. Neste caso, escolher entre os possíveis candidatos para governar seu país e falar sobre isso, assim como as razões para tal.

Contudo, a depender do ambiente que isso é feito e o público-alvo, tal ato pode se tornar uma ameaça aos candidatos que não são conhecidos, ou que ainda nem decidiram se irão se candidatar.

Para que as eleições ocorram de forma justa, muitos mecanismos são despendidos, como o limite de gastos, a porcentagem de pessoas do sexo feminino por partido, e outras formas, todas com o mesmo fundamento, promover a igualdade entre candidatos.

Nesse cenário, um candidato desconhecido ao escutar que o Brasil já é de determinado candidato pode se desencorajar, e se sentir prejudicado com essa situação. Segundo uma pesquisa da Datafolha (2014) pelo jornal Folha de São Paulo, “Só 17% dos entrevistados afirmaram conhecer pelo menos um pouco os principais candidatos à presidência”.

As discussões políticas, ideais partidários, e outras propagações de discursos estritamente políticos, sem pedido de votos, são também, direitos dos candidatos ou partidos, conforme consta na legislação. Ora, estes podem expressar seu posicionamento, contanto que não paguem para tal, nem peçam votos, inclusive, esse tipo de discussão é visto de forma positiva pela sociedade, os cidadãos têm que conhecer os possíveis candidatos e partidos, o que cada um traz e objetiva.

Mas, o objeto da discussão é se o candidato que não é conhecido e depende 100% da propaganda eleitoral, irá estar em igualdade com aquele que é já conhecido e que pessoas não pagas influentes expressam seu favoritismo sobre ele.

Tais manifestações feitas por influenciadores a favor de alguns, desencorajam candidaturas, ao mostrar o Brasil divido entre poucos representantes, sem espaço para o novo. Esse fato, pode diminuir a concorrência e afunilar cada vez mais o Brasil entre os grandes partidos já existentes, fortalecendo-os cada vez mais e prejudicando o pluralismo político, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Nota-se que o problema é simples em sua pergunta, mas com diversos elementos possíveis. Se a decisão fosse a favor de impor limites à liberdade de expressão, para que não seja permitido divulgação de nenhum candidato antes do período eleitoral por parte de figuras públicas em meios com número alto de expectadores, essa restrição ditaria o que essas pessoas podem ou não dizer. É impor silencio à uma parte importante de suas vidas.

Por isso, tal delimitação deve ser feita de forma consciente, e unânime, não cabendo apenas a um representante decidir sobre o caso isolado, restringir um direito fundamental, pode ocasionar em consequências graves quando feito de forma imprudente, mas, como explicado neste artigo, há relativa omissão e com isso vem a necessidade de uma orientação explícita. Isso porque a referida omissão tem consequências sociais, o reflexo disso está no caso citado, um relato de como se sentem os favorecidos pela manifestação política e os desfavorecidos por ela.

Não visando dizer qual das direções é a correta, mas sim comparar e analisar se esta situação, com foco na lei, para solucionar o problema que se apresenta neste caso, o dilema presente é restringir a liberdade de expressão para promover a igualdade, ou, restringir a igualdade entre os candidatos para a promoção da liberdade de expressão, e a decisão do magistrado, inclusive do caso citado acima, tem sido para restringir a igualdade.

Desse modo, a ponderação deve ser feita precisamente, analisando se a lei da propaganda política está cumprindo seu papel de manter a igualdade entre os candidatos, e se não estiver, como ela pode ser melhorada? É válida a supressão de parte da liberdade de expressão de alguns para promover uma real igualdade?

Estes elementos devem ser avaliados, para uma decisão fundamentada e justa que minimize os prejuízos, preservando a população, tanto de decisões arbitrárias contra a liberdade de expressão, quanto sacrificando a igualdade entre os candidatos políticos.

____________

ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, 2015. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47414/45316. Acesso em: 24 de maio de 2022.

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Vírgilio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

BERGAMO, Monica. Ministro do TSE revoga censura ao Lollapalooza e responsabiliza partido de Bolsonaro. Folha de São Paulo, 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/03/ministro-do-tse-revoga-censura-ao-lollapalooza-e-responsabiliza-partido-de-bolsonaro.shtml. Acesso em: 11 de maio de 2022.

BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Lei das Eleições. Diário Oficial da União, Brasília, DF; 176º da Independência e 109º da República.

CARDOSO, Diego B. Colisão de direitos fundamentais, ponderação e proporcionalidade na visão de Robert Alexy. Revista constituição e garantia de direitos, p 137-155, Acesso em: 20 de maio de 2022.

CB. PL entra com ação no TSE para proibir manifestações políticas em shows. CORREIO BRAZILIENSE, 2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4996121-pl-entra-com-acao-no-tse-para-proibir-manifestacoes-politicas-em-shows.html. Acesso em: 24 de maio de 2022.

CNN. Partido de Bolsonaro aciona TSE para evitar propaganda eleitoral no Lollapalooza. CNN Brasil, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/partido-de-bolsonaro-aciona-tse-para-evitar-propaganda-eleitoral-no-lollapalooza/. Acesso em: 22 de maio de 2022.

G1. Após pedido do PL, ministro do TSE determina que Lollapalooza vete manifestações eleitorais dos artistas. G1 globo, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/03/27/apos-pedido-do-pl-ministro-do-tse-determina-que-loollapallooza-vede-manifestacoes-eleitorais.ghtml. Acesso em: 23 de maio de 2022.

MOREIRA, Rodrigo. Propaganda eleitoral antecipada. Revista eletrônica EJE n. 1, ano 4. Disponível em: https://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-1-ano-4/propaganda-eleitoral-antecipada. Acesso em: 22 de maio de 2022.

PT. Censura a artistas do Lollapalooza remete aos tempos da ditadura. PT.org, 2022. Disponível em: https://pt.org.br/censura-a-artistas-do-lollapalooza-remete-aos-tempos-da-ditadura/. Acesso em: 10 de maio de 2022.

VGNOTÍCIAS. Candidatos à presidência são desconhecidos, diz Datafolha. Vgnoticias, 2014. Disponível em: https://www.vgnoticias.com.br/politica/candidatos-a-presidencia-sao-desconhecidos-diz-datafolha/23370. Acesso em: 21 de maio de 2022.

Déborah Carla Nascimento
Acadêmica de Direito.

Augusto Mohd Popp
Acadêmico de Direito.

Jamile A. Machnicki
Advogada no escritório Popp Advogados Associados.

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