Migalhas de Peso

Análise do conceito de cessão e intermediação de mão de obra

Retenção de 11% (onze por cento) sobre o total da nota fiscal.

27/5/2022

A Receita Federal do Brasil – RFB publicou uma solução de consulta 75/21 tratando do conceito de cessão de mão de obra.

Uma solução de consulta é uma resposta da Receita Federal do Brasil para uma consulta formal, elaborada pelo contribuinte com a finalidade de esclarecer dúvidas sobre a Interpretação de legislações tributárias.

A referida consulta foi realizada por uma empresa que exerce a atividade de fretamento de ônibus para viagens de excursão e turismo, segundo a consulente, é responsável por determinar o trajeto, datas e horários das viagens. Alega que os motoristas dos ônibus são seus empregados, e que atuam sob sua responsabilidade e ordem, cumprindo os trajetos, horários e datas previstos no contrato pactuado com os respectivos contratantes.

Nesse contexto, a interessada invoca o art. 31, § 3.º, da lei 8.212/91, que define a cessão de mão de obra para fins de retenção da contribuição previdenciária. Ato contínuo, menciona a solução de consulta 232/17, a qual assevera que: “com relação à colocação do trabalhador à disposição do tomador, verifica-se que esse pressupõe que o trabalhador atue sob ordens do tomador dos serviços (contratante), que conduz, supervisiona e controla o seu trabalho.”

A Receita Federal do Brasil então entendeu que, segundo a conceituação previdenciária, ocorre cessão de mão-de-obra quando a empresa contratada cede trabalhadores, colocando-os à disposição da empresa contratante, para realizar serviços contínuos, em suas dependências ou nas de terceiros.

Para ela, três seriam, assim, os requisitos fundamentais para que a prestação de serviço seja considerada cessão de mão de obra:

a) os trabalhadores devem ser colocados à disposição da empresa contratante;

b) os serviços prestados devem ser contínuos;

c) a prestação de serviços, deve se dar nas dependências da contratante ou nas deterceiros.

Além disso, entende o órgão julgador que após a publicação da solução de consulta interna 4, de 28 de maio de 2021, a interpretação da SC 232/17 foi superada. Isso porquê, assevera que para caracterização da cessão de mão de obra não é necessário que haja qualquer poder de direção ou supervisão do tomador do serviço sobre os trabalhadores que executam a tarefa contratada.

Tendo em vista que a locução “à disposição” do art. 31 da lei 8.212/91, deve ser ponderada com o resto da oração, “quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação”. Denota o elemento gramatical que estar à disposição, portanto, caracteriza-se pela disponibilização temporal da mão de obra, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação (trabalho temporário, empreitada de mão de obra, prestação de serviço a terceiros).

Afirma que a lei categoricamente reconhece a figura da cessão de mão de obra na prestação de serviço dirigido plenamente pela contratada, ratificando a pertinência da referida retenção mesmo que os trabalhadores cedidos atuem sob ordem apenas da executora do serviço, a quem caberia a supervisão e coordenação exclusiva da tarefa.

Conclui então que a transferência do poder de direção, seja parcial ou total, não é condição sine qua non para a satisfação do elemento da cessão de mão de obra “colocar à disposição”, muito embora a constatação de transferência de comando possa ser usada como elemento indicativo de sua ocorrência.

O elemento “colocação de mão de obra à disposição” se dá pelo estado da mão de obra de permanecer disponível/exigível para o contratante, perfazendo-se, portanto, na situação do condutor de veículo que deve cumprir itinerários de excursões em datas e horários estabelecidos, afinal, implementar essas condições contratuais denota que a contratada disponibilizou mão de obra à contratante para a execução do serviço, pois a contratante terá aquela mão de obra a sua disposição para honrar todo itinerário nas datas e nos horários requisitados.

Esse entendimento foi recentemente reproduzido pela COSIT 8/22, que ao tratar do conceito de cessão de mão de obra, fundamentou seu entendimento nos termos acima descritos pela cosit 75/21, sem se atentar ao grave erro comparativo havido entre cessão de mão de obra e intermediação legal de trabalho temporário.

É o breve relatório, passo a opinar.

Para iniciar nossa análise é necessário entender alguns aspectos importantes que levaram a redação do caput do artigo 31 da lei 8.212/91, vejamos:

“Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5.º do art. 33 desta lei.”

Note que a redação legal se refere ao serviço de cessão de mão de obra, mas incluiu outra modalidade de contratação ‘‘entre vírgulas’ para destacar a sua diferença em relação ao serviço mencionado anteriormente. Isso só ocorre porque o trabalho temporário não é cessão de mão-de-obra, é um outro regime trabalhista.

A própria lei 8.212/91 ao tratar da contribuição previdenciária em seu artigo 22, não faz diferença entre o trabalhador temporário e o empregado por considerá-los iguais.

“Art. 22 (...)

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.”

Fica claro que o único motivo para se referir ao trabalho temporário expressamente no art. 31 é pelo fato de não ser cessão de mão-de-obra, já que se assim fosse, não haveria necessidade de mencioná-lo expressamente, já que estaria representado pelo termo ‘cessão’.

Isso ocorre pelo simples motivo de que, o serviço de intermediação de trabalhadores temporários não se confunde com a cessão de mão de obra.

No passado, algumas empresas de trabalho temporário praticavam fraudulentamente o recolhimento da cota previdenciária patronal, e isso ocasionava autuação da empresa tomadora de serviços, por ser a tomadora a verdadeira contratante do trabalhador temporário.

Em razão disso, o serviço de intermediação de trabalhadores temporários foi indevidamente descaracterizado, sendo reconhecido o vínculo de emprego entre as empresas tomadoras do serviço e os trabalhadores temporários.

Para evitar situações como esta, a lei estabeleceu expressamente a responsabilidade da empresa tomadora do serviço para com a contribuição previdenciária das agências de trabalho temporário, observe o que diz a lei 6.019/74:

Art. 14 - As empresas de trabalho temporário são obrigadas a fornecer às empresas tomadoras ou clientes, a seu pedido, comprovante da regularidade de sua situação com o Instituto Nacional de Previdência Social.

É por esse motivo que o legislador preocupou-se em obrigar a retenção antecipada deste tributo, através do artigo 31 da lei 8.212/91. Isso evita a sonegação fiscal da empresa contratada de cessão ou intermediação de mão de obra, e garante segurança jurídica as empresas contratantes que asseguram o cumprimento desta obrigação antes do pagamento efetivo da nota fiscal.

Dito isso, voltamos ao conceito de cessão de mão-de-obra previsto na lei previdenciária. Como exposto acima, cessão e intermediação não se confundem, e a própria Receita Federal já deixou isso claro na edição da Solução de Consulta Interna 4 de 2021, editada um mês antes da cosit 75.

Observe o que estabeleceu a cosit 4:

“58. Superando a exploração literal e adentrando em avaliação sistemática, outro argumento repetido para restringir o alcance da partícula “à disposição” é a alegação de que na cessão de mão de obra o objeto do contrato é a mão de obra. No entanto, o Direito do Trabalho opõe-se à lógica subjacente à ideia de que no contrato de cessão de mão de obra o objeto é apenas a mão de obra. O Decreto nº 25.696, de 20 de outubro de 1948, ratifica a Declaração da Filadélfia, que assenta como princípio fundamental que o trabalho não é uma mercadoria. Logo, a exegese que mercantiliza a mão de obra, definindo-a como único objeto de contrato empresarial – na qual o cessionário se sub-roga nos direitos do cedente, ou seja, há transferência de direitos sobre a mão de obra – é abominada pelo ordenamento jurídico. Em rigor, é preferível falar em prestação de serviços a falar em fornecimento de mão de obra com transferência de comando, pois essa última proposição avizinha-se da figura da intermediação de mão de obra por empresa interposta –, a prática de tratar o trabalho como mercadoria. Nesse sentido são as lições justrabalhistas, como se ilustra abaixo:

Com efeito, a terceirização em si não é vedada, desde que a relação de emprego não reste configurada entre tomador e empregado. O que o Direito do Trabalho não admite, como regra quase absoluta, é a intermediação de mão de obra. E qual seria a diferença entre a terceirização e a intermediação de mão de obra?

Na terceirização tem-se o fornecimento de uma atividade especializada pelo terceiro ao tomador, que não tem qualquer relação de gerenciamento com os trabalhadores. Na intermediação de mão de obra, por sua vez, verifica-se o mero ‘aluguel de trabalhadores’, o que, sem nenhuma dúvida, fere os princípios basilares do Direito do Trabalho e a dignidade do trabalhador, o qual passa a ser tratado como mercadoria. Há uma única hipótese legal de intermediação de mão de obra no Brasil, que é o trabalho

temporário, regido pela lei 6.019/74. [...]”

Conclusão

Em que pese o objetivo da COSIT 75 não tenha sido tratar diretamente do trabalho temporário, ela peca em incluí-lo como exemplo ao tratar do conceito de cessão de mão de obra, misturando conceitos já estabelecidos pelo órgão e pela lei federal.

Mas a RFB acerta ao obrigar a retenção de 11% (onze por cento) sobre a nota fiscal da agência, para garantir que a tomadora não seja cobrada no futuro, com relação à cota previdenciária patronal, o RAT – Risco Ambiental do Trabalho e o FAP – fator acidentário de prevenção, do seu trabalhador temporário.

Ante ao exposto, é certo que os conceitos de cessão de mão-de-obra e intermediação de trabalho temporário não se confundem. No entanto, a lei 8.212/91 deixa claro que as duas atividades devem sofrer retenção sobre o total da nota fiscal.

Leticia do Nascimento Pereira
Advogada e pesquisadora cientifica. Pós Graduanda em Gestão de Departamento Pessoal e Compliance Trabalhista.

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