O § 1.º do art. 2.º da lei 12.850/13 – que define organização criminosa e trata das medidas legais e infrações penais a ela relacionadas – prevê que incidirá nas mesmas penas cominadas ao crime de integrar organização criminosa (art. 2.º, caput) “quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa” (art. 2.º, § 1.º). A redação do tipo, que não define quaisquer formas específicas de condutas alcançadas pela norma incriminadora, é vaga e demasiadamente abstrata, conferindo ao intérprete um universo amplo de hipóteses e poucos parâmetros objetivos a fim de delimitar o que se enquadra no tipo penal.1
A previsão legal, até então inexistente na legislação pátria, decorre de compromisso assumido pelos países signatários da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo. A previsão determina a incriminação de (i) atos de violência, (ii) ameaças, (iii) promessas, ofertas ou concessão de benefícios indevidos, com a finalidade de (iv) assegurar testemunho falso ou (v) impedir testemunho ou apresentação de provas em processos relacionados a organizações criminosas (alínea “a” do art. 23 da Convenção), e (vi) atos de violência ou (vii) ameaças a fim de (viii) impedir o exercício da atuação de agentes policiais ou judiciais quanto a infrações relacionadas com organizações criminosas (alínea “b” do art. 23).2
No cenário atual, esse tipo penal vem sendo utilizado com frequência crescente, principalmente no contexto de grandes operações que envolvem figuras públicas e políticas do alto escalão.
Alguns exemplos notórios são: (i) o recebimento, em 17 de abril de 2018, de denúncia oferecida contra o deputado federal Aécio Neves (e outros acusados), pela prática (dentre outros delitos) do crime de obstrução de justiça, ao alegadamente planejar anistia ao “caixa-dois” e a substituição de ministro com o intuito de obter maior controle sobre a Polícia Federal3; (ii) a análise e rejeição de denúncia, oferecida em 15 de junho de 2018, contra o senador Ciro Nogueira, o deputado federal Eduardo da Fonte e o ex-deputado Márcio Junqueira pelo crime de obstrução de justiça em decorrência de alegada tentativa de “comprar o silêncio” de um ex-assessor4; (iii) o recebimento de denúncia, em 3 de maio de 2019, e posterior absolvição sumária do ex-presidente Michel Temer e outros acusados, denunciados pela prática (afora outros fatos) do crime de obstrução de justiça ante suposto pagamento de valores a Lúcio Funaro e Eduardo Cunha a fim de impedir que firmassem acordos de colaboração premiada5; (iv) o julgamento do ex-senador Jorge Afonso “Gim” Argello e outros acusados, denunciados pela prática do crime de obstrução de justiça (dentre outros) ante atos destinados a embaraçar investigações realizadas por comissão parlamentar de inquérito relacionada aos fatos apurados na Operação “Lava Jato”6; e (v) o julgamento e a absolvição do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, do ex-senador Delcídio do Amaral e outros réus denunciados pela prática de obstrução de justiça em vista de alegado pagamento a terceiro para que não firmasse acordo de colaboração premiada com as autoridades7.
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1 V.g.: TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 61. FLORES, Andrea. Capítulo I: da organização criminosa. In: FLORES, Andrea et al. Comentários à Lei do Crime Organizado. Organização de Rejane Alves de Arruda. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 32. BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa: Lei 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 85.
2 GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 146.
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. 4.506/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Redator p/ o acórdão: Min. Roberto Barroso. Julgamento: 17/04/2018. Órgão Julgador: 1.a Turma. Publicação: DJe-183 04/09/2018.
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. 4.720. Relator: Min. Edson Fachin. Redator p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 22/08/2021. Órgão Julgador: 2.a Turma. Publicação: DJ-238, 02/12/2021.
5 BRASIL. 12.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Sentença. Ação Penal n.º 0001238-44.2018.4.01.3400. Publicação nos autos: 05/05/2019.
6 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4.a Região. ACR 5022179-78.2016.4.04.7000/PR. Relator: Des. Federal João Pedro Gebran Neto. Julgamento: 07/11/2017. Órgão Julgador: 8.a Turma. Publicação: 14/11/2017.
7 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. Ap. Criminal n.º 0042543-76.2016.4.01.3400. Relator: Des. Federal Néviton Guedes. Julgamento: 01/07/2019. Órgão Julgador: 4.a Turma. Publicação: 16/07/2019.