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A biometria facial pode suprir a falta de assinatura em contratos?

Este artigo tem como objetivo demonstrar a segurança jurídica na contratação por meio de biometria facial diante do advento da tecnologia e como o judiciário está reagindo a essa forma de contratação.

26/5/2022

Em primeiro lugar, deve-se esclarecer o que é um contrato. O contrato nada mais é que um acordo de vontade entre partes que tem como objetivo criar, modificar ou extinguir direitos.

Os contratos eram realizados somente no mundo dos papéis vez que a relação de confiança é estabelecida com a assinatura das partes no referido documento. Tal contrato tradicional sempre foi burocrático e custoso pois necessita de impressão, cartório, dada pela autenticação das assinaturas das partes pelo reconhecimento de firmas, o que demandava muito tempo e dinheiro até sua finalização.

O mundo evolui e junto com a internet vieram as inovações tecnológicas. Tais inovações não poderiam deixar de fora os contratos, que passaram a ser realizado de forma digital em muitos lugares.

Mas o que são contratos eletrônicos? Eles são documentos elaborados digitalmente que podem ser assinados em qualquer tempo e lugar com aparelhos eletrônico que possuem internet como computadores e smartphones possibilitando a conclusão rápidas e econômica sem abrir mão da segurança.

Veja que não é uma modalidade nova de contrato mas sim um contrato qualquer utilizando como meio um ambiente virtual.

Necessário esclarecer que ainda não há no Código Civil previsão específica sobre documentos eletrônicos ou formas de assinaturas digitais prevalecendo a liberdade das forma, com exceção dos casos previstos em lei, sendo aplicado as regras tradicionais trazidas no artigo 104 do CC, qual seja, I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Assim, resta claro que não há nada em lei que impeça a celebração de um contrato eletrônico.

Quanto a biometria facial como forma de assinatura, interessante entender o desenvolvimento da lei nas contratações eletrônicas:

A primeira lei que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras é a MP 2.200-2, de 2001. Esta MP criou as autoridades certificadoras e tornou possível e legal a utilização de assinaturas digitais através de plataformas digitais.

Em 2006 surgiu a lei 11.419, que admitiu a informatização do processo judicial mediante o uso de assinatura eletrônica do usuário credenciado junto ao Poder Judiciário, e, em 2017, veio a lei circular 3,829, que considera assinatura eletrônica todos os meios de comprovação de autoria de integridade de documentos de forma eletrônica.

Temos ainda a lei 14,063/20, que traz a ampliação do uso de documentos validados digitalmente por meio de assinaturas eletrônicas, sem perder o valor legal de assinaturas tradicionais, a qual considera como assinatura eletrônica, artigo 3º, “os dados em formato eletrônico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrônico e que são utilizados pelo signatário para assinar, observados os níveis de assinaturas apropriados para os atos previstos nesta lei”.

Cumpre informar que há diferentes formas de assinaturas eletrônicas, que proporcionam diferentes níveis de autenticação para assegurar a integridade dos documentos, entre elas, existe a biometria facial, recurso que proporciona segurança, agilidade e prova de vida.

A utilização da biometria facial, permite a autenticação das partes contratantes com alto grau de segurança, além de permitir que qualquer pessoa assine um documento eletrônico sem a necessidade de certificado digital. Ela se tornou um meio fácil, moderno e seguro de autenticação tendo em vista a utilização dos smartphones por todo o mundo.

A biometria facial em contratos digitais já é uma prática corriqueira em diversas instituições financeiras bem como nos próprios órgãos governamentais, como por exemplo o INSS, que utiliza das selfies para obter a prova de vida de seus beneficiários, o que inibi a ação de fraudadores.

Tal forma de assinatura eletrônica já foi aceita pelos tribunais como forma válida de manifestação de vontade e supre a falta de assinatura na formalização de contrato eletrônico. Vejamos:

“[…] Diante das informações prestadas pelo banco réu, que geraram verossimilhança da efetiva contratação pessoal, pelo autor, de operação de portabilidade, cabia ao autor infirmar os elementos de prova trazidos pela parte contrária, o que não fez. Com efeito, limitou-se a alegar a ausência de documento assinado, mas no caso houve assinatura digital, mediante reconhecimento facial biométrico, que é meio válido de manifestação autêntica de vontade, nos termos do art. 107 do CC, pois não existe exigência legal de que os contratos sejam sempre assinados de forma manual. […]” (TJ-SP, Processo 1002728-68.2021.8.26.0484. Juiz: CAROLINA DIONÍSIO em 24/11/21).

“[…] Ora, alega o autor não ter assinado qualquer contrato junto ao banco para a obtenção de empréstimo, tampouco recebeu qualquer valor. Destarte, tendo em vista que a parte autora negou ter realizado com a ré o referido contrato, passou a ser ônus desta fornecedora a prova do negócio válido, nos termos do artigo 373, II, do CPC. Ocorre que o banco réu juntou documentos que demonstram que o empréstimo consignado aqui impugnado foi, de fato, firmado pelas partes. A defesa foi instruída com “selfie” retirada pelo próprio autor (fls. 88/91), tal como o “Dossiê de Contratação” (fls. 89/90), que comprovou a anuência do requerente, sendo certo que em réplica não contestou a veracidade da contratação por meio eletrônico. Referida contratação é válida, já que a partir da fotografia da pessoa é possível confirmar a identificação do consumidor e sua concordância com a proposta formulada, conforme recente posicionamento e. TJ/SP[…]” (TJ-SP, Processo 1004950-58.2021.8.26.0597. Juiz: Daniele Regina de Souza Duarte em 02/12/21). 

Ainda sobre o tema:

“BANCÁRIO. EMPRÉSTIMOS. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DO NEGÓCIOS JURÍDICOS. PACTOS DEVIDAMENTE FIRMADOS PELO CONSUMIDOR. ASSINATURA DIGITAL POR BIOMETRIA FACIAL. VALIDADE. DOCUMENTO QUE PROVA O RECONHECIMENTO FACIAL NAS DATAS DAS CONTRATAÇÕES. PROVA CONTUNDENTE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE E PERFECTIBILIZAÇÃO DOS CONTRATOS. LICITUDE. MARGEM CONSIGNÁVEL. LIMITAÇÃO QUE NÃO SE APLICA À HIPÓTESE. CONTRATOS COM NATUREZA DE EMPRÉSTIMOS PESSOAIS NÃO CONSIGNADOS. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS  FUNDAMENTOS. ART. 46 DA LEI 9,099/1995, RECURSO INOMINADO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ SC,  Recurso Cível 5001088-22.2019.8.24.0052, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Relator: Paulo Marcos de Farias, Gab 03 – Primeira Turma Recursal, Data de publicação: 10/02/22)

Resta claro que as relações jurídicas, e principalmente os contratos, evoluíram com a realidade social a fim de atender da melhor maneira possível as partes da relação. Não existe mais um direito imutável e atemporal, fato que gerou o surgimento da assinatura por meio da biometria facial nas relações contratuais uma vez que a sociedade entendeu os benefícios e segurança por trás de tal tecnologia.

A biometria facial faz parte da nossa realidade, bem como é forma válida de assinatura digital em transações eletrônicas, que se encontra amparadas pelo ordenamento jurídico e jurisprudência, porém independente da forma de contratação, devemos sempre prezar pelos princípios das relações contratuais, quais sejam, boa-fé, proteção, probidade, lealdade, confidencialidade e a vedação ao enriquecimento sem causa, garantindo a tutela de relações éticas que devem ser respeitadas pelas partes.

_________

CC – CÓDIGO DE DIREITO CIVIL
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

MEDIDA PROVISÓTIA 2.200-2
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/antigas_2001/2200-2.htm

LEI CIRCULAR 3,829
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/20477752/do1-2017-03-13-circular-n-3-829-de-9-de-marco-de-2017-20477670#:~:text=Altera%20a%20Circular%20n%C2%BA%203.691,quem%20for%20oposto%20o%20documento.

LEI 11.419
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm

LEI 14.063
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14063.htm
https://www.gov.br/inss/pt-br/assuntos/prova-de-vida/inss-amplia-e-simplifica-prova-de-vida-digital (consulta em 16/04/22)

Cicely Paiuca Buscarini
Advogada no Parada Advogados.

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