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Teto remuneratório dos interinos de serventias extrajudiciais pela ADIn 1.183

Não incide o teto Constitucional na remuneração de interinos de serventias extrajudiciais aprovados em concurso público para o ministro Nunes Marques, este foi o entendimento no voto apresentado no julgamento da ADI 1.183.

14/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A ação direta de inconstitucionalidade ADIn 1.183 voltou a chamar a atenção no universo das serventias extrajudiciais, isto porque o voto do ministro Nunes Marques é no sentido de não aplicação do teto remuneratório limitado a 90,25% dos ministros do STF aos interinos concursados, ou seja, em cumprimento ao art. 28 da lei 8.935/94 eles têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia.

Após publicação do acórdão na ADIn 1.183  em que o STF declarou a constitucionalidade do art. 20 da lei 8.935/94  e Inconstitucional a interpretação do mesmo dispositivo legal, o que significa que prepostos, não concursados, só podem exercer substituições ininterruptas pelo período máximo de seis meses, encerrou de vez a questão da obrigatoriedade de aprovação em concurso público.

Restou pacificado o entendimento conforme a Constituição de que a aprovação em concurso público do delegatário é condição exigida pela lei para que o titular interino de serventia extrajudicial possa assumir tal função nos períodos de vacância superiores a seis meses ininterruptos, o que o STF considera “longa substituição”.

Ultrapassada a questão principal, foram opostos embargos declaratórios, afinal a decisão gera efeitos que não foram esclarecidos na decisão, como a questão do teto remuneratório imposto aos interinos que titularizam as serventias extrajudiciais nos períodos de vacância.

Assim, no dia 11/3/22 o relator do processo, ministro Nunes Marques, apresentou o seu voto na sessão virtual de julgamento dos embargos de declaração da ADI 1.183. Em seu voto o ministro declarou que não existe a aplicação da limitação do teto constitucional remuneratório aos interinos que sejam titulares de outra serventia, em outras palavras, que tenham sido aprovados em concurso público, de acordo com art. 236 da CF.

Portanto, para o ministro Nunes Marques, titulares de serventias extrajudiciais que cumulam outra serventia em período de vacância, devem receber o faturamento líquido da serventia cumulada a que estiver servindo como interino, senão vejamos trecho do  seu voto:

“(...)

b.3) nos termos da jurisprudência consolidada por esta Corte, apesar de exercerem atividade estatal, notários e registradores não são titulares de cargo público efetivo, CF, art. 236, razão pela qual não há falar em aplicação do teto remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal mesmo na hipótese de substituição prolongada de outro titular de serventia extrajudicial, ADI 2.602, ministro Joaquim Barbosa, DJ de 31/3/06;”

Atualmente os interinos de serventias extrajudiciais, concursados ou não, são  submetidos ao teto remuneratório limitados a 90,25% dos sinistros do STF, porém, como bem pontuou o ministro Nunes Marques, citando a ADI 2.602, não sendo tabeliões e registradores titulares de cargo público efetivo, apesar de exercerem funções públicas, não estão sujeitos ao mesmo regime jurídico como aposentadoria compulsória, ADI 2.602, e teto remuneratório, tema da atual ADI.

Origem da limitação dos ganhos dos interinos

A ação direta de inconstitucionalidade dos arts. 20, 39, II e 48 da lei 8.935/94 foi proposta em 1994, portanto há 18 anos notários e registradores estiveram à deriva, sendo orientados pelas corregedorias estaduais dos TJs e desde 2005 por provimentos e resoluções do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, que em 2010 passou a limitar o faturamento dos interinos de serventias extrajudiciais ao teto dos servidores titulares de cargo público efetivo. Os valores excedentes são destinando aos cofres dos tribunais estaduais.

Esta limitação passou a ser aplicada  em 2010 após decisão de pedido de providencia julgado pelo ministro Gilson Dipp, posteriormente regrada por provimento administrativo.  Trata-se, portanto, de um ato em benefício do próprio poder Judiciário que retirou dos notários e registradores que atuam interinamente em serventias vagas o direito constituído pelo art. 28 da lei 8.935/94 à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia.  

“Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.”

A fiscalização da atividade notarial e registral e a realização de concursos pelo poder Judiciário

Em 1988 a Constituição Federal incumbiu ao poder Judiciário no art. 236 a atividade de fiscalização das atividades das serventias extrajudiciais e no mesmo dispositivo legal incluiu a constância com que os concursos públicos de provimento ou remoção deveriam ser abertos, indicando o prazo máximo de seis meses, porém sem citar qualquer vínculo entre organização dos concursos e o poder Judiciário.

“§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”

Criada para regulamentar o art. 236 da CF, a lei 8.935/94 atribuiu ao poder Judiciário a organização dos concursos públicos para ingresso na atividade e remoção.

“Art. 15. Os concursos serão realizados pelo poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da OAB, do MP, de um notário e de um registrador.”

No entanto o poder Judiciário em todos os Estados e Distrito Federal nunca cumpriu o prazo Constitucional estabelecido, aliás o próprio concurso não consegue ser finalizado em menos de seis meses. O Estado de São Paulo foi o que chegou mais próximo da marca temporal e está á frente de todos os outros Estados, em 28 anos desde a publicação da Lei dos Cartórios, completou 11 concursos e atualmente está realizando o 12º.

O Paraná está em seu 3º concurso, que teve o edital publicado em 2018 e ainda não chegou ao fim. A situação dos Estados em geral é parecida com a do Paraná, concursos intermináveis, cancelados, anulados ou apenas demorados, sem previsão de edital ou de finalização.

Por fim, o poder Judiciário dos Estados não dá conta de cumprir o prazo de abertura  e realização de concursos, muitas serventias extrajudiciais extintas ficam vagas por anos e desde 2010 os valores que excedem o teto remuneratório, que é hoje a remuneração máxima do interino, é depositado em conta dos TJs Estaduais.

Situação do julgamento dos embargos de declaração da ADIn 1.183  

O STF já decidiu que apenas titulares de serventias extrajudiciais aprovados em concurso público podem ocupar o lugar de interino em “longas substituições”, período ininterrupto superior a seis meses, “ressalvada a possibilidade de os tribunais de justiça indicarem substitutos ad hoc , quando não houver interessados, entre os titulares concursados, que aceitem a substituição”

“A ser de outro modo, admitir-se-ia, por via indireta, a ocupação da titularidade da serventia sem a observância do prévio concurso público , que é uma exigência constitucional expressa, CF, art. 236, § 3º. Em tal caso, a preposição perderia o seu caráter precário e se assemelharia a uma autêntica sucessão, com flagrante ofensa à Constituição.

[...]

A autorização legal para que o titular do cartório possa indicar o seu substituto, portanto, é compatível com a Constituição, dada a necessidade de que o serviço público seja ininterrupto. Mas isso não autoriza o exercício abusivo da prerrogativa, de tal modo que o empregado, substituto, assuma de fato, por longos períodos, a própria titularidade”

Apresentada a premissa,  em seu voto no julgamento dos embargos o ministro Nunes Marques entendeu que o teto remuneratório deve incidir apenas para “substitutos”, interinos, não concursados pois não atendem aos requisitos de provimento originário, para tanto citou o recurso extraordinário  8008.202 que fixou o tema 779 (ministro Dias Toffoli, DJe de 25/11/20):

“Direito Constitucional. Notários e registradores. Titulares e substitutos. Equiparação. Inviabilidade. Inteligência dos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da CF/88. Remuneração dos interinos designados para o exercício de função delegada. Incidência do teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da CF/88. Obrigatoriedade. Recurso extraordinário provido.

1.    Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal, para o ingresso originário na função. Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.

2.    Diferentemente dos titulares de ofícios de notas e registros, que se classificam como agentes delegados, os substitutos ou interinos de serventias extrajudiciais atuam como prepostos do Estado e se inserem na categoria genérica dos agentes estatais , razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República.

3.    Tese aprovada: os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais , razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República.

4.    Recurso extraordinário provido.”

O motivo do entusiasmo dos titulares de serventias extrajudiciais se justifica pois segundo a interpretação lógica do ministro o interino aprovado em concurso não pode ser submetido ao teto remuneratório.

Por essa mesma lógica, nas situações de substituição ininterrupta acima de seis meses, o interino que é titular de serventia extrajudicial, na medida em que preenche as exigências dos arts. 37, II, e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, não se submete ao teto remuneratório do art. 37, XI, da Carta da República.

Ora, o art. 236 da Lei Maior é categórico: os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. Esta Corte cristalizou jurisprudência no sentido de que aqueles a quem é delegado o exercício de tais atividades, embora exerçam atividade estatal, não são titulares de cargo público efetivo (ADI 2.602, ministro Joaquim Barbosa, DJ de 31 de março de 2006). Sendo assim, não se lhes alcança o teto remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal, mesmo nas situações de substituição prolongada de outro titular de serventia extrajudicial.”

No momento o julgamento foi paralisado pelo ministro Alexandre de Moraes, mas a ministra Carmem Lucia acompanhou o voto do relator, assim dois dos 11 ministros compartilham o entendimento de que os interinos que cumulam duas serventias tem o direito de receber os emolumentos integrais dos atos que praticarem.

Prevalecendo o voto do ministro Nunes Marques muitas serão as questões dos atuais delegatários: primeiro, haverá uma corrida pela cumulação de serventias vagas de alto faturamento, que só poderão ser providas interinamente por período superior a seis meses ininterruptos por aqueles que preenchem os requisitos Constitucionais dos arts. 37, II, e 236, § 3º da CF. Segundo, os interinos que preenchem os requisitos e que já estão interinamente ocupando serventias vagas terão atrasados a receber? Os TJs irão devolver o que lhes for devido espontaneamente? Qual o prazo prescricional?

A decisão favorável aos titulares interinos deverá ter um efeito reflexo que agrada aos princípios da administração, acelerando o provimento de serventias vagas através de concursos até chegar o dia em que nenhuma serventia fique vaga por seis meses sem que seja aberto novo concurso, conforme a Carta Magna brasileira.

Daniela Freitas Gentil de Almeida Pedroso
Advogada especialista em gestão de riscos legais em Serventias Extrajudiciais

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