Migalhas de Peso

A denúncia criminal e o (excessivo) espetáculo midiático

É necessário que se reflita sobre a espetacularização do processo penal e, sobretudo, aquela relativa às fases preliminares e iniciais de uma ação penal, as quais tratam de elementos probatórios precários e insuficientes para se impor um julgamento final a um indivíduo.

12/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Sabe-se que a acusação criminal é a atividade do MP que impulsiona o poder punitivo do Estado em direção à um fato delitivo praticado por uma pessoa, tendo gerado efeitos nocivos não só para a vítima direta do delito, mas também na sociedade como um todo.

Neste contexto, a denúncia, meio pelo qual a acusação é entregue ao Estado-juiz, deve ser meticulosamente fundamentada e clara, de forma a não permitir qualquer desvio na acusação lançada em face de um individuo que, nos momentos seguintes ao recebimento da denúncia por parte do juiz, enfrentará uma longa ação penal, que tende a se estender por vários meses, muitas das vezes arruinando a sua reputação social e estabilidade psicológica.

Diante disto, o simples fato de ter contra si uma ação penal já é, por si só, uma enorme perturbação pessoal, que certamente deixa marcas mesmo após uma absolvição, afetando também toda a família do acusado.

Da mesma forma, a simples acusação pode arruinar o sucesso de um empreendimento que demorou décadas para se solidificar no mercado, o qual desmorona e tem sua reputação completamente abalada após o oferecimento de uma denúncia em face de seu proprietário.

 Tudo isto pode ser consequência apenas de uma acusação, sem que se tenha ao menos uma pena determinada.

Nesta linha, considerando que o simples ato formal de acusar alguém pode causar tantos danos, imagine-se a sua excessiva divulgação midiática, como ocorre diversas vezes com grandes operações policiais e, posteriormente, com as conhecidíssimas coletivas de imprensa promovidas por integrantes da alta cúpula do MP e das Policias.

É bem verdade, contudo, que a mídia tem o direito de informar, decorrente do direito de acesso a informação consagrado no Art.5º, inciso XIV da Constituição Federal, o qual mostra-se como uma importante garantia para o exercício do jornalismo e o Estado Democrático de Direito, a medida que garante a liberdade de transmitir e comunicar informações sem qualquer impedimento ou censura por parte do Estado.

Portanto, não se pretende, aqui, fazer qualquer crítica ao jornalismo nas suas diversas manifestações, sendo certo que a garantia de liberdade de informação é um importante pilar do Estado Democrático de Direito, devendo-se repugnar qualquer censura.

Contudo, é necessário que se reflita sobre a espetacularização do processo penal e, sobretudo, aquela relativa às fases preliminares e iniciais de uma ação penal, a investigação policial e a denúncia, respectivamente, as quais tratam de elementos probatórios precários e insuficientes para se impor um julgamento final a um indivíduo.

Desta forma, um cuidado maior ao divulgar informações e aumentar o foco em cima de uma denúncia é uma providência necessária, tendo em vista que o excesso na disseminação destes elementos pode acarretar efeitos deletérios irreversíveis para a pessoa acusada, seus familiares e seus empreendimentos.

Outrossim, uma acusação não quer dizer, sob viés algum, que o sujeito apontado é, de fato, criminoso, sendo possível, inclusive, que seja absolvido, ou até mesmo que uma condenação seja anulada.

Ainda assim, apesar de anulada uma decisão condenatória, o status quo ante nunca é resgatado, em virtude de todo o flagelo já perpetrado pela acusação e pela excessiva divulgação veiculada acerca dos acontecimentos processados, podendo citar, inclusive, o ocorrido na Operação Lava Jato.

Ademais, a mencionada espetacularização tem gerado tantos danos aos denunciados e a seus próximos, que recentemente o STJ divulgou em seu Informativo 730 uma decisão em recurso especial segundo a qual “o excesso no exercício do direito de informar é capaz de gerar dano moral ao denunciado quando o membro do MP comete abusos ao divulgar, na mídia, o oferecimento da denúncia criminal”.

Em conclusão, nota-se que o exercício desmedido do direito de informar no que concerne à acusação criminal ocasiona danos inestimáveis ao acusado e, inclusive, às próprias instituições que, após todo o espetáculo promovido em detrimento do indivíduo em face do qual pesa a presunção de inocência, pode ser absolvido em razão dos elementos de prova anteriormente “espetacularizados” mostrarem-se frágeis demais para uma condenação.

Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: leonardotajaribeadv@outlook.com

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