Migalhas de Peso

A elevação sem justa causa dos preços em decorrência da guerra é uma prática abusiva

Talvez seja o momento de repensarmos um pouco os caminhos de nossa civilização, deixando de lado a prioridade econômica em detrimento da prioridade humanística.

14/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Uma das análises que vimos desenvolvendo é sobre os direitos do consumidor frente à inflação descontrolada à qual estamos sendo submetidos, não só no Brasil, mas em nível mundial. Obviamente que a pandemia e a guerra Ucrânia/Rússia têm um papel importante nesta situação, mas acho também importante observar que não são apenas estes fatores os responsáveis por esta situação difícil pela qual o mundo está passando.

No Brasil, por exemplo, existe o problema da corrupção sistêmica, ou seja, aquela que já é considerada "comum", tamanha sua existência nas interfaces do sistema público/privado. Tudo é feito no sentido de priorizar esta referida corrupção; portanto, a necessidade é saber até que ponto a pandemia e a guerra geraram esta situação de volta aos níveis elevadíssimos de inflação. O que nada mais é que a volta à barbárie.

Outro fator a ser analisado é por que a cadeia produtiva não se desenvolve totalmente em cada país que tem possibilidades para isto. O agronegócio já evidenciou que o Brasil é auto suficiente na produção de soja, por exemplo. E aí vale a pergunta: Por que devemos nos atrelar a esta commoditie ucraniana? O trigo já sofreu um aumento superior a 20%, o milho também deve ser impactado com a guerra, pois a Ucrânia é responsável por cerca de 16% de toda a produção do cereal. 

Por que repetir o que ocorreu na 2º Guerra Mundial, quando Stálin exportava os grãos da Ucrânia e os ucranianos morriam de fome? A história já tem exemplos que podem levar a uma tentativa de mudanças no sentido de minimizar a fome que se aproxima em nível mundial.

A elevação sem justa causa de preços é uma prática abusiva prevista no artigo 39, X, do Código de Defesa do Consumidor e não se confunde com a de aumento arbitrário de lucros previsto na legislação concorrencial. A elevação sem justa causa de preços é espécie de abuso no exercício da liberdade negocial do fornecedor, segundo as práticas abusivas na legislação de defesa do consumidor.

Isso não faz com que qualquer aumento de preços — mesmo se for para maximização dos lucros — seja por si abusivo. Afinal, estamos em uma economia de mercado. Porém, há limites que devem ser considerados, associados à boa-fé e à própria vulnerabilidade do consumidor em dada situação específica. A melhor forma do consumidor se proteger é pesquisar se há uma diferença considerável nos preços comparando-os com os dos concorrentes do mesmo mercado, a fim de se avaliar se é uma questão de maior relevância que impactou a cadeia mercadológica, ou mesmo um abuso isolado.

Segundo o princípio constitucional da livre iniciativa (artigos 1, inciso IV e 170, inciso IV da Constituição Federal), os agentes do mercado possuem liberdade para fixar livremente os preços de seus produtos. Cabe ao comerciante estabelecer o preço remuneratório de seus investimentos, produtos e serviços, sendo o mercado o parâmetro do preço. 

Eventualmente, caberá ao CADE abrir investigação por preços alegadamente abusivos, em havendo indícios de atividade colusiva ou outra prática anticompetitiva. Em suma, a livre iniciativa é a regra, e a intervenção estatal (artigo 173, parágrafo 4º da Constituição Federal) deve ser a exceção.

O papel do Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) tem como objetivo proteger a parte vulnerável e hipossuficiente da relação de consumo, que é o consumidor. O CDC prevê a modificação ou revisão de cláusulas contratuais ante situações excepcionais, como de força maior, que se tornem excessivamente onerosas o cumprimento das obrigações pactuadas (artigo 6º, V). 

Caso não haja a possibilidade de cumprir com o contratado pela abusividade enfrentada durante a prestação de um serviço, tanto fornecedor, prestador de serviços e o consumidor devem repactuar o contratado, adiando, quando possível, o evento, como por exemplo: cursos; prestação de um serviço etc., buscando a melhor situação para ambos. 

E se acontecer da empresa não quiser ou se recusar a renegociar, pela boa-fé contratual, o consumidor deve efetuar uma reclamação nos serviços de atendimento ao consumidor da companhia (SAC) e, caso não obtenha resposta, deve buscar os órgãos de defesa do consumidor ou então entrar com uma ação judicial contra a contratada prestadora de serviços ou fornecedor, para que seja garantido seu direito.

Talvez seja o momento de repensarmos um pouco os caminhos de nossa civilização, deixando de lado a prioridade econômica em detrimento da prioridade humanística.  

Leonardo Neri Candido de Azevedo
Sócio do escritório Mazzucco & Mello Advogados.

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