Migalhas de Peso

Violência psicológica contra a mulher

A pena cominada é de “reclusão, de seis meses a dois anos, e multa”.

16/5/2022

1- Conceito e uma primeira visão crítica

A chamada “violência psicológica” contra a mulher tem sua primeira regulação legal com o advento da Lei Maria da Penha (lei 11.340/06), em seu art. 7º., II.

Ocorre que a lei 11.340/06, embora tratando da violência doméstica e familiar contra a mulher, praticamente não prevê crime algum especial, salvo, excepcionalmente, mesmo assim após uma pequena reforma, o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, conforme art. 24 – A do mesmo diploma, inserido pela lei 13.641/18. No mais, o que a lei 11.340/06 faz com relação à violência de gênero contra a mulher no âmbito doméstico e familiar é prever um tratamento penal, processual penal e de execução penal mais rigoroso e adequado ao agressor. Não obstante, os crimes a serem imputados são aqueles já normalmente previstos no ordenamento jurídico (v.g. feminicídio, lesões corporais, ameaça, constrangimento ilegal, sequestro e cárcere privado etc.).

Os crimes já previstos legalmente no ordenamento, acaso cometidos em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos estritos termos do art. 5º., I a III da Lei Maria da Penha, têm um tratamento diferenciado de acordo com suas normas (da Lei Maria da Penha), conforme acima exposto.

O art. 7º., do diploma enfocado apresenta as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo elas a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Em cada um dos cinco incisos desse dispositivo há uma definição de uma espécie de violência, mas isso não significa que o citado art. 7º., preveja condutas criminais ou, melhor dizendo, tipos penais incriminadores. Ali há apenas definições abstratas de espécies de violência, as quais podem ser cometidas por meio de condutas criminosas previstas no ordenamento jurídico – penal brasileiro. Então, por exemplo, o indivíduo que agride fisicamente a sua esposa, causando lesões leves não responde por um suposto crime previsto no art. 7º., I, da lei 11.340/06, mas pelo crime de lesões corporais qualificado, conforme consta do art. 129, § 13, CP. Acontece que tal crime será abrangido pela Lei Maria da Penha e seu tratamento mais rigoroso ao agressor sob vários aspectos, tendo em vista tratar-se de situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 5º., I e II  na sua espécie de “violência física” (art. 7º., I. O mesmo raciocínio vale para um estupro praticado pelo namorado contra a namorada. Nesse caso, aplicar-se-ia o art. 5º., III e a espécie de “violência sexual”, conforme art. 7º., III, sendo o crime imputável o previsto no art. 213, CP.

Quanto à chamada “violência psicológica” sempre se procedeu dessa mesma forma. Havendo a situação de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 5º., I a III) e configurada uma hipótese de “violência psicológica” (art. 7º., II), o infrator seria submetido à imputação de algum crime previsto na legislação penal, como, por exemplo, ameaça, perseguição ou Stalking, sequestro e cárcere privado, constrangimento ilegal etc. Mais uma vez, seguindo a normalidade da lei 11.340/06, a chamada “violência psicológica” descrita no art. 7º., II do mesmo diploma não era um tipo penal específico, mas apenas uma descrição abstrata, uma definição de espécie de violência, que poderia abranger vários tipos penais, conforme as circunstâncias do caso concreto.

Com o advento da lei 14.188/21, no que tange à “violência psicológica”, altera-se a sistemática usual da lei 11.340/06, criando-se um subsistema incriminador dentro do subsistema de tratamento específico da violência doméstica e familiar contra a mulher. Agora temos uma coisa parecida com aquelas bonecas russas Matryoshkas: há o sistema penal comum, dentro dele o subsistema diferenciado para o tratamento da violência doméstica e familiar contra a mulher com seu funcionamento já descrito, e, finalmente, dentro do último subsistema, há um outro subsistema para a “violência psicológica”, com uma regulação diferenciada dos demais casos.

Ao invés de permanecer a definição de “violência psicológica” adstrita ao art. 7º., II e buscando-se, no caso concreto, um crime específico no ordenamento (como ocorre em todos as demais espécies de violência previstas no art. 7º.), optou o legislador por criar uma incriminação direta e específica da própria “violência psicológica”, praticamente copiando a redação do dispositivo em destaque da Lei Maria da Penha. Em outras palavras, erigiu o legislador em crime a própria definição abstrata de “violência psicológica contra a mulher”.

O art. 7º., II, da lei 11.340/06 assim define a “violência psicológica” contra a mulher:  

A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Redação dada pela Lei 13.772/18).

Vem a lei 14.188/21 e cria um crime previsto no art. 147 – B do CP, com a seguinte descrição típica:

Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

É facilmente perceptível que o que fez o legislador foi praticamente repetir o texto do art. 7º., II da Lei Maria da Penha, ajustando sua redação ao modelo de um tipo penal que descreve uma conduta, usando um verbo comissivo (“causar”) e não apenas define o que seja uma expressão como “violência psicológica”.

Efetivamente, o legislador criminalizou direta e especialmente o que era, até então, uma descrição ou definição legal de “violência psicológica” contra a mulher, podendo enquadrar-se, conforme o caso, em diversos tipos penais da legislação brasileira.

Como melhor será exposto no decorrer deste texto, entendemos que essa atuação do legislador foi desastrosa. Primeiro porque cria um hiato entre o subsistema da Lei Maria da Penha e a questão da “violência psicológica”, que passa a ser tratada de modo diverso dos demais casos de violência do art. 7º., o que certamente é algo assistemático, ensejando aquele já descrito jogo de bonecas russas em que um subsistema é criado dentro de outro subsistema, confundindo ainda mais a já atabalhoada legislação pátria. Além disso, a alteração parece advir tão somente de mais uma iniciativa deletéria de “direito penal simbólico” e demagogia legislativa, uma vez que a “violência psicológica” já era devidamente definida pela Lei Maria da Penha e tinha a seu dispor todo um arcabouço de tipos penais adaptáveis a cada caso concreto, aliás, tal qual ocorre com as demais formas de violência. Ora, certamente sendo o direito penal considerado de “ultima ratio”, seu manejo somente se deve dar em casos de estrita necessidade, o que não se configura com relação ao tema. Finalmente, é preciso destacar que a descrição típica fere frontalmente a “legalidade estrita”, pois que não descreve de forma semanticamente determinada quais seriam as condutas puníveis, ensejando o surgimento de um temível e indesejável “tipo penal aberto”.

Mas, em sua sanha demagógica o legislador prefere fazer a imaginação sobrepujar o real, o ideal sobrepor-se à realidade. Faria melhor seguindo o conselho de Emily Dickinson ao referir-se ao “Banquete da Temperança”. Deveria procurar desfrutar desse banquete “para que o real” não “desencante sua alma”. A decepção que se segue quando algo idealizado ou meramente imaginado se choca com a realidade concreta é muito profunda e, às vezes, sem remédio possível para os males que a ilusão criou.1

Ferrajoli opera uma distinção entre o que denomina de “Princípio da Legalidade Ampla ou de mera legalidade” e o “Princípio da Legalidade Estrita ou Princípio de Estrita Legalidade”. Para a satisfação do primeiro, não há necessidade de uma descrição semântica taxativa. Ao contrário, para obedecer ao “Princípio de estrita legalidade” é imprescindível a taxatividade descritiva das condutas incriminadas. Em suma, a mera legalidade determina que ao juiz é dado apenas reconhecer como delito àquilo que é predeterminado pelo legislador como tal. Já para a legalidade estrita, não basta que haja uma previsão do legislador para que o juiz possa reconhecer uma conduta como criminosa. Mister se faz que o legislador obedeça criteriosamente “uma regra metajurídica de formação da linguagem penal que para tal fim” lhe prescreve “o uso de termos de extensão determinada na definição das figuras delituosas, para que seja possível a sua aplicação na linguagem judicial como predicados ‘verdadeiros’ dos fatos processualmente comprovados”. Pode-se dizer que enquanto à mera legalidade basta a “conformidade formal às leis dos atos de produção normativa”, à legalidade estrita, além da conformidade formal, exige-se uma “conformidade substancial às leis dos significados ou conteúdos das normas produzidas”. Em suma, não basta que o legislador produza leis de acordo com o processo legislativo, mas é imprescindível que ele produza leis claras, taxativas, com descrições objetivas. É essa característica de determinação segura do conteúdo da lei penal que lhe empresta validade sob o aspecto “substancial”.2

Por isso, qualquer “tipo penal aberto”, sem que isso se justifique pela impossibilidade de tipificação exaustiva de condutas, como, por exemplo, nos tipos penais culposos, é inconstitucional, já que viola o “princípio da legalidade” na segurança jurídica e eficácia exigíveis na seara penal, o que com certeza inquina o art. 147 – B, não sendo possível aceitar sua validade, inobstante sua vigência formal.   

Poder-se-ia acenar com a efetiva impossibilidade de descrição de todas as condutas capazes de violentar psicologicamente uma mulher, o que justificaria o recurso ao “tipo penal aberto”. Não obstante, no caso, sempre foi e continua sendo possível, a tipificação de condutas específicas que ferem psicologicamente a mulher e que já têm previsão legal estrita na lei penal brasileira, conforme acima já exposto. Enfim, o tipo penal do art. 147 – B, CP é inoportuno, desnecessário, inconstitucional, assistemático e perigosamente gerador de imensa insegurança jurídica.

O recurso ao “tipo penal aberto” é visto pela doutrina em geral como uma exigência de ordem prática em certos casos excepcionalíssimos, que se faz como uma espécie de “mal necessário”, ferindo aquilo que seria um “direito penal ideal”. É assim que, com algum pesar, se manifesta Nucci:

Em determinadas situações, o legislador por impossibilidade de prever e descrever todas as condutas possíveis de acontecer em sociedade, criou os chamados tipos abertos, nos quais não há descrição completa e precisa do modelo de conduta proibida ou imposta. Nesses casos, faz-se necessária sua complementação pelo intérprete.3

Assim sendo, não é possível banalizar a produção de tipos penais como o atual art. 147 – B, CP, não dotados da necessária determinação semântica, especialmente quando o sistema que o antecedia possibilitava, desde sempre, a repressão a essa espécie de violência, mediante o emprego de tipos penais com descrição de condutas bem definidas (“tipos penais fechados”) e aplicáveis adequadamente a cada caso concreto. Abrir mão de um sistema de imputação bem determinado, obediente à legalidade estrita, para passar a utilizar uma descrição equívoca que viola essa mesma legalidade, permitindo a tipificação de qualquer coisa que se pretenda, é algo absolutamente inaceitável.

No entanto, conscientemente ou não, paga-se pedágio para uma espécie de “mistificação revolucionária” que “faz com que se aceite, pela promessa de uma justiça absoluta, a injustiça perpétua, o compromisso sem limites e a indignidade”.4

A grande verdade é que esse novo tipo penal está a tornar mais realista ainda a descrição literária que faz Fontana a respeito de uma professora de direito, após anos de carreira, fazendo uma espécie de balanço de sua vida profissional:

Silvana há muito já sabia que a sua área tinha virado um manicômio. Não havia meio de explicar aos seus pobres alunos, aqueles coitados iletrados, a barafunda jurídica que nem mesmo ela, a professora, conseguia entender. As leis brasileiras eram um enigma insolúvel, um emaranhado obscuro de tecnicalidades, casuísmos, remendos e interpretações absurdas. Precisamente por isso, muito embora ela jamais ousasse elaborar tão claramente, sua vida profissional consistia em transmitir um nonsense incompreensível para idiotas arrivistas. Era isso que ela vinha fazendo de segunda à sexta, há mais de duas décadas, com ares da mais profunda seriedade.5

Outro aspecto importante que aponta nova inconstitucionalidade para a criação de um tipo penal específico para a “violência psicológica” contra a mulher, especialmente nos termos genéricos em que é descrita, é a questão do tratamento isonômico de homens e mulheres sempre que não houver razão suficiente para alguma iniciativa de discriminação positiva, infringindo o “Princípio da Igualdade” (inteligência do art. 5º., I, CF). Nesse passo, não se pode afirmar que o número ou a gravidade dos danos emocionais provocados por homens a mulheres seja consideravelmente maior ou mais intenso do que os provocados por mulheres a homens. Jiménez expõe que estudos apontam que o abuso psicológico prolongado tem levado um número enorme de homens a uma morte prematura, inclusive por suicídio. 6 E tenha-se em mente que pesquisas apontam que a taxa de suicídio é aproximadamente quatro vezes maior para os homens do que para as mulheres no Brasil. 7 O mesmo Jiménez, ao abordar essa questão, aduz que em termos mundiais a proporção é a similar. Em torno de 70 a 80 por cento dos suicídios são masculinos. Entretanto, destaca o autor que existe uma tendência a não abordar o problema de gênero nesses casos, imputando ao homem a culpa por sua própria miséria psicológica e assinalando causas externas somente para as mulheres, o que, obviamente, decorre de uma visão preconceituosa e míope do problema. 8 E entre as novas gerações as taxas de suicídio também tendem a crescer mais entre os jovens do sexo masculino (um crescimento de aproximadamente 57 %  entre meninos e 27% entre meninas). No entanto, todo destaque é dado às jovens, indicando o fato de que as meninas cometem mais tentativas de suicídio do que os meninos e ocultando a informação de que estes são os que efetivamente mais morrem, ou seja, intentam e conseguem se suicidar realmente, sendo o número muito considerável. Os meninos praticam realmente suicídios efetivos cinco ou seis vezes mais do que as meninas. Novamente ocorre um ocultamento ou mesmo um fechar deliberado de olhos para o sofrimento masculino, tudo impulsionado por um viés “politicamente correto” e não por uma análise séria e preocupada com a realidade do problema. 9 Há um entrave cultural e ideológico para que se possa falar ou sequer mencionar a questão do sofrimento masculino, fazer isso, como ocorre neste texto, é hoje praticamente, parodiando a letra da conhecida música, um sussurro no som do silêncio. 10 E um sussurro isolado por uma hegemonia ideológica opressiva que nos faz lembrar a frase emblemática de Antonio Machado:

“Qué difícil es cuando todo baja, no bajar también”.11

Feitas essas considerações iniciais, é possível partir para a análise de outros tópicos referentes ao crime em estudo.  

2- Objetividade jurídica

O bem jurídico que se pretende tutelar com a norma incriminadora em estudo é a integridade e a saúde psicológica da mulher, assim como sua liberdade individual e pessoal, mesmo porque é abrigado no Capítulo VI – Dos Crimes Contra a Liberdade Individual, Seção I – Dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal, tudo do Código Penal Brasileiro.

3-Sujeito ativo

Pode parecer que o autor do crime precise ser um homem, mas isso não é verdadeiro. A legislação não faz nenhuma distinção, de modo que não se trata de crime próprio e sim de crime comum, o qual pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pessoas de ambos os sexos.

Também não há exigência de nenhuma relação de parentesco ou convivência de qualquer espécie entre autor e vítima.

4-Sujeito passivo

 A lei é clara ao estabelecer que o sujeito passivo do crime em estudo é apenas a mulher.

Não obstante, num mundo avesso à realidade e dominado pelo relativismo, subjetivismo e vontade, capazes de alijar facilmente até mesmo conhecimentos científicos indiscutíveis e o senso comum mais óbvio, negando não somente a biologia, mas até as evidências dos sentidos no que diz com a anatomia, genética, fisiologia e mesmo a morfologia (tudo infamado como opressão cultural), torna-se necessário fazer uma incursão por questões trazidas pela chamada “ideologia de gênero” em seus arroubos mais fantásticos.

Falando em gênero e suas polêmicas, uma questão bem posta é a seguinte: poderá um transexual ser vítima de violência psicológica contra a mulher?

Um primeiro aspecto é induvidoso: não se tratando de transexual, mas de homossexual masculino que não tenha alterado seu sexo anatômica e juridicamente, é claro e evidente que não poderá ser vítima do crime em estudo. Mesmo porque tal pessoa normalmente se identifica como homem. Isso seria realmente dar à “Ideologia de Gênero” uma amplitude paroxística e absurda.

Como bem destaca Cunha, sobre o tema do transexual e o feminicídio, porém, podem surgir duas correntes de pensamento:

Em eventual resposta à indagação inicial podem ser observadas duas posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual, geneticamente, não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de conformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa portadora de transexualismo transmude suas características sexuais (por cirurgia e modo irreversível), deve ser encarada de acordo com sua realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação de registro civil.12

Analisando a questão sob o prisma estritamente jurídico, parece que realmente assiste razão ao entendimento de que o transexual devidamente reconhecido como mulher no registro civil e com alterações em sua genitália pode perfeitamente ser vítima de feminicídio ou do crime em estudo, e não somente isso, passa a fazer jus a toda proteção jurídica diferenciada concedida às mulheres nas mais várias searas (v.g. Lei 11.340/06, Legislação Trabalhista, civil etc.).

Este também é o entendimento de Rogério Greco, quando trata da questão do feminicídio:

Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal.13

Atualmente, porém, o STJ, por sua 6ª. turma reconheceu essa aplicabilidade de legislações que protegem a mulher às mulheres transexuais, de forma muito mais ampla, sem exigência de alteração do registro civil ou mesmo mudança anatômica do sexo (STJ, Recurso Especial 1977124/SP (2021/0391811-0), 6ª. Turma, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, j. 05.04.2022). Ademais, nada mais fez o STJ do que dar o devido alcance à manifestação do STF, sempre sob os influxos da “ideologia de gênero”, quanto aos requisitos para mudança de registro civil de transexuais, conforme RE 670.422, onde restou estabelecido o seguinte:

I)O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa;
II) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo 'transgênero';
III) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial;
IV) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.14

Eduardo Luiz Santos Cabette
Delegado de Polícia aposentado, Mestre em Direito social, Pós - graduado em Direito Penal e Criminologia, Parecerista e Consultor Jurídico, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós - graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

PF deverá investigar mudança de domicílio eleitoral de Moro e esposa

17/5/2022
Migalhas Quentes

Procon/DF proíbe Coca-Cola de vender Del Valle Fresh por não ser suco

16/5/2022
Migalhas Quentes

Globo pagará danos morais a suspeito de invadir celular de Moro

16/5/2022

Artigos Mais Lidos

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024

A sua empresa monitora todos os gatilhos e lança as informações dos processos trabalhistas no eSocial?

20/12/2024

O futuro dos contratos: A tecnologia blockchain e o potencial dos smart contracts no Brasil

20/12/2024