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Responsabilidade de sites de compra e venda na internet: o outro lado da moeda

O Migalhas publicou no início desta semana o artigo “Responsabilidade dos sites de “vendas livres” nas compras realizadas na internet”, da Dra. Karine Maria Rodrigues Pereira. Embora o artigo procure indicar que os sites que promovem compra e venda por internautas sejam responsáveis pelos produtos ofertados por seus usuários, um exame pouco mais aprofundado dos argumentos aponta em sentido contrário. Por isso, é importante que se apresente o contraponto abaixo.

9/3/2007


Responsabilidade de sites de compra e venda na internet: o outro lado da moeda

Mauro A. Falsetti*

O Migalhas publicou no início desta semana o artigo "Responsabilidade dos sites de "vendas livres" nas compras realizadas na internet", da Dra. Karine Maria Rodrigues Pereira (Migalhas nº 1.606 - 5/3/2007 - clique aqui) . Embora o artigo procure indicar que os sites que promovem compra e venda por internautas sejam responsáveis pelos produtos ofertados por seus usuários, um exame pouco mais aprofundado dos argumentos aponta em sentido contrário. Por isso, é importante que se apresente o contraponto abaixo.

As empresas que são referidas como “sites de vendas livres” no artigo acima mencionado atuam na modalidade de “compra e venda na internet”, como intermediárias de negócios jurídicos que se iniciam em suas plataformas e aperfeiçoam-se fora delas, por meio do contato direito entre o comprador e o vendedor. O papel dessas empresas é, portanto, o de aproximar vendedores dos compradores, disponibilizando aos primeiros espaço virtual (serviço de armazenagem de conteúdo) para que ofertem produtos a todos os usuários do site que são potenciais compradores – ou seja, um classificado eletrônico. Portanto, em nenhum momento tais empresas participam da cadeia de produção ou de comercialização de produtos, mas apenas expõem as ofertas dos vendedores. Mesmo assim, há que se considerar que é uma forma de intermediação um tanto peculiar, eis que eminentemente passiva. Quando o comprador digita na barra de busca o que procura, é levado a uma página com multiplicidade de ofertantes do mesmo bem, cabendo a ele escolher livremente o que mais lhe interessa.

Embora os fatos acima sejam de clareza cristalina, o artigo acima citado afirma que os mesmos, quando apresentados por tais empresas, constituem-se em uma “tentativa de ludibriar os juízes (sic) a não aplicarem o Código de Defesa do Consumidor”. Não é bem assim. O artigo 3º do CDC define como fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Em relação aos produtos ofertados, os sites de compra e venda não praticam nenhuma das funções relacionadas no dispositivo legal que poderiam caracterizar a sua condição de fornecedor de produto. Ao contrário, diga-se de passagem, pois todas as atividades listadas no artigo 3º indicam a necessidade de que o fornecedor participe da circulação do produto, o que não ocorre em relação aos sites.

Apesar disso, tentou-se sustentar a responsabilidade dos sites pelo fornecimento de produto, fazendo as seguintes indagações: “se essas empresas não são fornecedoras de serviços e se a estes casos não se aplicam o Código de Defesa do Consumidor (sic), como então seriam qualificadas? Seriam consumidora? (sic) Como ninguém? Ou mesmo não existiriam? Ou o consumidor não teria direito a nada?” A resposta a tais questões está dentro da primeira pergunta, que já indica a total confusão da autora entre fornecimento de produtos e fornecimento de serviços. Até mesmo na sua conclusão, a autora cita como exemplo de defeito na prestação de serviços a hipótese de entrega de produto defeituoso ou a falha na entrega do produto.

Embora o artigo tente concluir que as empresas de compra e venda na internet são fornecedoras de produtos, seu texto mostra forte inclinação em caracterizar a atividade como fornecimento de serviços, o que é correto. A natureza de tais serviços e a intermediação do negócio de compra e venda e de armazenagem de conteúdo de terceiros. Portanto, há, de fato, uma relação de consumo, que se consubstancia na prestação de serviços para os vendedores dos produtos anunciados, o que em nada se confunde com o objeto da transação de compra e venda entre o vendedor e o comprador – um bem cuja propriedade é transferida.

A conclusão do artigo também é condizente com o raciocínio acima quanto à remuneração. Isso porque procura justificar a condição das empresas como fornecedoras de serviços pelo fato de perceberem remuneração, por meio de tarifas de anúncios e comissões sobre as vendas efetuadas. De fato, isso apenas corrobora com o entendimento de que a natureza da atividade das empresas de compra e venda na internet é de prestação de serviços aos vendedores que anunciam seus produtos e não de fornecimento de produtos, já que são exatamente os vendedores que remuneram os sites.

Uma vez que restou demonstrado acima que a relação consumerista na atividade das empresas é de prestação de serviços, não há porque se falar em solidariedade desta com as atividades relacionadas aos produtos ofertados pelos usuários vendedores. A aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 7º do CDC ou no parágrafo 2º do artigo 25 do CDC fica afastada, uma vez que os sites de compra e venda não poderiam ser autores de ofensas relacionadas ao fornecimento do produto. O mesmo ocorre com os artigos 12, 13 e 18, que versam especificamente sobre a responsabilidade de fornecedores de produtos. Desta forma, resta apenas a aplicação do artigo 14, que trata da responsabilidade do fornecedor de serviços por defeito na prestação dos serviços, ou seja, se houver defeito especificamente na atividade de aproximação dos vendedores e dos compradores. Mesmo assim, caso reste comprovado que a culpa foi exclusivamente do consumidor (no caso, o vendedor) ou de terceiro, o site não será responsável (artigo 14, parágrafo 2º, inciso III).

O fato de tais empresas obterem lucro em nada modifica a natureza dos serviços prestados, semelhante à de um classificado de jornais – e ninguém em sã consciência responsabilizaria o editor de caderno de classificados pelo defeito da mercadoria por ali ofertada. As comissões sobre as vendas que são pagas aos sites em nada afetam a analogia, pois não há razão para modificar a responsabilidade pelo fato da remuneração pelo serviço ser fixa ou variável. De qualquer modo, vale lembrar que os shopping centers recebem uma remuneração sobre o faturamento das lojas abrigadas sob seu teto e nem por isso tornam-se responsáveis pelos produtos vendidos nos estabelecimentos. A analogia cai como uma luva: enquanto os shopping centers cedem espaço físico para a oferta de produtos de terceiros, os sites de compra e venda cedem espaço virtual para a mesma finalidade (ou até mesmo espaço físico em seus servidores, para armazenamento de conteúdo dos vendedores).

Portanto, é forçoso que se reconheça que as empresas que administram sites de compra e venda na internet podem figurar no pólo passivo de ações que tenham por objeto relações de consumo quando o objeto for a prestação de serviços de intermediação de negócios de compra e venda, tendo o vendedor de produtos no pólo ativo. Por outro lado, as mesmas empresas são partes ilegítimas para figurarem como rés, caso a ação tenha por objeto a responsabilidade atribuível ao fornecedor de produtos, condição que jamais assumirá, em vista da natureza de sua atividade.

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*Gerente Jurídico do MercadoLivre.com Atividades de Internet Ltda.; Mestre <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Civil">em Direito Civil pela USP e Mestre em Direito pela Universidade de Houston (USA)






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