O vocábulo mercado pode ser conceituado como o conjunto de trocas de bens ou valores da mesma ou de diferentes espécies realizadas em grande escala, observados os procedimentos e condições específicas. Já o mercado de capitais é um mecanismo de distribuição de valores mobiliários existentes para dar liquidez a títulos emitidos por empresas em suas captações de recursos. O mercado de capitais é constituído pelas bolsas de valores, corretoras e demais instituições financeiras.
Vale dizer que aqui não se trata de operações de crédito, na qual a parte tomadora dos recursos fica responsável pelo pagamento de uma dívida. Tal conceituação, refere-se ao mercado financeiro em sentido estrito. Apesar de em ambos os mercados existirem operações que se finalizam, gerando ganhos e perdas de moeda para os agentes econômicos que deles se utiliza, há diferença entre eles1.
A principal diferenciação existente entre o mercado financeiro e o mercado de capitais, sem sombra de dúvidas, diz respeito a atuação dos agentes nos mercados. O mercado financeiro é o lugar da intermediação, a instituição financeira coloca-se entre o poupador e o tomador de recursos com o objetivo de facilitar a realização de operações bancárias. Aqui, predomina o auferimento de ganhos e rendimentos de renda fixa. A instituição financeira é o personagem principal no mercado financeiro2.
Já no mercado de capitais, há uma desintermediação: o poupador entra diretamente em contato com o tomador, sem que qualquer instituição financeira seja parte nas negociações, ainda que auxilie nas operações. Aqui, predominam os ganhos e rendimentos de renda variável. A instituição financeira, por sua vez, apenas figura como interveniente obrigatória, porém sem assumir riscos de crédito. Aquele que detém recursos financeiros acaba por transferi-los àqueles que necessitam dos valores de forma direta, sem qualquer intermediação3.
O mercado de capitais é considerado um mercado de risco, isso porque, os investidores não possuem garantias sobre o retorno que obterão do capital investido. Os investidores são verdadeiros parceiros da empresa que necessita de recursos, sendo remunerados em consequência do sucesso do negócio.
Essa espécie de mercado é disciplinada pela lei 4.728/65, além de trazer atribuições ao Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e ao Banco Central do Brasil (“BAECN”). O mercado de capitais é regulamentado também pela Lei n. 6.385/1976 que dispõe sobre o mercado de valore mobiliários, oportunidade em que foi criada a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
O mercado de capitais pode ser subdividido em mercado primário e mercado secundário. Naquele, o tomador de recursos coloca valores mobiliários no mercado (com auxílio de instituições financeiras), a fim de captar recursos da poupança popular. Cuida-se da operação original de movimentação de valores mobiliários no mercado de capitais. Adquiridos os valores mobiliários no mercado primário, a sua negociação ocorre no mercado secundário. Aqui, o poupador que originalmente efetuou o investimento cede sua cota para outro poupador, ou até mesmo para próprio tomador.
Estabelecidas tais premissas, como já dito, as transações no mercado financeiro e no mercado de capitais podem ser dividas entre operações de renda fixa e operações de renda variável. Aquelas são operações cuja principal característica é a existência de regras de remuneração definidas no momento da realização do investimento. São operações marcadas pela previsibilidade, já que ao investidor é possível estabelecer exatamente de que forma o investimento será remunerado.
As operações de renda variável são aplicações financeiras em que a remuneração não pode ser predeterminada pelo investidor no momento da aplicação. Não há regras definidas de como será a remuneração. Assim sendo, as principais características dessas operações são a imprevisibilidade da remuneração e risco para o investidor.
Nas operações de renda variável, os principais ativos negociados são os valores mobiliários e ouro (como ativo financeiro). Os valores mobiliários são aqueles previstos no artigo 2º da lei 6.385/764, tais como ações, bônus de subscrição, contratos derivativos, cotas de fundo de investimento, dentre outros. Em que pese a lei inicialmente ter trazido um rol taxativo, alterações posteriores ampliaram o conceito de valores mobiliários para incluir quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo quando ofertados publicamente que geram direito de participação, parceria ou remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
Destaca-se ainda que as operações de renda variável podem ser negociadas tanto no mercado à vista como nos mercados de liquidação futura. Aqueles são mercados cuja liquidação da operação é imediata. A liquidação ocorre até o segundo dia útil após a realização do negócio.
Já os mercados de liquidação futura são aqueles em que há negociação de valores mobiliários em prazo superior ao estabelecido para as transações no mercado à vista. Nesse mercado, são negociados instrumentos derivativos (ativos cujo preço de mercado deriva de outros ativos ou instrumentos financeiros, os chamados ativos subjacentes)5. Esses ativos, por sua vez, podem ser de inúmeras naturezas, como commodities, taxas de juros, ações.
Os instrumentos derivativos, por sua vez, são estruturados em quatro tipos de mercados de liquidação futura:
i) Mercado a termo: são negociados contratos para venda futura de certo ativo por valor preestabelecido, a ser pago em data ajustada. O mercado a termo pode ser negociado em bolsa ou balcão. Aqui, o comprador tem a expectativa de que o preço futuro do ativo irá aumentar e o vendedor, por sua vez, acredita em uma queda do valor do ativo. Nas operações negociadas em bolsa, há garantia “por meio de depósito efetuado (i) pelas partes, de margem inicial para garantia da operação ou (ii) pelo vendedor, do ativo a ser negociado (venda coberta), admitindo-se, como liquidação da operação, tanto a entrega física do bem negociado quanto a liquidação financeira por diferença”6;
ii) Mercado futuro: assim como no mercado a termo, há negociação de ativos entre duas partes para liquidação em data futura por valor preestabelecido, tendo comprador e vendedor as mesmas expectativas. As operações ocorrem predominantemente na bolsa de valores. Além disso, o comprador ou o vendedor pode encerrar sua posição a qualquer momento mediante operações inversa à anteriormente realizada7;
iii) Mercado de opções: aqui são negociados direitos de compra ou venda de determinado ativo em uma data futura por um valor determinado anteriormente (“preço de exercício”) em troca do pagamento de certo valor (“prêmio”). As negociações podem ser realizadas na bolsa ou fora dela;
iv) Swap: são operações de liquidação futura que “resultam na troca de resultados financeiros decorrentes da aplicação de taxas/índices de referência sobre valores de determinados ativos ou passivos”8. O intuito é neutralizar o risco de posição ativa ou passiva.
Quanto à tributação dessas operações, inúmeras leis esparsas disciplinam a matéria. Destaca-se as previsões contidas nos artigos 788 a 889 do Regulamento do Imposto de Renda e na Instrução Normativa 1.585/15, atos estes que consolidam e regulamentam a tributação no mercado financeiro e de capitais.
Para a tributação das operações de renda variável, a legislação, a fim de caracterizar um rendimento como de renda variável, leva em consideração o ambiente de negociação dos ativos. De acordo com o artigo 72 da lei 8.981/95, são tributados como rendimentos de renda variável os ganhos líquidos (base de cálculo) auferidos nas bolsas de valores, de mercadorias e de futuros assemelhadas (ambientes de negociação).
São considerados ambientes de negociação: i) mercado de valores, mercadorias e futuros: são locais públicos para negociação em mercado livre e aberto de títulos e valores mobiliários. As principais características desse ambiente são a autorregulação, controle e fiscalização da CVM, transparência das operações, atuação exclusiva de pessoas habilitada, formação adequada de preços e liquidez; ii) entidades assemelhadas: os ganhos obtidos em ambientes assemelhados às bolsas valores, cujo objeto social seja análogo ao das bolsas de valores e que funcionam sob a supervisão e fiscalização da CVM (mercados de balcão organizado).
Além dessas hipóteses, são considerados rendimentos de renda variável os ganhos auferidos em balcão não organizado que envolvam operações com ouro (ativo financeiro), mercados de liquidação futura e alienação de participações societárias não permanentes detidas por pessoas jurídicas.
Como observado, a base de cálculo do imposto de renda incidente sobre as operações de renda variável é o ganho líquido, o qual pode ser entendido como o resultado positivo auferido nas operações realizadas mensalmente. A legislação permite a dedução dos custos e das despesas incorridas, necessárias à realização das operações, bem como a compensação de perdas apuradas nas operações dos mercados, desde que não se refiram a operações de day trade9. No que tange às operações de swap, a legislação restringe a compensação de perdas que só podem ser compensadas em hipóteses expressamente previstas em lei.
Quanto às pessoas físicas que investem em operações de renda variável, os ganhos líquidos auferidos estão sujeitos à incidência de imposto de renda à alíquota de 15% (swing trade10), exceto as operações de day trade que estão sujeitas à alíquota de 20%. Há previsão de isenção de tributação dos ganhos líquidos no caso em que o valor das alienações realizadas em cada mês seja igual ou inferior a R$20.000,00 (vinte mil reais). Caso ocorra a alienação, de ações e de ouro, o limite de isenção aplica-se separadamente a cada modalidade de ativo.
Já as operações de swap, estão sujeitas às alíquotas regressivas, retidas na fonte, aplicáveis as operações de renda fixa.
Quanto aos demais rendimentos, a pessoa física deve apurar e tributar mensalmente o ganho líquido auferido na liquidação da operação, depois de compensados eventuais perdas e deduzido o Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) de 0,005% (e de 1% caso se trate de operações de day trade), sendo também o responsável pelo recolhimento do imposto.
Sobre o Imposto de Renda Retido na Fonte de 0,005%, o chamado “Imposto de Renda dedo duro”, vale dizer que se trata de mecanismo utilizado pela Receita Federal a fim de evitar a sonegação fiscal mediante retenção de pequena parcela do imposto de renda incidente sobre os rendimentos. O verdadeiro objeto da Receita Federal é saber quem está operando na bolsa e o tamanho da operação. O “IRRF dedo duro” funciona como uma antecipação do imposto a ser pago ao final do período. Essa antecipação deverá ser recolhida no mês subsequente ao da operação.
As pessoas jurídicas, por sua vez, não precisam recolher separadamente o imposto de renda incidente sobre as operações de renda variável. O rendimento advindo dessas operações deve compor a base de cálculo do imposto de renda apurado com base no lucro real, presumido ou arbitrado e tributados com os demais rendimentos auferidos pela pessoa jurídica.
Destaca-se que as pessoas jurídicas não podem se aproveitar da isenção prevista para a venda de ações de até vinte mil reais por mês. Além disso, o ganho líquido está sujeito à alíquota de 15% de IRPJ e 9% de CSLL, podendo ainda sofrer a incidência adicional do IRPJ de 10%, caso o lucro for superior a sessenta mil reais no trimestre.
Pode-se concluir que, do ponto de vista fiscal, sobre determinados aspectos é mais vantajosa a atuação no mercado de capitais como pessoa física. Isso porque, as pessoas físicas podem gozar da isenção de tributação dos ganhos líquidos no caso em que o valor das alienações realizadas em cada mês seja igual ou inferior a R$20.000,00 (vinte mil reais). Além disso, estão sujeitas somente à incidência do imposto de renda à alíquota de 15% (enquanto as pessoas jurídicas ainda devem recolher CSLL e, a depender do volume da operação, sujeitas ao adicional de 10% de imposto de renda).
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1 SANTOS, João Victor Guedes. Teoria da tributação e tributação da renda nos mercados financeiro e de capitais: entre a equidade e a eficiência; entre a capacidade contributiva e a indução. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Financeiro) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. 28 p.
2 Ibidem, 28-30 p.
3 Idem.
4 Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;
III - os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV - as cédulas de debêntures;
V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;
VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;
VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e
IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
5 SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA; Roberto Quiroga. Manual da tributação direta da renda. São Paulo: IBDT, 2020. 128 p.
6 SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA; Roberto Quiroga. Manual da tributação direta da renda. São Paulo: IBDT, 2020. 129 p.
8 Ibidem, 130 p.
9 As operações day trade são iniciadas e encerradas no mesmo pregão, com o mesmo ativo, em uma mesma instituição intermediária, muitas delas chegam a durar poucos minutos. O operador compra um lote de ações e vende essas ações pouco tempo depois, no mesmo dia, aproveitando das oscilações de curto prazo.
10 As operações swing trade são as operações de curto e médio prazo na bolsa de valores. As operações duram alguns dias, semanas e até alguns meses. É o meio termo entre os especuladores (day trade) e os investidores a longo prazo.