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A constitucionalidade do voto de desempate pró-contribuinte no CARF

Expectativa é de que o STF, nas ADIns 6.415, 6.399 e 6.403, julgue a constitucionalidade do art. 19-E da lei 10.522/02.

18/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O STF – Supremo Tribunal Federal, em 24/3/22, reiniciou o julgamento das “ADIn`s” – Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 6.414, 6.399 e 6.403, que têm por objeto a declaração de (in)constitucionalidade do art. 19-E da lei 10.522/02, incluído pela lei  13.988/20, que determina que, "em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade, […] resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte".

As ações pleitearam a inconstitucionalidade da norma por compreenderem que I. a inclusão do art. 19-E da lei 10.522/02 pela lei 13.988/20 teria violado a alínea "e" do inciso II do § 1º do art. 61 da Constituição Federal, visto que, para criar, extinguir, e modificar, órgãos da administração pública, a iniciativa da lei seria privativa do presidente da República, II. o fim do voto de qualidade implicaria em renúncia de receita, de modo que a lei 13.988/20 deveria estar acompanhada de relatório de impacto orçamentário e financeiro, violando o art. 113 do “ADCT” – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, III. a disposição do julgamento em processo administrativo seria uma disposição de norma geral de direito tributário e, por força do art. 146 da Constituição, deveria ser veiculada por lei complementar, IV. haveria violação ao § 9º do art. 62 da Carta Magna, pois a emenda aglutinativa não teria sido apreciada por uma comissão mista, e V. inexistiria pertinência temática da emenda aglutinativa 2 ao objeto da medida provisória 899 e do projeto de lei de conversão.

Apesar de o processo ter sido novamente retirado de pauta, desta vez, por pedido de vista do Ministro Kássio Nunes Marques, a expectativa é de que o STF julgue a constitucionalidade do artigo 19-E da lei 10.522/02, visto que o placar parcial já é de 5 votos, dos ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Cármen Lúcia, pela constitucionalidade formal e material da norma, contra apenas um voto, do ministro relator Marco Aurélio, pela inconstitucionalidade formal do referido artigo por ausência de pertinência temática da emenda aglutinativa 2 ao objeto da MP 899 e do PLC.

Ademais, apesar de não ter sido objeto das referidas ADIn's, o ministro Luís Roberto Barroso buscou trazer uma pretensa isonomia no sentido de autorizar que a PGFN Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – ajuizasse ação contra a decisão proferida pelo CARF em favor dos contribuintes por conta de tal sistemática de desempate em prol dos contribuintes.

Todavia, a expectativa é de que tal solução jurídica seja reprovada pelo STF, visto que os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin já se manifestaram contrariamente, enquanto a ministra Cármen Lúcia, por seu turno, preferiu não abordar o tema, por compreender que não seria matéria aventada nas ADIn's.

Apenas a título de esclarecimento, o entendimento aqui manifestado é no sentido de, data venia, discordar da solução proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, concordando-se com o posicionamento manifestado nos votos dos Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin, o que já foi manifestado em artigo veiculado em outra oportunidade, quando da análise do projeto de lei 6.064/161, visto que tal situação faria com que a União ajuizasse uma ação judicial contra si mesma.

Pois bem e tornando ao objeto central do presente artigo, se o art. 19-E da lei  10.522/02 é constitucional, cabe avaliar, em se confirmando a tendência acima identificada, se o posicionamento do STF será acertado ou não, já antecipando que, no entendimento a seguir manifestado, compreende-se acertada a manifestação da Suprema Corte pela constitucionalidade do art. 19-E da lei 10.522/02.

Por um lado, vale salientar que há doutrinadores que consideram inconstitucional a norma, pois teria havido a "aprovação de medida [Emenda Aglutinativa nº 2] estranha à MP 899 e ao projeto de lei de conversão"2, o que acarretaria em um "contrabando legislativo", também conhecido como "jabuti".

Por outro lado, tem-se o entendimento doutrinário de que o referido artigo é constitucional, como se vê, por exemplo, I. a conclusão de Luís Eduardo Schoueri3 no sentido de que "[na ocasião em webinar]4, coloquei-me favorável à mudança [fim do voto de qualidade]", por compreender que "não há como punir no caso de dúvida", bem como II. a afirmação de Breno Vasconcelos5 que, data venia, acertadamente, mudou de posicionamento para compreender que "o fim do voto de qualidade é constitucional, formal e materialmente", visto que inocorreu o alegado "contrabando legislativo", pois sua inclusão guarda pertinência temática com o restante da lei, que também trata da forma de extinção do crédito tributário".

No presente caso, concorda-se com essa segunda linha doutrinária, compreendendo-se pela constitucionalidade do art. 19-E da lei 10.522/02, incluído pela lei 13.988/20. Explica-se.

Em primeiro lugar, porque a inclusão do art. 19-E da lei 10.522/02 pela lei  13.988/20 não violou a alínea "e" do inciso II do § 1º do art. 61 da Constituição Federal, pois a extinção do voto de qualidade não criou ou extinguiu qualquer órgão da administração pública, apenas mudou a sistemática de julgamento em caso de empate de votos, de modo que o CARF permanece devidamente estruturado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade neste ponto, por inexistir necessidade de a lei ser de iniciativa do presidente da República.

Em segundo lugar, porque a alteração do voto de qualidade não violou o art. 113 do ADCT, pois a extinção do voto de qualidade não pode ser suficiente para concluir pela renúncia de receita, já que compreender nesse sentido seria presumir que, antes mesmo do julgamento, o lançamento seria cancelado, o que não procede.

Além disso, fato de se cancelar uma cobrança em auto de infração não implica em renúncia de receita, pois só se pode renunciar a algo que é devido, isto é, sabe-se que a cobrança é válida, mas se opta por não cobrar, e, se o órgão julgador administrativo compreende que a cobrança é indevida, não há renúncia, visto que a cobrança de tributo indevido acarreta em enriquecimento ilícito por parte da administração pública.

Em terceiro lugar, não há violação ao art. 146 da Constituição, pois o art. 19-E da lei 10.522/02 não é uma norma que regulamenta, em âmbito nacional, o procedimento administrativo basilar que deve ser seguido por todos os órgãos administrativos julgadores (CARF, TIT, CMT etc.), mas, sim, do procedimento específico de um único órgão julgador, CARF, não se tratando de norma geral, inexistindo necessidade de ser expedida lei complementar para tanto.

Em quarto lugar, inocorreu qualquer violação ao § 9º do art. 62 da Carta Magna, pois o projeto de lei de conversão foi apreciado por comissão mista, sendo desnecessário o retorno do projeto à comissão quando da apresentação de emendas, visto que isso tornaria demasiadamente moroso o trâmite de conversão da medida provisória, que, frise-se, tem prazo máximo de tramitação de 180 dias, e, com isso, ou inviabilizaria a apresentação de emendas, ou inviabilizaria a edição de medidas provisórias.

Em quinto lugar, inexiste inconstitucionalidade por "contrabando legislativo", não se tratando o art. 19-E da lei 10.522/02 de um "jabuti", visto existir pertinência temática entre a referida norma e a medida provisória originalmente editada. Isso, porque a medida provisória tratou de transação em direito tributário, modalidade de extinção do crédito tributário, inciso III do art. 156 do “CTN” – Código Tributário Nacional – e o art. 19-E da lei  10.522/02 tratou de critério de julgamento, empate de votos em favor dos contribuintes, que enseja a extinção do crédito tributário, inciso IX do art. 156 do CTN.

Portanto, há pertinência temática entre a medida provisória 899/19 e o art. 19-E da lei 10.522/02, visto que ambos tratam de modalidades de extinção do crédito tributário, art. 156 do CTN, concluindo-se, portanto, pela constitucionalidade da norma e, consequentemente, pelo aparente acerto do STF se o placar atual do julgamento das ADIn's  6.414, 6.399 e 6.403 se confirmar.

_________

1 ROMANO, Bruno. Ausência de interesse de agir do Fisco para propor ações contra o Carf e o PL 6.064. São Paulo: Consultor Jurídico – ConJur, 05.09.2019

2 MACEDO, Alberto; VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins; DANIEL NETO, Carlos Augusto; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Diego Diniz; MICHELS, Gilson; ANDRADE, José Maria Arruda de; FURTADO, Juliana; ALVIM, Leonardo; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; GOMES, Marcus Lívio; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; ROSENBLATT, Paulo; ROCHA, Sérgio André; PISCITELLI, Tathiane dos Santos. O fim do voto de qualidade no Carf deve ser vetado pelo presidente da República. São Paulo: Consultor Jurídico – ConJur, 01.04.2020.

3 SCHOUERI, Luís Eduardo. Voto de qualidade e "chibatadas". São Paulo: JOTA, 16.04.2020.

4 VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins; AVIM, Leonardo; SCHOUERI, Luís Eduardo; ROCHA, Sérgio André. Fim do Voto de Qualidade do CARF: privatização ou justo equilíbrio?. São Paulo: JOTA/Insper, 15.04.2020.

5 VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins. O fim do voto de qualidade no Carf é constitucional e conveniente. São Paulo: Consultor Jurídico – ConJur, 19.03.2022.

Bruno Romano
Sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados; Professor IBET e Mackenzie; Mestre Dir. Tributário no IBET; Pós-Graduado Dir. Tributário no IBDT; Graduado em Direito no Mackenzie.

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