Os sócios de qualquer sociedade ingressam nela para partilhar os resultados advindos da atividade exercida por esta. Toda sociedade empresária tem por objetivo primordial a produção de lucros. Sendo alcançado esse resultado, o qual deve ser partilhado entre os sócios ou acionistas, surgindo o direito à participação nos lucros.
Esses lucros, a princípio, são apurados e pagos uma vez por ano. Findo cada exercício social, cuja duração é de um ano, a sociedade deve fazer um levantamento de suas atividades, elaborando as demonstrações financeiras, por meio de sua administração, com base na escrituração mercantil da companhia. Essas demonstrações financeiras demonstrarão se a sociedade teve ou não lucro. Contudo, enquanto elas não forem aprovadas, tais peças são meros projetos de deliberação, elas só produzem efeitos após a sua aprovação pela assembleia-geral1.
A partir das demonstrações financeiras, será apurado o lucro que a sociedade houver produzido e definida a sua destinação por deliberação dos sócios. Assim, enquanto não aprovadas as demonstrações financeiras, não se pode dizer que exista lucro apto a ser distribuído, como dividendo definitivo ou destinado a reservas de lucro.
Apesar dessa previsão, é certo que o art. 204 da lei 6.404/76 prevê o cabimento de dividendos intercalares e intermediários, mesmo antes da aprovação das demonstrações financeiras.
Os dividendos intermediários são aqueles que podem ser pagos com base em lucros apurados em exercícios anteriores (destinados a reservas de lucros, como foi feito pela companhia ao constituir a reserva de lucros a realizar). Neste caso, o estatuto deverá conter previsão autorizando os órgãos de administração a declarar esses dividendos intermediário.
De outro lado, também é possível a distribuição de dividendos intercalares, com base em lucros em formação no curso do exercício social. Para haver dividendos intercalares, é necessário que existam demonstrações financeiras semestrais ou, em período inferior, por força da Lei ou do estatuto. Além disso, o “estatuto deverá prever expressamente a possibilidade de distribuição de dividendos intercalares, sendo a competência para a sua declaração reservada ao órgão de administração por ele autorizado. O órgão de administração é quem terá, assim, a faculdade de avaliar a oportunidade e a conveniência de efetivamente declará-los”2.
Ocorre que, não há como desconhecer, que existe a prática corrente, da realização de uma distribuição antecipada de lucros fora das hipóteses dos dividendos intercalares e intermediários. A Receita Federal do Brasil reconhece expressamente essa possibilidade quando fala em distribuição de lucros para período-base não encerrado, no art. 238, § 3º, da IN 1700/17.
O mesmo tema foi apreciado pelo STJ que, no julgamento do RE 1.1224.724-PR, entendeu que, caso tenha ocorrido a antecipação de dividendos, nada impede que, após a apuração do resultado do exercício, constate-se que tenha havido lucro e seja afastada eventual cobrança sobre as parcelas adiantadas a título de participação no lucro.
Ocorre que a sociedade não possui total autonomia de decidir acerca da destinação de todos os ganhos obtidos. Em alguns casos, a legislação prevê uma destinação, sendo obrigatório a distribuição de dividendos aos acionistas, nos termos do artigo 202 da lei 6.404/76. Observados esses limites, resta claro que é uma faculdade e competência dos órgãos responsáveis pela organização da sociedade deliberar acerca do momento em que os lucros serão distribuídos, desde que não (sejam contrários) ao Estatuto ou a dispositivo legal.
Ainda que não exista expressa previsão legal acerca da antecipação de distribuição de lucros, tal matéria encontra-se implícita nas normas legais vigentes, uma vez que compreende um direito subjetivo da sociedade empresária dispor sobre a forma de distribuição de lucros, desde que não sejam contrárias as disposições legais vigentes e ao Estatuto.
Conforme artigo 205, § 3º da lei 6.404/76, a Assembleia-Geral deve efetuar os pagamentos destes dividendos no prazo fixado pelo Estatuto ou em prazo diverso deliberado por esta. Percebe-se, dessa forma, certa liberdade deste órgão para deliberar acerca da distribuição de lucros, em concordância com os limites previamente impostos.
Em última análise, caberá aos acionistas deliberar sobre a forma de utilização dos resultados obtidos pela sociedade, a forma como estes serão investidos, poupados ou rateados, visto que estes compõem o órgão deliberativo da Assembleia-Geral.
Mesmo que não se verifique expressamente disposto na legislação a figura da antecipação de lucros, ela poderá ocorrer em razão da liberdade concedida aos órgãos reguladores das sociedades, desde que não contrarie o dispositivo legal.
1 GALGANO, Francesco. Diritto civile e commerciale. 3. ed. Padova: CEDAM, 1999, v. 3, tomo 2, p. 330; BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 614; COELHO, Fábio Ulhoa; FRAZÃO, Ana; MENEZES, Mauricio Moreira; CAMPINHO, Sérgio. l. Lei das Sociedades Anônimas Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1581.
2 COELHO, Fábio Ulhoa; FRAZÃO, Ana; MENEZES, Mauricio Moreira; CAMPINHO, Sérgio. l. Lei das Sociedades Anônimas Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1681.