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A transparência e a ampla defesa na revogação de licitações decorrente de fato superveniente

As empresas estatais devem explicitar os fatos supervenientes que ensejarem a revogação de procedimentos licitatórios, sob pena de infringir os princípios estabelecidos na Lei das estatais e os princípios da transparência e da ampla defesa.

8/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Em julgamento de Representação contra a empresa estatal Furnas Centrais Elétricas S.A., o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que, ao revogar procedimentos licitatórios por fato superveniente, as empresas estatais devem explicitar os motivos que tornaram os procedimentos inconvenientes ou inoportunos e garantir ampla defesa aos interessados.

No caso julgado pelo TCU, o agente de licitação de Furnas revogou a procedimento licitatório destinado à venda de um lote com aproximadamente 15.300 toneladas de Óleo de Combustível B1, armazenados na Usina Termoelétrica de Santa Cruz.

O aviso de revogação da licitação, baseado na ocorrência de fato superveniente que teria alterado sobremaneira a competividade do certame, limitou-se a indicar como fundamento o art. 62 da lei 13.303/16 (Lei das Estatais), que estabelece que “quem dispuser de competência para homologação do resultado poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrentes de fato superveniente que constitua óbice manifesto e incompatível, ou anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, salvo quando for viável a convalidação do ato ou do procedimento viciado”.

Contudo, conforme decidido pelo TCU, a revogação de procedimentos licitatórios das Estatais deve observar os princípios da transparência e ampla defesa, assim como os princípios previstos no art. 31 da Lei das Estatais, quais sejam, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo.

Em outras palavras, não basta publicizar a revogação da licitação. O ato revogatório deve explicitar o fato superveniente que constitua óbice manifesto e incompatível ao prosseguimento do certame, bem como oportunizar a ampla defesa dos interessados em face da revogação. 

No caso de Furnas, o agente da licitação somente esclareceu a revogação do certame um mês após a publicação do aviso, oportunidade em que justificou o ato com base no aumento da competitividade decorrente da ampliação do rol de empresas autorizadas a realizar a atividade prevista no escopo da licitação.

Ocorre que o TCU, ao tempo da licitação, já possuía o entendimento de que o mero aumento do potencial competitivo não se constitui motivação satisfatória para a revogação de procedimento licitatório, conforme decidido no Acórdão 3066/2020-TCU-Plenário.

Desse modo, conclui-se que, além da transparência e ampla defesa relativas à revogação da licitação, o fato superveniente que ensejar a revogação da licitação deve constituir óbice manifesto e incompatível ao prosseguimento do certame, nos termos do art. 62 da Lei das Estatais.

Afinal, não é qualquer ato posterior ao início do procedimento licitatório, relacionado ao objeto do certame, que é apto a justificar a revogação da licitação.

Vale ressaltar, por fim, que os princípios da transparência e da ampla defesa na revogação de procedimentos licitatórios devem ser observados não apenas pelas empresas estatais, mas também por toda a administração pública, conforme já decidido pelo TCU por meio do Acórdão 455/2017-TCU-Plenário.

Gabriel Silva Campos
Graduado em Direito pelo UniCEUB e advogado da Barretto & Rost Advogados.

Vitória Bragança Sernégio
Pesquisadora associada da Barretto & Rost Advogados.

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