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Efeitos das decisões criminais nas ações de improbidade após a vigência da lei 14.230/21

Precedentes apontam que o trancamento de ação penal obsta o prosseguimento de ação de improbidade pelos mesmos fatos; o fundamento adotado foi a reforma da lei 8.429/92 e a retroatividade da Lei mais benéfica.

8/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

As alterações promovidas na Lei de Improbidade Administrativa pela lei 14.230/21 se mostram pautadas por grande razoabilidade e isso pode ser constatado em diversas modificações implementadas, como a imprescindibilidade do dolo específico para a caracterização do ato ímprobo; o regime da indisponibilidade de bens, que agora exige a presença cumulativa da fumaça do bom direito e do perigo de dano; a não cumulatividade de sanções de mesma natureza; a relevância da lesividade ao bem jurídico tutelado; a preocupação com a preservação da empresa, entre inúmeras outras.

Inobstante o respeito a posicionamentos diversos, entendemos que a reforma legislativa veio com uma maior ponderabilidade como pano de fundo, em razão da gravidade dessa ação e das consequências jurídicas dela advindas, seja para os agentes públicos, seja para a empresa.

No que tange à independência entre as instâncias, não foi diferente, isto é, a intenção do legislador foi também positivar a razoabilidade e uniformizar os sistemas punitivos, a fim de evitar processos judiciais infundados em diferentes ramos do Direito, além da busca pela celeridade, eficiência e segurança jurídica.

Com a vigência da lei 14.230/21, o novo artigo 21, §4º, da lei 8.429/92 passou a estabelecer a comunicabilidade automática entre qualquer sentença penal absolutória e a ação de improbidade administrativa, desde que confirmada por decisão colegiada e os feitos envolvam os mesmos fatos. A lógica normativa, portanto, é a de que “A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei 3.689/41 (Código de Processo Penal)”.   

A norma citada, portanto, promoveu uma ampliação nas hipóteses de comunicação entre as instâncias cível e penal, impedindo o prosseguimento de ação de improbidade administrativa caso o réu tenha sido absolvido na seara criminal, independentemente do fundamento. Indiscutível, pois, com relação ao art. 21, §4º, da LIA, o caráter de norma mais benéfica ao réu, o que enseja sua incidência imediata e retroativa aos processos em curso, posição esta já adotada pelos nossos Tribunais1.

Desta feita, sobrevindo a situação fática descrita no artigo em referência, parece-nos que o caminho mais acertado é a imediata extinção da ação de improbidade, sem resolução de mérito, em razão da perda superveniente do interesse processual (artigo 485, VI, CPC). Não obstante, há julgados que, a partir desse dispositivo, decidiram pela improcedência do feito por cotejo de mérito2.

Resta-nos, assim, debruçar sobre as peculiaridades desta norma e avaliar sua aplicação pelos operadores do Direito. Nessa linha, questionamos: sempre será necessário que haja uma absolvição criminal, com base no art. 386, do CPP, para incidir o art. 21, §4º, da LIA? Decisões que decretam o trancamento da ação penal, ainda no seu nascedouro ou durante seu curso – portanto, inexistindo sentença absolutória com base no art. 386, do CPP –, também afetam a ação de improbidade? Sempre será necessário que a absolvição seja confirmada por decisão colegiada? A absolvição criminal, com fundamento em ausência de provas, inviabilizaria qualquer discussão na seara cível?

Para a 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal Paulista, em precedentes relatados pela Exma. Des. Maria Laura Tavares, a resposta aos dois primeiros questionamentos vai no sentido de que, à luz da nova redação do artigo 21, §4º, da Lei 8429/92, nem sempre será necessária uma absolvição criminal em espécie, pautada no art. 386, do CPP, para inviabilizar o prosseguimento da ação de improbidade, pois hipóteses como o trancamento da ação penal (portanto, sem a prolação de sentença absolutória) em sede de habeas corpus repercutem na ação de improbidade, inviabilizando o seu prosseguimento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Decisão recorrida que recebeu a petição inicial. Atos de improbidade administrativa. Ação penal trancada por este E. Tribunal de Justiça. Lei 14.230/21 que alterou a Lei de Improbidade Administrativa para prever que a absolvição criminal em ação que discute os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata a lei 8.429/92. Artigo 21, § 4º - Rejeição da inicial para a agravante que se impõe Decisão reformada Agravo de instrumento provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2171166-37.2021.8.26.0000; Relatora: Maria Laura Tavares; 5ª Câmara de Direito Público; Julgamento: 06/12/21)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Decisão recorrida que recebeu a petição inicial. Atos de improbidade administrativa. Condutas descritas na inicial imputadas à Comissão Permanente de Licitação, em conjunto Presidente da Comissão Permanente de Licitação que teve ação penal trancada por este E. Tribunal de Justiça e inquérito policial instaurado contra as agravantes arquivado pelo Ministério Público. Lei 14.230/21 que alterou a Lei de Improbidade Administrativa para prever que a absolvição criminal em ação que discute os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata a Lei 8.429/92. Artigo 21, § 4º - No caso, há que se levar em consideração simetria no desfecho da ação para a Comissão Permanente de Licitação, na medida em que foram imputadas condutas em conjunto - Rejeição da inicial para as agravantes que se impõe Decisão reformada Agravo de instrumento provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2169110-31.2021.8.26.0000; Relatora: Maria Laura Tavares; 5ª Câmara de Direito Público; Julgamento: 06/12/21; Registro: 07/12/21)

Os precedentes são de importância inegável e constituem uma análise bastante protetiva ao demandado (e necessária para conter os excessos punitivos em processos deste jaez), eis que dão ao dispositivo legal interpretação mais abrangente e, ao nosso ver, mais atenta ao desejo do legislador de promover uma uniformização dos sistemas punitivos. Com base neles é possível entender que decisões extintivas/terminativas em ações penais - e não pautadas no rol do art. 386, do CPP - também podem afetar as ações de improbidade à luz da nova redação do artigo 21, §4º, da lei 8429/92.

Citemos, a exemplo, hipótese de rejeição de queixa ou denúncia de ação penal que tramita sob o rito especial dos crimes funcionais (art. 513 a art. 518, CPP). Nesse aspecto, é de se admitir que, na grande maioria das vezes, os crimes funcionais, assim compreendidos como aqueles perpetrados por funcionário público no exercício de suas funções ou em decorrência destas, também dão azo a ações de improbidade. Seria o caso do crime de concussão (art. 316, do CP: Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida), passível de ser ato ímprobo pelo viés do art. 9º, caput e inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa.

Nessa hipótese, pela leitura dos precedentes mencionados, seria possível que a rejeição da denúncia ou queixa sobre um crime de concussão impedisse também o prosseguimento da ação de improbidade sobre os mesmos fatos, ainda que a decisão em questão não tenha base no art. 386, do CPP, mas no art. 516, do mesmo Codex.

Prosseguindo, a resposta ao terceiro questionamento nos parece ser negativa, ou seja, ao nosso ver, nem sempre seria necessário que a absolvição criminal seja confirmada por decisão colegiada. Um exemplo claro ocorre quando o próprio órgão acusador não recorre da sentença, concordando, portanto, com a absolvição prolatada. Nessa hipótese, por óbvio, não haverá confirmação da sentença por decisão colegiada, mas a decisão absolutória operaria como empecilho ao trâmite da ação de improbidade. A coisa julgada da ação criminal, firmada na ausência de recurso do acusador, é que macularia o prosseguimento da demanda de improbidade.

Outras situações nas quais a confirmação por decisão colegiada parece ser prescindível vieram descritas no próprio artigo 21, § 3º, da Lei de Improbidade: “as sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria”

Aqui, o legislador foi categórico ao prescrever que tais sentenças produzirão efeitos imediatos na ação de improbidade, não exigindo confirmação por decisão colegiada. Ora, em observância ao princípio basilar da hermenêutica jurídica, do qual “a Lei não contém palavras inúteis”, mostra-se inconteste o intuito da citada norma, qual seja, o de que tais sentenças – até mesmo em razão da relevância de seus fundamentos – devem produzir efeitos imediatos na ação de improbidade, pois reconhecida a inexistência da conduta ou a negativa de autoria.

Destarte, não nos parece que eventual absolvição por falta de provas, como as previstas nos incisos II e VII, do artigo 386, do CPP (ainda que confirmada por decisão colegiada) colocaria um ponto final na seara cível. Coloca, sim, um ponto final na ação de improbidade administrativa, inviabilizando a imposição das sanções descritas na Lei 8429/92, em razão de disposição legal expressa; porém, não nos parece que inviabilizaria ação de reparação de danos eventualmente gerados ao erário, desde que observado o prazo prescricional para tanto e demais requisitos do Código Civil3.

Constata-se, pois, que o dispositivo legal objeto do presente estudo tem uma importância fulcral no tema da comunicabilidade entre as instâncias, dada sua atual abrangência e seu impacto nas ações de improbidade. No entanto, merece análise com cautela, caso a caso, bem como o acompanhamento da formação da jurisprudência, pois, como demonstrado, nem sempre a situação fática conterá todas as peculiaridades descritas na norma e, ainda assim, determinada decisão criminal poderá repercutir e obstar o trâmite da ação de improbidade.

_________

1 TJSP, APELAÇÃO CÍVEL 1000222-23.2020.8.26.0204, Des. Fermino Magnani Filho, julgado em 11/03/2022; TJSC, Proc. 0900191-30.2017.8.24.0018, Des. Relatora Bettina Maria Maresch de Moura julgado em 16/11/2021.

2 TJ-SC - APL: 09001913020178240018 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 0900191-30.2017.8.24.0018, Relator: Bettina Maria Maresch de Moura, Data de Julgamento: 16/11/2021, Terceira Câmara de Direito Público; TRF-3 - ApCiv: 50005477920184036118 SP, Relator: Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, Data de Julgamento: 17/12/2021, 3ª Turma, Publicação14/01/2022

3 GAJARDONI, Fernando Fonseca; et al. Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa: Lei nº 8.249/1992, com as alterações da Lei 14.230/2021. 5ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. pág. 495.

Priscila Lima Aguiar Fernandes
Mestra e Pós-Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e advogada sócia do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Marcela Caldas dos Reis
Especialista em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e associada do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Daniel Santos de Freitas
Pós-graduando em Prática de Direito Administrativo pelo DAMÁSIO e associado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

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