Com a CF/88 o Brasil entrou em um estado de redemocratização. Isso permitiu semear pensamentos liberais, avançados. Ao menos em páginas, tínhamos uma constituição moderna, com visão de futuro.
Em 1995, no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado, Bresser Pereira, foi responsável pela elaboração do Plano de Reforma do Aparelho do Estado que, sinteticamente, buscou imprimir o conceito da gestão por resultados – transferindo para o setor privado não lucrativo a gestão de atividades-fim, sobretudo de unidades de saúde – permanecendo com o Estado a responsabilidade estratégica, e o planejamento das políticas públicas.
Aproveitou-se um clima de pós-modernismo administrativo, que se somou ao início da estabilidade econômica, para que atividades-fim, principalmente na área da saúde pública, coubessem a um parceiro privado, na busca de uma gestão mais ágil e pautada em resultados.
Entidades confiáveis passaram a oxigenar as unidades públicas por meio de uma gestão privada baseada na maximização de recursos, no aumento exponencial do número de atendimentos, com foco na qualidade e na humanização dos atendimentos. Estas entidades trouxeram modelos e sistemas de qualidade e de acreditações internacionais – equiparando algumas unidades públicas aos melhores hospitais privados do país e do mundo.
O problema é que a reforma, ou a “meia-reforma” do Estado, embora tenha evoluído nas atividades-fim, deixou de evoluir na sua gestão interna, que permanece com parte importante de servidores apegados à forma, conteúdo e contexto ultrapassados, confundindo controle com controlismo e parceria com privatização.
Nesse ponto, a pandemia foi um divisor de águas, pois mostrou que sem as parcerias com entidades privadas de saúde, jamais, repita-se, jamais, o Estado teria ampliado e criado leitos de UTIs COVID-19, contratado pessoal da assistência para atendimentos aos acometidos pela pandemia e colocado em funcionamento hospitais de campanha que salvaram milhares de vidas.
Atualmente, superado o estado agudo da pandemia, a retomada de consultas, cirurgias e demais atendimentos ao usuário do SUS só tem se tornado possível pelas mãos de parceiros privados e de sua forma ágil de gestão e de cumprimento de metas.
Neste ponto, até mesmo o conceito de que “políticas públicas são de atividade exclusiva do Estado” cedeu para a necessidade de tomadas de decisões corretas, rápidas, estruturadas e efetivas que permitiram salvar milhares de vidas durante a pandemia – abrindo espaço para o conceito de que “políticas públicas são atividades de discussão multilateral em que o setor privado pode e deve colaborar com vistas ao melhor resultado para o cidadão”.
Há a narrativa de que a transferência de atividades públicas para o setor privado representa a privatização do Estado. Isso não é verdade, pois a palavra final sempre caberá ao Estado – ainda que as políticas públicas e estratégias sejam discutidas de maneira colaborativa com os parceiros privados.
A discussão com base em critérios adequados na busca do melhor para o cidadão pode e deve ser construída com o setor privado que detém ferramentas e conhecimento. Até porque estão na ponta, executando de fato os atendimentos ao SUS. Isto não é liberal, neoliberal ou privatização; é racionalização de recursos, maximização de resultados e, principalmente, humanização de decisões.
Portanto, é o Estado, o grande responsável pelo insucesso de todo e qualquer modelo de parceria com o setor privado. Seu gigantismo e seu interesse crônico na manutenção de um modelo, que beneficia exclusiva e tão somente seus servidores, busca sempre fortalecer a burocracia e o formalismo como ferramentas para asfixiar modelos de parceria (todos eles), que beneficiam o cidadão e que foram pensados, justamente, para oxigenar o setor público com uma gestão baseada em resultados e no compromisso com a população.
Erros devem ser corrigidos; a corrupção, combatida, inclusive de dentro para fora. Mas enquanto o Estado permanecer destruindo os modelos de parcerias criados para beneficiar a população – e não seus próprios servidores estáveis – a corrupção e erros permanecerão como um vício estatal e, com isso, bons modelos serão sempre implodidos de dentro para fora.
Precisamos da reforma da reforma do Estado.