Qualquer um que se já tenha deparado com a escrita de um texto jurídico já deve ter se perguntando como se usam os pontos-finais, os hifens (ou hífenes) e as barras transversais em situações bastante controversas. Tentarei, pois, abordá-las neste trabalho. Primeiro, devemos saber que existem o ponto-final¹ “.”, o hífen “-”, o travessão “–” e a barra transversal “/”.
Este – admito – é um terreno bastante movediço no mundo da gramática, porque existem pouquíssimas lições rígidas no sentido de normatizar os casos que mencionarei aqui; além disso, os casos que realmente não encontram lição clara acabam sendo tomados pelo mar da pragmática, e cada tribunal ou órgão adota o seu próprio modo de empregá-los. Por exemplo, eu confesso que, francamente, não há lição que normatize o uso da barra transversal, então tudo que poderei esclarecer aqui ou é encontrado no uso real, ou em manuais especializados em escrita jurídica.
Primeiro, vamos à escrita de datas. No Brasil, a data segue o formato dia-mês-ano. Entre esses números, a norma permite empregar pontos-finais, hifens ou barras transversais. Portanto, o dia em que escrevo este documento pode ser grafado como 5.5.2022, 5-5-2022 ou 5/5/2022. Recomenda-se, nesses casos, a escrita do ano inteiro – com quatro dígitos, e não dois – e a omissão dos zeros à esquerda. Não digo que seja necessariamente errado, mas não se recomenda mais a escrita 05/05/2022 ou 5/5/22. Eu, particularmente, acredito ser melhor – e cotidianamente eu emprego – a escrita da data com barras transversais; afinal, esse é um dos casos excepcionais em que você a usará, e isso deixará claro ao leitor que, caso ele veja uma barra separando números, provavelmente ele estará diante de uma data. Por fim, último dado importante é que o primeiro dia do ano sempre é escrito com numeral ordinal: “1.º de maio”, “1º/5/2022”, “1º-5-2022”.
Agora, falemos dos numerais ordinais. São numerais ordinais primeiro, segundo, terceiro, etc. No entanto, encontramos frequentemente a escrita abreviada, com algarismos indo-arábicos. Nesse caso, a norma aponta para o uso do ponto abreviativo: 1.º, 2.º, 3.º etc., e não 1º, 2º 3º, etc. Há, sim, uma razão para isso: 1.º abrevia primeiro, e 1º representa um grau. É isso que indica a norma. Pragmaticamente, no entanto, eu – que trabalho em um tribunal – muito percebo que o natural no meio jurídico é o emprego de 1º para primeiro, principalmente por causa dos artigos legais, que apresentam os numerais ordinais abreviados dessa forma. Portanto, se esse é o natural desse meio, assim deve ser empregado nele, sem ressentimentos².
Que tal falarmos um pouco sobre as siglas, sobre os acrônimos e sobre as abreviações? É natural que nós conheçamos um conjunto bem definido de siglas que usamos no nosso cotidiano. As siglas que representam elementos comuns a um determinado meio e são empregadas com frequência não recebem ponto: ABL, PM, TCU, STJ, RG, CPF³. As demais siglas, que não representam elementos comuns a nós, recebem pontos internos: P.A. (progressão aritmética), A.D.C. (análise de discurso crítica). Abreviaturas em geral – que não são faladas, mas sim somente escritas – recebem ponto: próx. (próximo), prof. (professor), min. (ministro).
No entanto, há outra discussão, talvez ainda mais crucial que a anterior, sobre esses elementos. Como representar a sigla de um nome escrito por extenso? Comumente, nós indicamos primeiro o elemento por extenso, seguido de sua respectiva sílaba, para simplificar a linguagem e empregar, no restante do texto, apenas a sigla, e não mais o nome por extenso. Veja-se o exemplo: “TCU –Tribunal de Contas da União”. Existem, também, três representações possíveis, à semelhança das datas: com parêntesis, como eu fiz, com uma barra transversal, assim: “Tribunal de Contas da União/TCU”, ou com um travessão, assim: “Tribunal de Contas da União – TCU”. Em textos jurídicos, percebo que os parêntesis e os travessões são mais comuns, mas não acredito que a diferença na frequência de uso das três formas seja muito grande.
Em relação à marcação de horas, simplesmente não há discussão: está mais que fundamentado na teoria gramatical que o correto é separar as horas dos minutos por um “h” minúsculo, e nunca por dois-pontos, facultando-se o emprego da abreviação “min” após os minutos. Portanto, para representar duas horas e meia, represente-se “2h30” ou “2h30min”. Não se deve empregar “2H30”, “2:30”, “2h 30”, “2h.30” ou “2hs30”; no caso de haver apenas a hora cheia, não se emprega espaço entre o número e o “h”, portanto se escreva “2h”, e não “2 h”. Além disso, trata-se apenas de uma generalização de uma outra regra: unidades de medida padrão são sempre escritas com letras minúsculas, não havendo, após elas, ponto-final. Isso vale para metros (m), quilômetros (km), segundos (s), watts (w) e, logicamente, horas (h) e minutos (min).
Agora, vamos falar do momento dos “espacinhos”: numerais ordinais. São numerais ordinais zero, um, dois, três, etc., que também podem ser escritos com algarismos indo-arábicos, sem nenhuma notação especial: 0, 1, 2, 3, etc. Todavia, há uma discussão ainda frequente com esses números: a separação das unidades de três em três. Por exemplo, um número como dois milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, setecentos e dezenove e vinte deve ser grafado assim: “2 345 719”, com espaços. Mas eu vejo, ainda com frequência, o emprego dos pontos-finais: “2.345.719”. Trata-se de mais um daqueles casos que não corrijo, por a frequência ser patente.
Ainda no mundo dos espacinhos, vale lembrar que, entre a indicação de parágrafo (§) e o número, deve haver um espaço. Portanto, escreva-se “§ 1º”, e não “§1º”.
Além disso, em relação à escrita de quantias, empregamos vírgulas (e não pontos) para separar a parte inteira da parte decimal do número; ainda, deve haver um espaço que separa o número da cifra. Por exemplo, para representar três mil, quatrocentos e vinte e cinco reais e setenta e seis centavos, devemos grafar “R$ 3 425,76” ou “R$ 3.425,76”, mas não “R$3 425,76” nem “R$3.425,76”. Por fim, última menção necessária faz-se aos numerais que se referem a anos; esses não recebem nenhum espaçamento: “2002”, “1974”.
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¹ Por incrível que pareça, o nome “ponto-final”, quando representa o nome do sinal de pontuação, recebe o hífen, ao menos de acordo com os dicionaristas esclarecidos e com o Volp, da ABL. Além disso, o mais curioso é que o ponto-final não é necessariamente final.
² Para saber mais sobre isso, consulte o meu último artigo no Migalhas:
³ O leitor pode reparar, aliás, que uma pessoa comumente pode saber o que é um “RG”, mas não quais são os elementos que compõem essa sigla (no caso, Registro Geral). Dessa forma, esse tipo de sigla não recebe ponto porque é interpretada como uma palavra inteiramente nova.
GARCIA, Orthon Moacyr. Comunicação em Prosa Moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27.ª ed. Editora FGV: 2010.
SACCONI, Luiz Antonio. 1000 erros de português da atualidade. 3.ª ed. São Paulo: Matrix, 2021.