Nos últimos anos, a “luta contra a corrupção” teve uma intensificação para prevenir, combater e punir atos de apropriação e mau uso de dinheiro público, preservar a economia como a ideia de democracia. Pressupõe, contudo, uma sistemática composta de diplomas legais sancionadores e procedimentais.
Além disso, há órgãos fiscalizatórios e persecutórios de pessoas públicas e privadas, que se dirigem a prevenir, combater e punir tais atos. A Lei 12.846 de 2013, denominada de Lei Anticorrupção, trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela da prática de atos em desfavor da Administração Pública.
A Lei Anticorrupção traz sanções voltadas a desestimular a prática de atos de corrupção, por agentes públicos e privados e traz mecanismos voltados ao deslinde consensual desses casos, representando algo como uma revolução no tratamento de condutas corruptas praticadas por pessoas jurídicas.
Isso porque propõe um tratamento economicamente adequado a tais infrações, de maneira diversa do direito sancionatório. A incidência de princípios da administração pública, somada à evolução do combate à corrupção, fez com que parte da doutrina percebesse o surgimento de um novo direito fundamental.
A contrapartida desse direito é o dever de que as instituições previnam, combatam e punam a corrupção de maneira eficiente. A modificação da ótica da corrupção empresarial, passando do prisma jurídico ao econômico, é justificável na atual concepção relacionada à regulação de atividades econômicas.
Tal fator produz o distanciamento do próprio direito penal, de modo que a Lei Anticorrupção trouxe nova sistemática, voltada a concretizar um novo direito fundamental à probidade administrativa, ao bom uso do dinheiro público e, especialmente, à boa administração pública.
O surgimento desse direito fundamental ao combate à corrupção, traduzível em um dever geral, imponível ao Estado e à sociedade, faz com que a Lei Anticorrupção seja algo como sua regulamentação infraconstitucional. Ocorre que o conceito de interesse público se modificou com a superveniência do Diploma.
Isso porque o Diploma ampliou as possibilidades de resolução consensual de determinados conflitos. Em decorrência dessa lógica economicista, busca-se punir os atos de corrupção e preservar a pessoa jurídica envolvida em tais condutas, resguardando-se empregos e a economia como um todo.
O acordo de leniência se relaciona à possibilidade de o acusado ou suspeito de ter praticado ato de corrupção encerre a contenda por meio de concessões recíprocas que deve obedecer a certos requisitos. Em suas origens conceituais, dirigiu-se a tratar de questões concernentes à concorrência.
Demonstra-se, portanto, sua relação direta com a economia. Desde sua primeira incidência, concerne à regulação de importantes setores da atividade humana, de modo que as autoridades americanas competentes passaram a construir mecanismos voltados a possibilitar a investigação de infrações econômicas.
Após as experiências de corrupção envolvendo a Lockheed Aircraft Corporation e a casos posteriores, tais autoridades buscaram estender o alcance dos acordos de leniência a outros casos e questões de grande impacto econômico. Portanto, desde seu início, dirigia-se a tratar de questões relacionadas a atividades econômicas relevantes.
Voltava-se, assim, a colaborar com investigações, notadamente, de casos de corrupção. Nota-se que o modelo originado dos EUA se tornou referência quanto aos denominados acordos de leniência, por ter se mostrado um procedimento de apuração eficiente na prevenção, combate e punição a atos de corrupção.
A evolução do instrumento continuou. Em 1994, o Department of Justice dos Estados Unidos publicou o documento Leniency policy for individuals, no qual informa requisitos para tais acordos, que têm características objetivas e subjetivas, referindo-se às condutas às quais as pessoas que desejam firmar o acordo devem proceder.
Não basta ao sujeito que deseja firmar acordo de leniência prometer informações, devendo prestá-las efetivamente e específica em relação a certos aspectos. A economicidade do instituto é justificada, contudo, a partir de certas teorias voltadas a racionalizar a possibilidade de impor medidas não punitivas.
O acordo de leniência se volta a fazer com que o Estado tenha seus custos de investigação reduzidos, sendo capaz de abrandar a assimetria de informações. Além disso, o agente seria capaz de quebrantar a assimetria informacional por agir em desfavor do principal, abrindo mão de determinados objetivos.
Em troca, buscam-se incentivos em troca da delação. A Lei Anticorrupção se distanciou do direito penal comum, preocupando-se com a economicidade das infrações, fazendo surgir nova abordagem quanto às premissas relacionadas à prevenção, ao combate e à punição de tais condutas.
O acordo de leniência é parte essencial de uma política de prevenção, combate e punição à corrupção que se preocupe-se com a preservação das atividades econômicas relevantes e das pessoas jurídicas que as prestam. Trata-se de procedimento distante da lógica sancionatória do direito penal.
Em decorrência de seu cariz economicista, decorrente de uma concepção consensual do próprio direito administrativo. O conceito de interesse público se modificou radicalmente com o passar do tempo, notadamente quanto ao direito administrativo sancionador, cedendo espaço a mecanismos de resolução de conflitos.
Uma das possibilidades de confirmar o interesse público é o acordo de leniência, que se encontra em sentido oposto à perspectiva de plena e inescapável indisponibilidade do interesse público, em decorrê3ncia do fato de que esses pactos podem corroborar tais interesses.
Tais pactos, ao invés de contrariar a indisponibilidade do interesse público, corrobora-a, em decorrência das várias possibilidades de o próprio Estado obter vantagens com a leniência e diminuir gastos com a persecução penal, inclusive, por aprimorar a persecução a tais infrações.
Neste vértice, o acordo de leniência demonstra adequação a todos os aspectos da “luta contra a corrupção”, por incidir na prevenção, no combate e na punição dos referidos atos. As vantagens do acordo de leniência concernem à relativização da assimetria informacional e à diminuição de custos processuais.
Parcela da doutrina, entretanto, afirmou que tal procedimento pode prejudicar as pessoas que buscam firmar acordos de leniência, já que poderiam ser restringidos em seus direitos fundamentais. Ocorre que o acordo de leniência serve para retirar do acordante a possibilidade de o Estado puni-lo.
Ocorre que se o acordo de leniência for efetivado pela Advocacia Geral da União ou CGU, poderá ainda o Ministério Público Federal – MPF ajuizar ação civil de improbidade ou até mesmo ação penal pública, visando a persecução dos mesmos atos acordados perante a AGU, dada sua independência funcional assegurada pela Constituição Federal.
Essa dupla ou tripla punição, com espeque na famosa “independência das instâncias” e independência dos membros do Ministério Público, pode claramente ocasionar sérias injustiças, inibindo qualquer pessoa física ou jurídica a efetivar acordos com a administração pública, pois justamente não haverá o asseguramento do princípio da segurança jurídica para todos os envolvidos.
Precisa-se, desta forma, de se assegurar que eventuais acordos de leniência, acordo de não persecução cível – ANPC previsto na Lei 8.429/92, bem como o acordo de não persecução penal – ANPP previsto no pacote anticrime, sejam revestidos de garantias mínimas ao acusado, para que este tenha um mínimo de paz e possa efetivar tais acordos com os órgãos estatais.
Neste viés, em que pese suas inúmeras vantagens, um dos aprimoramentos indispensáveis à eficácia do acordo de leniência deve ser a possibilidade de se garantir ao acordante que não sofrerá qualquer outra persecução jurídico-estatal, independentemente de ser penal, cível ou administrativa, produzindo maior segurança jurídica para os envolvidos, bem como a pacificação social.