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Compensação de prejuízos fiscais: modificação do ramo de atividade e do controle societário

É certo que pequenas mudanças na atividade da empresa, seja acrescentando uma atividade no mesmo ramo de sua expertise ou até mesmo deixando de praticar certa atividade não deveriam ser enquadradas pela vedação legal

23/5/2022

A compensação de prejuízos fiscais sempre foi tema de muitos debates, gerando extensa doutrina e jurisprudência.1 É um tema de grande importância para as pessoas jurídicas que apuram o IRPJ e a CSLL na sistemática do lucro real, uma vez que a lei permite que o prejuízo fiscal, entendido como o saldo negativo ao final da apuração do lucro real tributável2, pode ser utilizado para abatimento, via compensação, do lucro líquido de outro período, reduzindo-se a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

O direito à compensação de prejuízos fiscais está limitado a 30%3 do lucro líquido apurado no exercício no qual será efetuada a compensação, sem limitação temporal. Essa metodologia costuma significar relevante diminuição do valor a ser pago de IRPJ e CSLL para empresas que apuraram prejuízos em períodos anteriores.

Porém, a legislação tributária criou várias regras para que a compensação dos prejuízos fiscais seja permitida.

Aqui iremos expor uma vedação relativamente pouco discutida, que consta do art. 584 do regulamento do imposto de renda/2018: a proibição da compensação caso a empresa tenha, entre a data da apuração do prejuízo e a data da compensação, realizado modificação em seu controle societário e, cumulativamente, de seu ramo de atividade. Esta vedação é igualmente refletida para a apuração da base da CSLL, conforme art. 22 da MP 2158/01.

As controvérsias que orbitam esta vedação surgem da falta de definição clara dos conceitos “modificação de controle societário” e “modificação no ramo de atividade”.

À primeira vista, “modificação”, como termo de abrangência ampla, poderia significar qualquer alteração do quadro societário ou do ramo de atividade, seja em acréscimo, diminuição ou substituição de algum elemento.

É importante identificar, portanto, os limites dos dois conceitos essenciais para a aplicação da regra de vedação: (i) modificação de controle societário e (ii) modificação de ramo de atividade.

Quanto à modificação de controle societário, a legislação societária o define na lei 6.404/76, que trata do tema em seu art. 116, alíneas “a” e “b”, e em seu art. 243, §2º. Essa lei refere-se às sociedades por ações, mas sua aplicação tem sido estendida a outros tipos societários pela doutrina e jurisprudência. 

Porém, a legislação tributária relativa às regras para utilização de prejuízo fiscal é muito vaga e não particulariza as inúmeras formas e graus de modificação de controle societário que atrairiam a regra de vedação.

Como exposto, em um primeiro momento, poder-se-ia dizer que o termo “modificação” significa qualquer mudança, seja ela no sentido de diminuir ou aumentar o número de controladores ou de substituí-los, total ou parcialmente.

No mesmo sentido, este entendimento se aplicaria para a modificação do ramo de atividade, abrangendo um simples acréscimo de atividade nova ou mesmo a cessação de determinada atividade pela empresa, pois seriam todas, em tese, modificações no ramo de atividade da empresa

Todavia, não entendemos que esta é a melhor interpretação da regra de vedação. Explica-se: a referida restrição tem por objetivo evitar planejamentos elisivos4 e se originou especificamente para vedar prática difundida, à época, de aquisição de pessoas jurídicas deficitárias e inoperantes por pessoas jurídicas lucrativas, apenas para aproveitamento dos prejuízos fiscais. 

Apesar de o objetivo da norma ter sido o de evitar planejamentos elisivos, é fácil constatar que seu texto foi muito além de sua intenção inicial, podendo abranger mudanças de controle societário e de ramo de atividade não substanciais, que não implicam qualquer planejamento tributário elisivo.

Assim, em uma visão teleológica do dispositivo, defendida por parte da doutrina5,  considera-se a finalidade da legislação que, no caso, busca vedar utilização abusiva da compensação de prejuízos fiscais.

Nessa interpretação, o termo “modificação” englobaria apenas alterações substanciais do controle societário, como acréscimo de acionistas (ou quotistas) com controle societário efetivo, mas nunca a mera diminuição dos acionistas/cotistas que detêm o controle societário. Inclusive, a mera mudança de controlador de pessoa física para pessoa jurídica administrada pela mesma pessoa física não poderia ensejar também conclusão pela mudança de controle societário, eis que, ao final, o controle permanece com a mesma pessoa.  

A jurisprudência sobre o assunto é muito escassa. Há precedentes do conselho administrativo de recursos fiscais (CARF)6 que entendem de forma favorável a esta interpretação e, também, julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendeu que o caráter da vedação não alcança mudanças no quadro societário de empresa controladora (restringindo a vedação)7. Porém, a matéria ainda carece de definição clara na jurisprudência.

Quanto ao conceito de “modificação de ramo de atividade”, também há carência de definição legislativa precisa. O CARF, em dois julgados distintos8, manifestou posição no sentido de que a interpretação da expressão “mudança no ramo de atividade” poderia até ser compreendida de maneira abrangente, referindo-se ao ramo da atividade da empresa como um todo, seja ele serviços, comércio ou indústria de determinado setor9.

A definição imprecisa do termo “modificação” pode implicar alteração de significado apta a produzir impactos nas operações societárias muito distantes daqueles imaginados pelo legislador.

Pensemos, por exemplo, em uma empresa do ramo de engenharia que, atuando com construção civil, apurou prejuízo fiscal em 2020. Em 2021, a empresa recebeu relevantes investimentos de um investidor, que adquiriu seu controle societário e, concomitantemente, decidiu aumentar o escopo de sua atuação abrangendo, também, a reparação, conservação e reforma de edifícios.

Ora, essa mesma empresa, diante de uma interpretação ineficiente do art. 584 do RIR/2018, estaria impedida de compensar o prejuízo fiscal a partir de 2021, ano em que ocorreram cumulativamente as “modificações”, mesmo não tendo qualquer intenção elisiva.

É certo que pequenas mudanças na atividade da empresa, seja acrescentando uma atividade no mesmo ramo de sua expertise ou até mesmo deixando de praticar certa atividade não deveriam ser enquadradas pela vedação legal, uma vez que se estaria desestimulando operações societárias usuais, desvirtuando o propósito da norma originalmente antielisiva.

Assim, se há indefinição do tema na jurisprudência, é seguro dizer que, ao menos de um ponto de vista teleológico da norma, a interpretação que restringe a abrangência excessiva do termo “modificação”, em ambos os casos (controle societário e ramo de atividade), é aquela que deve prevalecer, até mesmo por uma questão de estímulo ao crescimento econômico das atividades empresariais. Do contrário, o exercício regular de um direito à compensação de prejuízo fiscal previsto por lei se tornará um desestímulo ao desenvolvimento empresarial.

_________

1 Acórdão 9101-005.728, CARFe no REsp 1925025/SC, do STJ..

2 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: IBDT, 2020, pg. 1486-1487.

3 Art. 42, da Lei n. 8.981/1995, e art. 15 e 16 Lei n. 9.065/1995.

4 BIFANO, Elidie Palma. SANTOS, Ramon Tomazela. “A TRIBUTAÇÃO CONJUNTA DE SOCIEDADES”.

5 Idem ibidem, nota de rodapé número 2. pg. 1516..

6 Recurso n°.: 117.120 – Rel. Cons. SEBASTIÃO RODRIGUES CABRAL Acórdão n°. : 101-92.311; Processo n° 18471.001846/2006-80 Recurso n° 160.708– Rel. Cons. Irineu Bianchi - Acórdão n° 1302-00.098 — 34 Câmara / 2. Turma Ordinária - ;

7 TRF4, AC 2005.70.01.004643-4, SEGUNDA TURMA, Relator OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, D.E. 28/10/2009

8 Processo n.°. : 10920.001807/99-36 Recurso n.°. : 128.299 – Cons. Sebastião Rodrigues Cabral) e Processo n° 10940.001950/2005-16 Recurso n° 170,936– Cons. Wilson Fernandes Guimarães - Acórdão no 1302-00.333 — 3' Câmara/2" Turma Ordinária

9 No Acórdão 1302-00.333, do CARF, por exemplo.

Armando Scarpelli
Advogado associado do escritório CQS/FV - Cesnik, Quintino, Salinas, Fittipaldi e Valério Advogados.

Giovani Baptista
Advogado associado do escritório CQS/FV - Cesnik, Quintino, Salinas, Fittipaldi e Valério Advogados.

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