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Comparativo “O último dia de um condenado” e a legislação brasileira: distocia e realidade

A distocia entre uma realidade arcaica do século XIX e sua volta para a atualidade por meios governamentais.

11/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

A obra literária “O último dia de um condenado”1, escrita por Victor Hugo e publicada em 1829, aborda de maneira crítica e protestante um romance que possui como principal tema a pena de morte, mostrando a terrível e torturante maneira de condenação, desde fisicamente como psicologicamente2.

Sendo um livro retratado no século XIX, possui um pensamento arcaico,  representando a predominância ideológica da sociedade da época, refletido pelo sistema inquisitivo ou inquisitório, do qual o mesmo órgão tem o poder de acusar, julgar e defender, além de ser um processo sigiloso regido pela inexistência do contraditório e da ampla defesa, onde o juiz inquisidor será o mesmo que produzirá o probatório.

A realidade vivida pelo autor na época e como subjugou todas suas obras literárias contra esse juízo, faz reflexo direto em nossa sociedade, a qual é regida por uma legislação que vigora o sistema acusatório, que denomina as funções de acusar, julgar e defender a órgãos distintos, trazendo consigo a procedência de isonomia das partes, a imparcialidade e a incubência ao ônus das provas pelas partes e não mais pelo juiz. Desta mesma maneira, também almejava Victor Hugo com suas críticas perante a França de 1800.

Porém, mesmo com o sistema processual penal sendo acusatório, ainda possui resquícios inquisitivos3, como no caso da CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito, regida legalmente pelo art. 58, caput da Constituição Federal de 19884 e pelo RISF - Regimento Interno do Senado Federal. Por se tratar de uma CPI,  possui capacidade de julgamento próprio de autoridades judiciais, sendo assim o órgão acusador será o mesmo do qual julgará. Um exemplo dos tempos atuais e pertinente é a CPMI  -Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fakes News5, não se entrará no mérito neste trabalho.

No que diz respeito sobre a medida punitiva da pena de morte, a sua punição é retirada a vida do indíviduo e não possuindo a chance de cumprir em liberdade ou pela restrição de sua liberdade para que este possa voltar a viver em sociedade, é vista como medida extrema e sendo assim retirado os direitos fundamentais que regem o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto pelo art. 5º, caput da CF/886.

Aparentando uma distocia entre a realidade trazida pelo livro e a atual da qual vivemos, é perceptível em falas e pensamentos governamentais a adição e volta de tal ato, esses pensamentos fazem ser incrustados tais ideais novamente na sociedade da qual vivemos, como é o caso da frase “bandido bom é bandido morto”7. Sendo perceptível que pelo qual o autor viveu na época e questionava a população sobre esses atos, além de sua luta e protesto através de suas obras, sendo vivenciado novamente no século XXI.

A personagem do qual se retrata no livro,  faz com que seja feita uma reflexão sobre os direitos e deveres que cada ser humano possui perante a sociedade e o Estado de direito, no entanto não cumprindo seus deveres ou ferindo normas, este deverá responder judicialmente, arcando com a privação de liberdade em casos previstos pelo Código Penal. Todavia, o poder judiciário atual regido como norma principal a CF/88, reproduz um perempto pela pena de morte, exceto em caso de guerra declarada, visto no art. 5º, inciso XLVII da lei anterior8.

Assim deste modo, uma pena desta é vista como intimidatória para que não sejam cometidos crimes, ao invés de ser buscado o respeito pela legislação, outrossim importante ressaltar que com esta medida será firmado a não “reabilitação” deste indivíduo para sociedade sem que o mesmo seja reincidente.

______________

1 HUGO, Adèle. Victor Hugo raconté par un témoin de sa vie. Paris: Librairie Internationale, 1873.

2 LIMA, Cinthia Faria Abreu. A PENA DE MORTE EM VICTOR HUGO: Uma análise da obra O Último dia de um condenado. 2011. Trabalho de Conclusão (Bacharel em literatura) - Universidade de Brasília, 2011.

3 LIMA, Roberto Kant; MOUZINHO, Glaucia Maria Pontes. Produção e reprodução da tradição inquisitorial no Brasil: Entre delações e confissões premiadas. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, [s. l.], v. 9, ed. 3, p. 505-529, 2016.

4 Art. 58, caput, CF, o Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

5 GOMES, Heloísa Colombo. “FAKE NEWS” E AS IMPLICAÇÕES LEGAIS DO PROJETO DE LEI Nº 2.630/2020. 2020. Trabalho de Conclusão (Bacharel em Direito) - Universidade Cesumar - UNICESUMAR, 2020.

6 Art. 5º, caput, CF Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

7 NUNES, Samira Bueno. BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO: A opção ideológico-institucional da política de segurança pública na manutenção de padrões de atuação violentos da polícia militar paulista. 2014. Trabalho de Conclusão (Mestre em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2014.

8 XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Mônica Krummenauer
Acadêmica em Direito no 8º período, pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER). Possui como foco de pesquisa criminologia feminista e liberdade de expressão.

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