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O PL das criptos: entre virtudes e atrasos

A solução mais simples e eficiente seria ter deixado empresas prestarem o serviço sem a necessidade de autorização ou da criação de um órgão regulador específico.

28/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Saiu a emenda 6 ao projeto de lei 4.401/21, “PL das Criptos”, pelo qual o Senado aprovou o texto consolidado da lei que institui a regulamentação dos criptoativos no Brasil.

A referida lei é questionável sobre diversos aspectos, sobretudo, em relação à pertinência de regulamentar, e com isso acabar engessando, um mercado que é disruptivo e inovador em sua essência. No entanto, antes de passarmos às críticas é preciso destacar os pontos positivos do texto legal em discussão no Congresso.

Do ponto de vista jurídico-processual, o PLS traz luz a duas questões sensíveis que vinham sendo debatidas pela doutrina com relação à definição da natureza jurídica do criptoativo, inclusive, para fins de se considerar bem passível de penhora.

Nesse sentido, o projeto exclui os criptoativos do âmbito do mercado de capitais e, portanto, da fiscalização por parte da CVM, parágrafo único do art. 1º. Ou seja, criptoativo não será considerado “título ou valor mobiliário com cotação em mercado”, conforme redação do inciso III, do art. 835, do CPC. Ao definir, no art. 2º, que “ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”, quer parecer que o legislador equiparou o criptoativo a dinheiro e, com isso, enquadrou o criptoativo no inciso I, do art. 835, do CPC, sobretudo, porque o art. 3º do PLS também define o criptoativo como investimento. Embora o legislador esteja apenas positivando prática já adotada pelo Judiciário, por ainda ser incipiente a constrição de criptoativos judicialmente, a definição legal trazida pelo PLS confere maior segurança jurídica às relações envolvendo esses bens.

Além disso, o disposto no art. 13 reforça a possibilidade de penhora de criptoativo. Interpretando-se o referido art. a contrário sensu, conclui-se pela possibilidade de os titulares de criptoativos responderem, com esses bens, por dívidas, assim como pela possibilidade de ofertar esses bens como garantia a obrigações assumidas. Com relação a esse ponto, nos parece que a discussão sobre a forma de liquidação de um criptoativo dado em garantia permanecerá, mas, de todo modo, se o PLS passar da forma como consta, atualmente, não haverá qualquer óbice legal para que um devedor ofereça criptoativo como garantia contratual ou judicial.

Feito esses dois pontos positivos do PLS, é importante ressaltar alguns problemas. Começa pelo art. 2º, que é puro delírio do legislador e vai gerar uma barreira de entrada para as empresas nacionais nesse mercado que possui potencial incrível. Confira-se a redação:

“Art. 2º As prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no país mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública Federal. 

Parágrafo único. Ato do órgão ou entidade da Administração Pública Federal a que se refere o caput deste artigo estabelecerá as hipóteses e os parâmetros em que a autorização de que trata o caput deste artigo estabelecerá as hipóteses e os parâmetros em que a autorização de que trata o caput deste artigo poderá ser concedida mediante procedimento simplificado.”

Nesse mercado, é obvio que as empresas nacionais estarão competindo com o mundo inteiro. Qualquer pessoa com um cartão de crédito internacional poderá comprar criptoativos de prestadoras de serviços em qualquer canto do globo. Logo, exigir essa autorização prévia implicará, apenas, em uma barreira regulatória contra os cripto empresários brasileiros. Ou seja, dificulta-se a entrada de players nacionais em prejuízo dos brasileiros.

Trata-se, a toda evidência, de lei que ignora as garantias de livre iniciativa trazidas pela LLE – Lei da Liberdade Econômica. Veja-se o que diz o art. 4º da referida lei:

“Art. 4º  É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:

I - criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

II - redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;

III - exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;

IV - redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;

V - aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;

VI - criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;

VII - introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas;

VIII - restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal; e

IX - exigir, sob o pretexto de inscrição tributária, requerimentos de outra natureza de maneira a mitigar os efeitos do inciso I do caput do art. 3º desta Lei.”

Muito bem. O PL das criptos cria reserva de mercado contra a indústria nacional, beneficiando as empresas que estão em qualquer lugar do planeta, e que não precisarão se sujeitar à regulação que está sendo criada, mas a um click de distância dos consumidores brasileiros. De quebra, ele prejudica e dificulta a entrada dos empresários brasileiros nesse novo mercado, impedindo e retardando a inovação. Além disso, aumenta os custos de transação para o empresariado cripto brasileiro sem demonstrar os benefícios. Finalmente, acaba criando limites à livre formação de atividades econômicas.

Seguindo a lógica de que o rabo abana o cachorro, o Legislador cria um Órgão para controlar esse mercado, art. 6º do PL Cripto, com poder para “autorizar a realização de outros serviços que estejam, direta ou indiretamente, relacionados à atividade da prestadora de serviços de ativos virtuais”, art. 5º do PL Cripto. Ou seja, não aceita que esse mercado é muito mais veloz que a caneta dos burocratas.

A solução mais simples e eficiente seria ter deixado empresas prestarem o serviço sem a necessidade de autorização ou da criação de um órgão regulador específico. Era melhor deixar os órgãos já existentes, BC e CVM, tratarem das questões. Os conflitos de interesse poderiam ser julgados pelo poder Judiciário, inclusive aplicando o CDC...

Enfim, mais uma estultice do legislador que não consegue entender esse novo mercado. Ou, criação deliberada de dificuldade para impedir a entrada do pequeno e médio empresário. É mais uma lei anticoncorrencial que sai do congresso, prejudicando no fim das contas, o próprio consumidor. 

Traduzindo para o pequeno e médio empresário brasileiro que quer entrar nesse mercado. Com esse PL, o melhor caminho é criar a sua empresa em outra jurisdição, instalar o site e sua operação no exterior e contemplar o mundo como mercado alvo. Esqueça o Brasil, ele não quer você.   

Leonardo Correa
Sócio de 3C LAW | Corrêa, Camps & Conforti, LL.M pela University of Pennsylvania

Mario Conforti
Sócio de 3C LAW | Corrêa, Camps & Conforti, graduado pela Universidade Candido Mendes - UCAM, com LL.M pela FGV Direito Rio.

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