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Metaverso para céticos: percepção comportamental e implicações jurídicas

O objetivo desse artigo é questionarmos o conceito, a utilidade prática do metaverso e suas implicações jurídicas.

13/5/2022

1 – Introdução

Quando o assunto é metaverso, algumas indagações surgem, como: metaverso já existe? metaverso está estritamente ligado aos óculos virtuais? metaverso é a versão do Mark Zuckerberg? O meu negócio precisa estar no metaverso? Como aplicamos o direito nessa realidade virtual?

2 – Construção do conceito

Incipiente, o metaverso não possui um conceito único, um dos seus conceitos é de ser um espaço online onde as pessoas podem socializar, trabalhar e jogar através de avatares. O conceito é tão amplo que muitas pessoas afirmam que o metaverso já existe nos mundos digitais de roblox, minecraft e fortnite (jogos interativos, tridimensionais e comunitários que são possíveis de acessar em qualquer aparelho eletrônico).

É notório que não existem padrões definidos para o metaverso e muitas empresas estão aguardando o estabelecimento das bases que outras seguirão. Facebook, Microsoft, Sony e várias empresas menores estão trabalhando em projetos com o intuito de obter a vantagem do pioneirismo.

Apesar de sua vasta promessa futura, o metaverso ainda está em sua infância em diversos aspectos. Obstáculos significativos podem impedir seu progresso futuro: a infraestrutura de computação e os requisitos de energia para um metaverso de trabalho completo são pontos de melhoria.

3 – Percepção comportamental

A partir do surgimento de notícias sobre o uso do metaverso, há impressão de que o tema está maduro e que a maioria da população já está presente nesse ambiente, mas 80% dos brasileiros nunca acessaram o mundo virtual do metaverso.

Conforme levantamento feito pela toluna, apenas 20% dos brasileiros já acessaram o metaverso. O estudo identifica também que 35% da população conhece o termo, enquanto que 27% afirma ter ouvido pouco sobre o assunto e apenas 11% diz ter lido algo a respeito.1

Uma outra pesquisa global proporcionada pela empresa de tecnologia lenovo nos mostra que quase metade dos profissionais (44%) está disposta a trabalhar no metaverso, e acredita que ele pode trazer benefícios como produtividade no local de trabalho. Em paralelo, 20% não estão dispostos a atuar no metaverso e 21% se dizem neutros em relação a esse tema.2

Além de analisarmos a aderência ao metaverso, há a necessidade de compreendermos os custos dos equipamentos por trás dele, embora não seja um requisito ter equipamentos para participar do metaverso, a utilização dos óculos de VR - realidade virtual torna a experiência completa. Alguns questionamentos surgem a partir daqui: como, quando isso será possível para a maioria dos brasileiros? Por que trocar o ambiente físico e o contato humano pelo digital? Essas e outras indagações serão desmistificadas através da evolução da sociedade como um todo e não através de uma parcela minoritária de pessoas que já tiveram contato com o metaverso.

4 – Plataformas

O metaverso promete trazer novos níveis de conexão social, mobilidade e colaboração para um mundo de trabalho virtual. O NextMeet, com sede na Índia, é uma plataforma de realidade imersiva baseada em avatares focada em soluções interativas de trabalho, colaboração e aprendizado.3

Outras empresas do metaverso estão enfatizando soluções no local de trabalho que ajudam a combater a fadiga das reuniões de vídeo e a desconexão social do trabalho remoto.

O horizon workrooms, um aplicativo do Facebook dedicado a explorar as possibilidades da realidade virtual e reimaginar a experiência do home office é a principal experiência de colaboração do Facebook para permitir que as pessoas se reúnam para trabalhar na mesma sala virtual, independentemente da distância física. Ele funciona tanto na realidade virtual quanto na web e foi projetado para melhorar a capacidade das equipes de colaborar, comunicar e se conectar remotamente.4

Experiências de “encontro”: a tecnologia imersiva do pixelmax permite que você veja os avatares de seus colegas em tempo real, facilitando interrompê-los para um bate-papo quando você os encontra no local de trabalho virtual.

A plataforma Decentraland está criando corretores de imóveis virtuais, permitindo que os usuários comprem, vendam e construam negócios em terrenos virtuais, ganhando um dinheiro digital chamado Mana. Além disso, é possível ir a eventos, shows, construir, comprar roupas digitais e outras interações.

5 – Implicações jurídicas

O metaverso também traz um emaranhado de questões regulatórias e de conformidade de RH, por exemplo, em torno de possíveis riscos de dependência ou comportamentos inaceitáveis, como bullying ou assédio no mundo virtual, com os quais tem havido preocupação ultimamente.

Assim, vemos que o metaverso é mais uma possibilidade de ambiente virtual onde podem acontecer relações juridicamente relevantes, como compra e venda, locação de espaço virtual para anúncios, bem como outras relações interpessoais entre os avatares que podem implicar em condutas com consequências legais, como eventual cometimento de crime contra a honra.

Desta forma, ao passo que as compras em e-commerce são relações jurídicas relevantes e abarcadas pelo ordenamento jurídico, atraindo a aplicação do Direito do Consumidor por exemplo, e as mensagens eletrônicas de e-mail podem ser utilizadas para fins ilícitos, como estelionato, atraindo a aplicação das leis penais, o metaverso é mais uma plataforma para a interação de pessoas, físicas e jurídicas, e é essa interação interpessoal que atrai o Direito para aquele ambiente.

Parece-nos, no entanto, uma vez entendida que a relevância de eventual consequência jurídica no metaverso são as pessoas (sujeitos de direitos), que o cerne da questão é na identificação das pessoas por trás dos avatares, pois se o avatar não puder ser devidamente atribuído a certa pessoa, a consequência legal igualmente não poderá ser aplicada ao real sujeito de direitos (e obrigações).

Veja-se, se em determinado momento de interação no metaverso um avatar for operado por uma pessoa menor de 16 anos e esta realizar uma compra de um produto oferecido por uma empresa que opera naquele metaverso, tal transação é nula pela falta de requisito essencial do negócio jurídico (arts. 3º e 104, I, do CC).

Deste modo, os provedores de ambiente virtuais de metaverso deverão ter especial cuidado e não medir esforços para que os avatares estejam devidamente atribuídos a pessoa física ou jurídica certa em todas as suas interações juridicamente relevantes do ambiente virtual.

6 – Conclusão

Após os acontecimentos da pandemia as pessoas estão valorizando cada vez mais o ambiente digital. O metaverso será um canal digital como qualquer outro, apenas com mais interações e possibilidades de simulações. O mundo físico não será substituído, a realidade virtual vem para colaborar e engajar uma comunidade, mas a sua evolução será gradual.

Assim como a internet trouxe diferentes profissões que mal existiam há 20 anos, como gerentes de marketing digital, consultores de mídia social e profissionais de segurança cibernética, o metaverso também trará uma vasta gama de novos papéis que já podemos imaginar: designers de conversas de avatar, agentes de viagens “holoporting” para facilitar a mobilidade em diferentes mundos virtuais, gerenciamento de patrimônio digital no metaverso e gerentes de ativos etc.

É certo que toda ação possui uma reação, e estudos mostram que após os acontecimentos da pandemia as pessoas estão valorizando cada vez mais a conexão humana e viver “off line”.

Ainda é necessário tempo para que seja possível concluir se a opção por mais este novo canal virtual, dentre tantos já existentes, será apenas um hype ou se estamos diante de uma nova tecnologia transformadora. Lembremos que as criptomoedas surgiram há cerca de 10 anos e apenas recentemente vêm tendo ampla aceitação social.

_________

1 Empresários comemoram: 80% dos brasileiros nunca acessaram o metaverso. 2022. Disponível em: https://exame.com/carreira/empresarios-comemoram-80-dos-brasileiros-nunca-acessaram-o-metaverso_red-01/

2 Quer trabalhar no metaverso? Metade das pessoas dizem que sim. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2022/02/25/quase-metade-dos-profissionais-esta-disposta-a-trabalhar-no-metaverso.ghtml

3 How the Metaverse Could Change Work - Mark Purdy – (2022). Disponível em: https://hbr.org/2022/04/how-the-metaverse-could-change-work

4 metaverso do Facebook: Horizon Workrooms é o primeiro passo – JULIA MACALOSS. Disponível em: https://www.theenemy.com.br/tech/metaverso-do-facebook-horizon-workrooms-e-o-primeiro-passo

Thainá Baronovsky
Advogada em Proteção de Dados, Tecnologia e Contratos. Sócia-fundadora do escritório Baronovsky Advogados. Pós-graduada em Compliance Digital pelo Mackenzie.

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