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Do direito ao auxílio-moradia para médicos residentes

Jurisprudência do STJ, TNU e tribunais federais asseguram o direito ao auxílio-moradia para os médicos residentes.

18/5/2022

Em 2011, entrou em vigor a lei 12.514, garantindo ao médico residente direito às condições de repouso e higiene, alimentação e moradia, como demonstrada nos trechos da própria legislação abaixo:

 O art. 4º da lei 6.932/81, passa a vigorar com a seguinte redação:

(...)

§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:

I - condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões;

II - alimentação; e

III - moradia, conforme estabelecido em regulamento.

Sobre a prestação do auxílio moradia, em regra, ele deve ser oferecido in natura, ou seja, a instituição responsável pelo programa de residência médica deve disponibilizar um local de moradia aos médicos que fazem parte do programa de residência médica. 

Contudo, quando assim não for feito, o auxílio deve ser oferecido in pecúnia, ou seja, em dinheiro, de forma indenizatória pelas despesas gastas com moradia.

Sem dúvida alguma, em relação aos profissionais da área, o direito ao auxílio-moradia aos médicos residentes tem sido um dos assuntos mais comentados no meio jurídico nos últimos meses. Isso ocorre porque, mesmo sendo um direito com previsão legal, ele é ignorado por grande parte das instituições de ensino, que raramente oferecem aos residentes a moradia. 

Assim, em razão do descumprimento jurídico imposto por lei às instituições responsáveis pelos programas de residência médica, inúmeros residentes buscaram auxílio judicial com o objetivo de serem restituídos pelas despesas com moradia.

Em razão disso, o STJ, no julgamento do Resp 1339798/RS, firmou posicionamento de que as instituições, na impossibilidade de prestação de auxílio-moradia em espécie, deverão assegurar medidas que gerem resultado paralelo, no caso, o auxílio in pecúnia. Entretanto, se, ainda assim não vier a ser feito, deverá ser convertido em indenização e perdas e danos, veja a ementa deste julgamento:

ADMINISTRATIVO. MÉDICO RESIDENTE. AUXÍLIO-MORADIA. LEI 6.932/81. TUTELA ESPECÍFICA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTE. 1. Trata-se, originariamente, de Ação Ordinária que debate a concessão de auxílio-moradia a médicos residentes. Houve denunciação da lide à União. A sentença de improcedência de ambas as pretensões foi mantida pelo Tribunal de origem. 2. Precedente do STJ, na interpretação do art. 4º, § 4º, da lei 6.932/81, impõe às instituições de saúde responsáveis por programas de residência médica o dever de oferecer aos residentes alimentação e moradia no decorrer do período de residência. A impossibilidade da prestação da tutela específica autoriza medidas que assegurem o resultado prático equivalente ou a conversão em perdas e danos - CPC, art. 461 ( REsp 813.408/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, DJe 15.6.2009). 3. A fixação de valores do auxílio pretendido demanda investigação de elementos fático-probatórios. 4. Recurso Especial provido, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que estabeleça valor razoável que garanta resultado prático equivalente ao que dispõe o art. 4º, § 4º, da lei 6.932/81.(STJ - REsp: 1339798 RS 2012/0175999-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/13, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/13)

Em seguida, a Turma Nacional de Uniformização, que tem por competência processar e julgar pedido de uniformização de interpretação de lei federal, quando exista divergência entre decisões de turmas recursais de diferentes regiões, no Representativo 125, seguiu entendimento firmado no âmbito do STJ, confirmando que é devido ao médico residente auxílio-moradia e alimentação, que deverão ser disponibilizados durante o período de residência médica. Quando descumprida tal obrigação, na hipótese em que não for ofertado ao médico residente um alojamento, por exemplo, esses direitos serão convertidos em pecúnia em valor equivalente. 

Diante do silêncio da norma quanto ao valor que deverá ser indenizado, o valor em pecúnia será feito por arbitramento, assim, as jurisprudências vêm seguindo o entendimento do STJ e TNU, aplicando o valor de 30% sobre o valor bruto da bolsa mensal que é destinada ao médico residente. Nesse ponto, é importante destacar que o auxílio-moradia é um direito adquirido independente da situação financeira do residente, ou seja: é dispensado que seja comprovada a renda e necessidade do médico residente para que sejam recebidos tais valores. Veja esse caso:

EMENTA ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO-MORADIA PARA MÉDICO RESIDENTE. POSSIBILIDADE. ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL. 1. Esta turma já teve oportunidade de apreciar a matéria no julgamento do RECURSO CÍVEL 5051077-63.2014.4.04.7100/RS, no qual, em juízo de retratação, proveu-se o recurso da parte autora, para arbitrar o valor mensal de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente, devido em todos os meses de duração do programa, ainda que sem comprovação nos autos dos valores eventualmente despendidos a título de moradia e alimentação. 2. A controvérsia foi pacificada pela TNU no julgamento do PEDILEF 2010.71.50.027434-2, DJ 28/09/12. 3. A jurisprudência do STJ, seguida por este Colegiado, é no sentido de que a fixação do valor da indenização em casos como este demanda a análise de elementos fático-probatórios a fim de garantir 'resultado prático equivalente' ao auxílio devido ((REsp 1339798/RS, Rel. ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/13, DJe 07/03/13) 4. Embora a parte autora não tenha apresentado nos autos quaisquer provas que permitam aferir os valores que eventualmente tenham sido despendidos a título de moradia e alimentação no período em que cursou a residência médica ou outros elementos que levem a esta conclusão, a TNU determinou que houvesse o arbitramento de tais valores. 5. Considerando a dificuldade de se encontrar um parâmetro factível para ser utilizado, fixa-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente, devido em todos os meses de duração do programa. Este percentual é o que esta Turma Recursal considerou razoável a assegurar o resultado prático equivalente ao auxílio-alimentação e moradia em questão, quando do julgamento dos Recursos Cíveis 50510759320144047100 de Relatoria do Juiz Federal Giovani Bigolin e 50041991220164047100, de Relatoria do Juiz Federal Oscar Valente Cardoso (em juízo de retratação), na sessão de 31/08/17. 6. Destarte, a sentença merece reforma, para se julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que participou do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente. (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50361891620194047100 RS 5036189-16.2019.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 06/05/20, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)

Para mais, ainda seguindo o entendimento dominante e pacificado pelos Tribunais, o próprio Ministério da Educação se manifestou acerca do tema, por meio da nota técnica 70/2020, reconhecendo o direito à moradia dos médicos residentes, ficando à instituição ofertante do programa de residência médica a responsabilidade de garantia do auxílio moradia. 

Por fim, nota-se que o entendimento dos Tribunais confirmam o direito do médico residente a receber o auxílio-moradia, seja ele in natura ou in pecúnia. Dessa forma, cabe ao médico buscar pelo seu bem-estar e exercício de seus direitos, sanando a omissão administrativa quanto à garantia do auxílio-moradia.

Caio Tirapani
Advogado, sócio-diretor do escritório CTAA, graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, pós-graduado em Direito Médico, especialista em Concursos Públicos, Residência Médica e Cotas Raciais.

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