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Medidas cautelares em caráter antecedente de recuperação judicial

A porta de entrada para as empresas se prepararem para o ajuizamento da recuperação judicial.

18/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

O objetivo é trazer reflexões acerca da utilização da ferramenta jurídica denominada “medida cautelar em caráter antecedente” para fins de posterior ajuizamento de ação de recuperação judicial, disciplinada pela lei 11.101/05.

Importante destacar que os institutos agregam-se na busca de soluções céleres para viabilizar a preservação da empresa e seu respectivo soerguimento em tempo hábil.

Ambos os institutos legais se entrelaçam para oportunizarem as empresas em situação de crise reversível uma proteção legal para se prepararem para o pedido de recuperação judicial.

Essa ferramenta tem sido utilizada pelas empresas em crise para antecipar os efeitos tão relevantes do instituto recuperacional como, por exemplo, a antecipação do stay period.

A medida cautelar em caráter antecedente à recuperação judicial é a porta de entrada para as empresas se preparem para o ajuizamento da recuperação judicial, mas deverá ser usada com o máximo de cuidado possível, para que não seja uma “porta dos desesperados” ou um meio de fraude à credores de forma preliminar.

O procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente está originalmente previsto no Código de Processo Civil, a partir do art. 303.

A crise econômico-financeira das empresas brasileiras tem sido fator determinante para a busca pela reestruturação através dos mecanismos legais, dentre eles, a recuperação judicial.

Considerando esse cenário, destaca-se que a lei 11.101/05 que disciplina a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, até o final do ano de 2020, não previa nenhuma forma de antecipação dos efeitos da decisão que defere o processamento da recuperação judicial em seu bojo.

Em que pese essa ausência legal, utilizava-se de forma subsidiária a previsão contida no Código de Processo Civil e, em respeito ao princípio da preservação da empresa, a tutela pleiteada era deferida.

Não se pode olvidar que a efetiva prestação jurisdicional enseja numa “sobrevida” imprescindível para o soerguimento da empresa em crise, já que suspenderá as cobranças e constrições protagonizadas pelos credores insaciáveis.

E mais, a obtenção de toda documentação elencada no art. 51 da lei 11.101/05, pela sociedade empresária pode demandar um tempo maior do que o esperado, colocando a empresa em crise em uma situação de risco crítico.

A realização de diagnóstico prévio da empresa para aferir sua real situação econômico-financeira e jurídica é essencial antes de optar por alguma ferramenta de resguardo e soerguimento da empresa.

Isso porque, no ato do pedido de recuperação judicial, a empresa requerente deverá colacionar todos os documentos relacionados no artigo supramencionado para que o magistrado acolha ou rejeite o seu pedido processamento da recuperação judicial.

Nesse sentido, a empresa precisa estar conectada com o objetivo da lei 11.101/05, delineado em seu art. 47. Se a empresa não se encontrar em uma situação de crise econômico-financeira reversível ou não conseguir demonstrar indícios que assim se encontra, então, não há razão para a concessão da medida cautelar pretendida.

Na hipótese de a empresa se encontrar apta a buscar seu soerguimento no processo de recuperação judicial e esteja buscando a medida cautelar para resguardar o seu direito de formular a demanda principal e esse pedido não for acolhido, tal decisão poderá aniquilar de plano a preservação da empresa, sua eventual recuperação judicial e direcionar a empresa à uma condição de crise econômico-financeira irreversível.

Segundo lecionam Dr. Daniel Carnio Costa e Alexandre Correa Nasser de Melo1: “A prática forense deixa transparecer as limitações da lei, principalmente diante do desafio de conciliar interesses diversos - ou, até mesmo opostos – em prol de um bem maior, de interesse público, que inclui os benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial.”

Com efeito, fez-se necessário a reforma da lei 11.101/05, a fim de que ela fosse modernizada para regular, dentre outros assuntos, a possibilidade de antecipação dos efeitos da decisão que defere o processamento da recuperação judicial e consequentemente, que tivesse um entendimento linear sobre o tema.

Após diversos movimentos coordenados com o objetivo de definir os pontos controvertidos da lei 11.101/05, em 12/20 foi sancionada pelo Presidente da República a lei 14.112/20 que alterou a lei 11.101/05, entrando em vigor no mês 1/21, contemplando a possibilidade de antecipação dos efeitos da decisão que defere o processamento da recuperação judicial, iniciando-se uma nova fase do sistema de insolvência, com a expectativa de mais eficiência.

E tal eficiência refletiu-se na redação do atual art. 6, §12 da lei 11.101/05 que diz “Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.”

Fato é que, após a vigência da nova redação da lei 11.101/05 esse dispositivo legal tem sido colocado em prática e tem sido uma opção relevante para as empresas que buscam preservar a atividade empresarial até se preparar para protocolar o pedido de recuperação judicial.

Uma vez escolhida essa ferramenta, a empresa requerente deverá demonstrar, ao menos preliminarmente, que possui os requisitos legais para ajuizar a futura recuperação judicial.

Ademais, não se pode fechar os olhos para o fato de que as empresas de má-fé também terão a possibilidade de utilizar esse  mecanismo como uma válvula de escape de suas obrigações com os credores, declinando da ação principal no fim do prazo concedido na medida cautelar2, já que a empresa não é obrigada a seguir com a demanda principal3.

Nesse sentido, o magistrado Luiz Henrique Bonatelli da Vara Regional de recuperações judiciais, falências e concordatas da comarca de Florianópolis, Santa Catarina, ao apreciar a medida cautelar em caráter antecedente de recuperação judicial4, entendeu pela antecipação parcial dos efeitos do stay period, devendo a empresa requerente proceder com o ingresso da demanda principal,  sob pena de perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar (súmula 482 do STJ5).

E mais, no caso em apreço entendeu que “o perigo do dano ou do risco ao resultado útil do processo restou caracterizada na própria manutenção da atividade empresarial, encontrando-se amparo nesse sentido, pois, na hipótese de decisão em sentido contrário, as empresas nem sequer chegarão à condição de recuperandas sob o conceito legal da expressão, de modo que a medida requerida se traduz como de extrema necessidade a sua subsistência.”

Além disso, consignou que “não há risco de dano reverso que inviabilize a concessão de tutela provisória para a empresa ajuizar posteriormente um pedido de recuperação judicial porque, nos termos da expressa disposição legal, "a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão" (CPC, art. 300, §3º) já que a autorização prévia de suspensão de atos expropriatórios ou de bloqueios de crédito em nome das empresas, tem prazo de vigência previsto na lei 11.101/2005.”

E alertou que “trata-se, agora, de análise bastante superficial da possibilidade de êxito da provável ação de recuperação judicial, cuja análise só será efetivada diante do protocolo da respectiva ação, quando, então, far-se-á análise bastante aprofundada dos requisitos exigidos em lei para o deferimento do respectivo processamento.”

Conforme leciona Teori Albino Zavascki e de Luiz Guilherme Marinoni6: “a tutela de urgência-cautelar ou antecipada não pode ser proibida nos lugares em que é necessária para evitar dano. Não apenas porque a lei não pode prever as situações em que a tutela de urgência será necessária uma vez que isso depende do caso concreto -, como também porque o direito à tutela de urgência é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional. Assim, a tutela cautelar pode e deve ser concedida, evidentemente que mediante a adequada justificativa, quando as circunstâncias do caso demonstrarem a sua necessidade antes da ouvida do demandado.”

A Lei 11.101/05, art. 6º, §2º estabelece que o magistrado, quando respeitado o contido no CPC /2015 art. 300, poderá deferir tutela de urgência para antecipar, total ou parcialmente os efeitos do processamento da recuperação judicial. (...) Essa disposição legal é de essencial importância para a proteção das empresas que buscam em juízo a recuperação judicial. Isto porque o simples protocolo do pedido acarreta uma verdadeira corrida ao ouro, com o ajuizamento de ações pelos credores em busca de seus direitos, antes de juízo conceder a suspensão prevista na lei 11.101/2005, art. 6º, § 4º. Ao possibilitar a suspensão antes mesmo de ser deferido o processamento da recuperação judicial a lei protege a devedora e assegura ao juízo a tranquilidade de não colocar em processamento recuperação judicial de empresa cuja situação esteja irregular.”7

Denota-se  que a demonstração da necessidade dessa ferramenta pela empresa em crise econômico-financeira para o acolhimento da medida cautelar em caráter antecedente deverá ser ainda mais detalhada e respaldada, ainda que de forma preliminar, em documentos que demonstrem a sua situação de crise econômico-financeira reversível.

No entendimento de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “é preciso que o requerente aparente ser o titular do direito que está sob ameaça, e que esse direito aparente merecer (...). O juiz tem de estar convencido, senão da existência do direito ameaçado, ao menos de sua probabilidade. É preciso que ele tenha aparência de verdade. (...) O exame pode ser mais ou menos rigoroso, dependendo do grau de urgência, e a intensidade da ameaça.”8

O primeiro objetivo da empresa em crise que busca a medida cautelar é resguardar o seu direito de pedir uma recuperação judicial futura, através da obtenção da antecipação dos efeitos da recuperação judicial, especificamente, o stay period.

Frisa-se, a antecipação do efeito do stay period na medida cautelar antecedente, a empresa requerente terá esse efeito vigente pelo prazo de 30 dias até proceder com o pedido principal que é o pedido de recuperação judicial. Quando apreciada essa ação, será decotado do prazo de 180 dias o período que estava em vigência na medida cautelar, a fim de não estender o prazo de stay além do previsto legalmente.

Conclui-se, portanto que, o Código de Processo Civil e a lei 11.101/05 chancelaram um alinhamento de previsões objetivando resguardar o direito das pessoas jurídicas que pretendem se reestruturar através do mecanismo da recuperação judicial, fornecendo uma ferramenta que possibilita a antecipação dos efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial, uma das decisões mais importantes do processo recuperacional.

Na prática, o magistrado tem um papel de extrema importância nestes casos, já que deverá verificar se realmente a empresa, ao menos preliminarmente, demonstra encontrar-se apta e em situação de crise econômico-financeira reversível para pleitear futuramente uma recuperação judicial.

As empresas que estejam enfrentando crise econômico-financeira podem se valer da medida cautelar em caráter antecedente para garantir a proteção até que reúna todos os documentos necessários para o ajuizamento da futura ação, sem ter seu patrimônio dilapidado pelos credores sujeitos à recuperação judicial.

Entretanto, pelo princípio da boa-fé, importante alertar que as empresas que buscarem essa ferramenta com a falsa pretensão de ajuizar uma recuperação judicial, apenas para “ganhar tempo”, estão totalmente desconexas com o instituto recuperacional e tal cenário deverá ser devidamente apreciado pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o declínio da empresa requerente em ajuizar um pedido de recuperação judicial após cessada a tutela pretendida não gera, ao menos de forma imediata, nenhuma consequência futura.

Antecipar os efeitos do stay period não é só preservar a empresa em situação de crise, é permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. É promover a preservação da sua função social e o estímulo à atividade econômica. Tudo isso, ainda que de forma preliminar.

Não se pode olvidar que, ao analisar a pretensão de uma empresa em crise econômico-financeira que busca sua reestruturação, deverá ser analisado o cenário de ponta-a-ponta, a fim de entender o panorama para tomar boas decisões.

Para tanto, deverá ser utilizada essa ferramenta, literalmente, de forma cautelosa e estratégica para que o instituto recuperacional não seja violado.

Por fim, importante salientar que o tema é recente, gerará inúmeros debates e enfrentará diversos cenários capazes de exercitar as estratégias, entendimentos e adaptações, entretanto, é uma nova ferramenta introduzida na lei 11.101/05 que, sem dúvidas, promove o auxílio às empresas que buscam se soerguer em meio a um mercado incerto, volátil e complexo.

______
1 Comentários a Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/05, de 09 de fevereiro de 2005/Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021.

2 (TJ-DF 20161110027190 DF Relator: Sérgio Rocha, Data de julgamento: 06/02/2019, 4ª Turma Cível). (TJ-GO APL 01130119220168090107 Relator: Itamar de Lima, Data de julgamento: 13/06/2019, 3ª Turma Cível).

3 Art. 309. Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se: I - o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal; II - não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;

4 TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE Nº 5024222- 97.2021.8.24.0023/SC

5 Súmula 482: "A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar."

6 Tutela de urgência e tutela da evidência: soluções processuais diante do tempo da justiça, RT, 2018, 2ª ed., p. 255

Comentários a lei de recuperação de empresas e falência: lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/ Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021, pg. 72

8 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios Direito processual civil esquematizado I coordenador Pedro Lenza. -6. ed.- São Paulo: Saraiva, 2016.- (Coleção esquematizado'')

Christiane Reis
Advogada empresarial.

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