Discorrendo sobre a origem do conhecimento, Ortega afirma que a raiz do conhecer está precisamente na insuficiência dos dotes humanos. “Nem Deus e nem o animal têm esta condição. Deus sabe tudo e por isso não conhece. O animal não sabe nada e por isso também não conhece. Mas, o homem é a insuficiência vivente, o homem necessita saber, perceber desesperadamente o que ignora”.1
Aduziria que nascemos com uma desdita que pode nos levar à uma busca desesperada, sem resultado: sabemos formular perguntas que não podemos (ou sabemos) responder. E, assim, convivemos com mistérios...
Recentemente, a mídia chamou a atenção para um deles – o mais misterioso fenômeno de nosso universo: os “buracos negros” – expressão criada por John Wheeler, em 19692, embora as primeiras evidências sobre sua existência sejam de 1939, graças aos estudos de Hans Bethe sobre a fusão nuclear no seio das estrelas, divulgados por Niels Bohr e pelo próprio Wheeler. Stephen Hawking previu que os buracos negros existiam cinquenta anos antes de sua confirmação científica.
O primeiro a ser fotografado (em 2019) foi o buraco negro que recebeu o nome de Powehi, derivado da palavra havaiana “Kumulipo”, que significa “embelezada fonte escura de criação sem fim”. A foto somente foi possível graças ao projeto “Evento Horizon Telescope (EHT)”, que contava com nove telescópios espalhados pelo mundo, e que hoje conta com onze. Há poucos dias, um novo buraco negro – chamado Sagitário A* – foi fotografado pelo EHT, que se situa no centro de nossa galáxia (Via Láctea), foto estampada em todas as mídias.
Em torno do buraco negro situa-se o que os cientistas chamam de horizonte de eventos ou ponto de não retorno (point of no return): tudo que ultrapassar esse limite desaparecerá dentro do buraco negro, inclusive a luz. Mas, as teorias se dividem ao tentar explicar o que acontece com aquilo que é “engolido” pelo buraco negro. Também divergem sobre o destino dos buracos negros, isto é, se podem ou não desaparecer. Alguns acham que é um portal para outros universos e assim por diante.
Penso que o Brasil está a um passo do horizonte de eventos de um verdadeiro buraco negro político-social. A presença dessa singularidade no universo do nosso cotidiano é mais que evidente: basta assistir aos noticiários do rádio e da televisão ou ler o que a mídia impressa publica. Os sinais são tão evidentes, que nem nos assustam mais, por incrível que pareça! Algo semelhante com a notícia de que nosso Sol irá morrer, mas somente daqui a 5 bilhões de anos.3 No entanto, esse point of non return não está assim tão longe. Ao contrário, está pertíssimo.
Diante desse cataclismo, podemos assumir várias posturas, como, por exemplo, a de Einstein, diante do anúncio científico da existência dos buracos negros: embora a existência dos buracos negros se encaixe perfeitamente na sua teoria gravitacional, ele se recusava a aceitar a existência dessa singularidade no cosmo. Podemos achar que ele será como o Powehi, ou seja, “fonte escura de criação sem fim”. Ou um portal para nova vida. Ou, então, o mergulho num futuro incerto, impreciso, inseguro e fatal, que é o destino de tudo quanto cai num buraco negro...
Não tenho dúvidas, nestas alturas, em face da nossa terrível proximidade do horizonte de eventos do mencionado buraco negro político, que apenas o Supremo Tribunal Federal poderá criar uma barreira intransponível, para nos salvar dessa catástrofe.
Em meus longos anos de Ministério Público, durante os quais enfrentamos uma Constituinte, ao lado do Poder Judiciário, superiormente liderado pelo saudoso Odyr Porto, meu amigo (sendo que numa das fases o relator queria extinguir o STF), aprendi a admirar ainda mais a Magistratura. De certa forma, também pudemos ajudar meu colega de concurso no MP, o querido Nilson Naves, que comandava o movimento pela criação do STJ.
Se consideramos o Ministério Público a alavanca da democracia, quando ela está falhando ou está emperrada, não se pode deixar de aplaudir os Ministros do STF pelas iniciativas em prol do Estado de Direito Democrático.
Confio plenamente – apesar das apressadas e superficiais críticas que são feitas – em que o STF saberá como levar nossa nave para longe do point of non return.
2 “A brief history of time – The universe in a nutshell”, publicado por Bantan Dell, 2018, New York, Capítulo 6 – Black Holes – p. 104. Stephen Hawking desenvolveu estudos importantes sobre essa matéria.
3 Embora a Nasa esteja tentando encontrar um planeta para o qual possamos imigrar.