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A retroatividade da nova LIA e o pacto de São José da Costa Rica

O objetivo desse artigo é demonstrar os motivos pelos quais a nova LIA deve retroagir de modo a abarcar os processos já em curso a partir de uma interpretação do Pacto de São José da Costa Rica.

14/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O art. 9º, do Pacto de São José da Costa Rica, assim dispõe: “Art. 9º - Princípio da Legalidade e da Retroatividade: Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se.”

Esse art. 9º usa a expressão “delito” por três vezes para preceituar a norma jurídica. Segundo o dicionário Michaelis, “delito” é: “1. Fato ofensivo às leis ou aos preceitos do direito e da moral; crime, culpa, falta.; 2 Infração de preceito ou regra estabelecida.” O dicionário Dicio, dicionário online de Português, por sua vez, dispõe sobre “delito”: “Quaisquer ações e/ou comportamentos que infrinjam uma lei já estabelecida; ação punível pela Lei Penal; crime”. O próprio dicionário do google também explica o conceito de “delito” como: “qualquer ato que constitua uma infração às leis estabelecidas; ato considerado punível pelas leis que regem uma sociedade; crime, infração”.

Claro está que o significado de “delito” no Pacto de São José é mais abrangente do que a expressão “infração penal”, o crime em sentido estrito. Abarca qualquer ação que constitua infração à lei, não se restringindo às ofensas ao direito penal. Portanto, incide sobre as infrações à nova LIA, delitos administrativos. Em outras palavras, pelo fato de o Brasil ser signatário desse pacto, todo delito, aqui entendido em seu sentido conceitual amplo, de afronta, inclusive, ao direito administrativo, deverá ser enquadrado juridicamente sob o respeito ao princípio de direitos humanos disposto nessa Carta.

Vale lembrar que esse pacto tem estatura constitucional em sua entrada em nosso ordenamento jurídico. No art. 5º da CF, os parágrafos 1º, 2º e 3º dispõem claramente sobre sua estatura constitucional. E, conforme seu art. 9º “se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se.”

É preciso, então, entender que se o caso for da nova LIA ter dispositivos legais mais brandos do que a lei anterior, ela deve retroagir porque configura-se o princípio da anterioridade.

De fato, o direito administrativo não é o direito penal, mas, ambos respondem, sob o regime da unidade do jus puniendi estatal, aos princípios constitucionais e garantias insculpidas no art. 5º de nossa Carta Magna.

Além disso, o art. 1º, III, da CF, dispõe que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a “dignidade da pessoa humana”. O respeito ao Pacto de São José, com sua principiologia de direitos humanos, é, sem dúvida, uma das formas de assegurar a dignidade da pessoa humana. O respeito ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao delinquente, disposto no art. 9º da carta, é uma das maneiras de trazer dignidade à pessoa humana no âmbito punitivo penal e também administrativo.

Rodrigo Suzuki Cintra
Bacharel em Filosofia pela USP. Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela USP. Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor Titular da UNIP. Sócio do escritório Petrelluzzi & Cintra Jr

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