A título informativo, Daniel Silveira foi um ex-policial militar eleito em 2018 para seu primeiro mandato como deputado federal. Em 20 de abril 2022, o deputado foi condenado a pena de 8 anos e 9 meses de prisão pelo STF, por estímulo a atos antidemocráticos e ataques a ministros do tribunal, com 10 votos a 1.
Logo no dia seguinte, em 21 de abril de 2022, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto concedendo um “indulto individual” (cujo termo técnico é “graça”) à Daniel Silveira, extinguindo a pena de prisão. O anúncio foi feito por Bolsonaro em uma transmissão em suas redes sociais.
A graça é uma das formas de extinção da punibilidade do agente (artigo 107, inciso II do Código Penal), isto é, o perdão da pena. A medida pode ser concedida espontaneamente pelo presidente da República (artigo 734 do Código de Processo Penal).
No entanto, ainda assim, a natureza do instituto da graça é a de ato administrativo, estando sujeita à observância dos princípios da administração pública e respeito às demais normas do ordenamento brasileiro.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, garante o princípio da Presunção de Inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Trânsito em julgado é a expressão jurídica que se refere à imutabilidade do provimento jurisdicional concedido, quando se esgotam todas as possibilidades de recurso e, consequentemente, discussão sobre o caso.
A sentença que condenou o Deputado Federal Daniel Silveira em 21 de abril de 2022 não transitou em julgado, ou seja, ainda era passível a interposição de recursos para discussão jurídica.
Desta maneira, tecnicamente, a punibilidade inferida à Daniel Silveira não era um fato imutável. Isto é, não há como se conceder uma graça a alguém que é, pelos ditames constitucionais, considerado inocente, posto que possível a reversibilidade da decisão no próprio Judiciário.
Ainda, o artigo 2º da Constituição Federal consagra o princípio da Separação de Poderes, dispondo que são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário poderes da União, independentes e harmônicos entre si.
A medida acaba por levantar a discussão sobre uma interferência indevida do Executivo (através do decreto presidencial) sobre o funcionamento do Judiciário (em um processo ainda em andamento). Esta interferência se configuraria em um crime de responsabilidade, previsto no artigo 85, inciso II, também da Constituição Federal, como aquele em que se atenta contra o livre exercício dos Poderes.
Outro ponto em questão, seria que a decisão que condenou Daniel Silveira o teria deixado automaticamente inelegível, de modo que não poderia disputar as eleições deste ano. Com a concessão da graça (perdão), em tese, não haveria qualquer razão para que a inelegibilidade fosse mantida.
A medida presidencial desencadeou a propositura de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em 22 de abril de 2022, protocolizada junto ao STF pela Rede Sustentabilidade, para ver declarada a incompatibilidade do Decreto Presidencial com a ordem constitucional.
Em outras palavras, devido à propositura da ADPF, o STF terá a possibilidade de avaliar a validade jurídica do decreto em comento, contando, no curso da ação, com a possibilidade de oitiva do próprio presidente Jair Bolsonaro.
O STF poderá, ainda, afastar os efeitos oriundos do Decreto, considerando-o como desvio de finalidade pelo uso do instituto em dissonância com os princípios constitucionais da impessoalidade, que trata do dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo a concessão de privilégios indevidamente dispensados à particulares, bem como com o princípio da moralidade, que imputa aos agentes públicos o dever de agir conforme os valores contidos nas normas jurídicas positivadas.