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O tema sobre a maconha é um discurso político-ideológico?

O ensaio esboça às nuances sociais, observando a dimensão sobre a história da criminalização da maconha no Brasil. A análise sobre os discursos, bem como seus debates políticos-ideológicos, influenciados pelos imperialistas, modificou toda gama social latino-americana.

5/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Ao iniciarmos o tema, precisamos nos despir de pré-conceitos sociais. A Cannabis Sativa, L-1753, batizada pelo sueco botânico Lineu, em 1953, classificou essa planta da família Canibaceae, dividida em subespécies Cannabis Sativa, Cannabis Indica e Cannabis Ruderalis.

  A maconha é a troca das letras que compõe a palavra cânhamo, ao qual é a subespécie Cannabis Ruderalis, que ficou conhecida popularmente pela característica o baixo teor de THC e fibras fortes, motivo pelo qual eram usadas pelas sociedades antigas para composição de velas, cordas, vestuário, dentre outros produtos comerciais.

A maconha é uma planta extremamente versátil, podendo ser produzidos 25 mil itens a partir da planta, desde o campo medicinal ao recreativo, do mercado farmacêutico ao auto-cultivo, sendo usada no mercado de vestuários, substituindo o uso do petróleo, plástico, dentre outros subprodutos.

A relação do homem com esta planta se dá desde dez mil anos atrás, utilizando-a, por exemplo, nas velas e cordas das caravanas das grandes navegações, azeite, semente como alimento, propriedades terapêuticas para cura de enfermidades. Até a primeira Bíblia, Gutenberg, a primeira Constituição americana e a Declaração de Independência dos Estados Unidos foram impressas em papel de cânhamo.

A maconha é protagonista na história da humanidade, com sua origem no Afeganistão, surgiu a 38 milhões de anos atrás, se espalhou pelo mundo, tendo seu enfoque inicial no Continente Asiático, Europeu e Africano. Relatos do Imperador Shen-Nong, conhecido como “Imperador Vermelho”, governante e herói chinês, deixou seus registros a cerca de cinco mil anos atrás, utilizando a maconha com a finalidade terapêutica e medicinal para a cura de suas enfermidades.

No entanto, sua história foi deturpada por discursos influenciados pelos agentes externos, imperialistas, aos quais possuíam interesses diversos à evolução da humanidade, com atitudes racistas, discriminatórias, preconceituosas. Historicamente, os países latino-americanos sofreram com estes, influenciando em seus territórios, povos, soberanias e movidos por interesses internos, exploraram os países da América do Sul.

Para aprofundar o tema em nosso território, ressalto o cenário drástico pelo qual a maconha chega ao Brasil, nas mãos dos ancestrais africanos, na condição de escravos, trazendo consigo a semente da maconha nos navios negreiros, difundindo a planta nesta região e em outros locais do mundo.

A maconha era utilizada por determinados povos considerados excluídos da sociedade, negros e latinos, bem como se contrapondo com o mercado do petróleo, afinal, a planta substituiria este modelo econômico que domina até hoje o cenário mundial. Ambos os discursos foram adotados de forma manipulada para que houvesse a criminalização e extinção da maconha, tanto no aspecto social como econômico.

O discurso político-ideológico teve início em meados dos anos de 1950, com seu estopim na década de 80, sendo seu percursor os Estados Unidos da América, que idealizou e realizou a guerra às drogas, exigindo o combate, repressão e opressão, não somente para o seu território, mas movido para outras soberanias, como por exemplo: Colômbia, México, Bolívia, Argentina, Uruguai, Brasil, dentre outros países. A campanha que se difundia na ideia anti-cannabis fora envolvida pelo presidente Ronald Reagan que atuou de 1981-1989 nos Estados Unidos da América com a política anti-drogas e campanhas financeiras que financiavam à guerra e ao combate do tráfico de entorpecentes.

Neste período o cenário mundial fluía ao combate, a Declaração de Quito, em 1984, assinada por vários presidentes, se tornou a convenção que dramatizou o problema essencial da guerra às drogas, que é a repressão, tratado nas leis e normas como delito contra a humanidade.

Com isso, a República Federativa brasileira adota em sua Constituição de 1988, no art. 5º, inciso XLIII, a interpretação de que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, o tráfico ilícito de entorpecentes. A priori, a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, decreto nº 54.216/64, considerou a Cannabis Sativa como entorpecente ilícito, portanto, se o indivíduo exportar, importar, preparar, produzir, fabricar, adquirir, transportar, ter consigo, dentre outros verbos presentes no art. 33 da Lei de Drogas 11.343/06, será considerado crime, com pena de cinco a quinze anos de reclusão.

A evolutiva sobre o tema da maconha é recente e vagarosa no Brasil. O que visualizamos dos anos de proibição, desde o Brasil império, com a lei “pito de pango” que criminalizava a cannabis em 1830, pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, bem como a ditadura militar e os governos atuais, são discursos anti-drogas combatidos pela violência, morte e encarceramento.

As informações infundadas sobre o usuário de maconha se permeiam a partir de atitudes preconceituosos, racistas e discriminatórios. O discurso político-jurídico transnacional, capaz de atingir outras nações, influenciado pelos imperialistas, perfazia fundamentos pelos quais os usuários e traficantes faziam parte deste universo declarado como “epidêmico”, taxando uma determinada classe como “doente” e a outra parte como “traficante”. As vinculações da maconha associada às classes mais periféricas demonstram o julgamento intencional, difundido pela mídia ocidental, que ampliaram estas ideias discriminatórias.

A criminalização da maconha é um tema recente que, neste determinado tempo, demonstrou suas nuances perante a dimensão social. A proibição de qualquer droga, não só a maconha, causa diversos percalços para aquela determinada sociedade, afinal, trata-se o indivíduo que possui o uso abusivo da droga como um criminoso delinquente e não como um paciente que precisa de acompanhamento e tratamento médico.

As informações comumente ignoradas demonstram que a Cannabis Sativa compor a lista de entorpecentes ilícitos prejudica tão somente aquela sociedade que a proíbe, pois a planta é extremamente versátil, como abordado, podendo não só ajudar ao homem, mas recompor a natureza, mercados sustentáveis, geração de empregos, dentre outros campos.

Conforme o químico israelense professor de química medicinal na Universidade Hebraica de Jerusalem, Raphael Mechoulam, que sintetizou o sistema endocanabinoide, compondo um sistema interativo humano, responsável pela nossa sensação de prazer, felicidade, equilíbrio, sono, apetite, dentre outras funções vitais, comprovou que o corpo possui interação com as moléculas canabinoides da planta, fitocanabinoides, que funcionam em conjunto como chave e fechadura, pelos receptores CB1, CB2, TRPV1, TRPV2, GPR18, GPR55 e GPR119.

O que sintetizo no ensaio é que os canabinoides presentes na planta, que são chamados de fitocanabinoides, possuem ligação com o nosso corpo, interagindo com o nosso sistema endocanabinoide, de forma natural. Conforme Pacher e Kunos, ao modular a atividade deste sistema, podemos interferir em praticamente todas as doenças que afetam os humanos até os dias atuais.

Para entender este processo, o indivíduo ao adoecer, passa por deficiência no sistema endocanabinoide, necessitando assim dos fitocanabinoides que vem de origem da planta, assim, após a ingestão externa deste agente, há o reequilíbrio do organismo humano como um todo, ajudando o corpo a realizar a homeostase.

Estima-se que, após a legalização, descriminalização e regulamentação da Cannabis Sativa no Brasil, a perspectiva nos primeiros anos é de faturar cerca de 5 a 6 bilhões de reais por ano em impostos, com a estimativa também da melhora no campo medicinal, aos pacientes que sofrem com câncer, fibromialgia, convulsões, depressão, parkinson, alzheimer, dentre outras milhares de enfermidades que não são tratadas por alopáticos convencionais que podem facilmente serem curados ou utilizados como tratamento basilar pela Cannabis, o campo recreativo, visto pela dimensão econômica, abriria um novo mercado, com a possibilidade de diversas opções de produtos ao consumidor e o auto-cultivo que é um tema que a política de saúde governamental tem que adotar urgentemente, conformes preceitos da própria CFRB/88, em que à saúde é um direito fundamental, encontrado em diversas partes da leitura e interpretação da lei constitucional.

A crítica perfaz reflexões sobre o cenário atual, sobre o uso recreativo e medicinal da planta, sendo que o senso comum precisa compreender que não existe “maconha medicinal” e “maconha recreativa”, ambas fazem parte da mesma planta. Há uma ignorância em taxar usuários e pacientes, os benefícios devem ser aproveitados pela humanidade.

A utilização da planta possui diversas vertentes com finalidades específicas. A maconha traz mais proveitos do que ônus à sociedade civil brasileira. A realidade dos fatos permeia na ideia de manipular o discurso para onerar a própria população, que possui necessidades urgentes a serem atendidas, dentro do campo econômico, social, dentro de questões basilares como saúde, educação, emprego, dignidade no estilo de vida, sustentabilidade, dentre outros universos realísticos existenciais que a Cannabis operaria.

 Ao finalizar o ensaio, não poderia deixar de mencionar a reflexão disposta sobre a liberdade de expressão, sendo a maconha parte integrativa de um discurso político-ideológico evolutivo, em que a melhora é uma perspectiva inegável, seja do ponto de vista social ou econômico, à redução de encarceramentos para o aumento de emprego no Brasil.

Após destrinchar sinteticamente alguns dos diversos pontos que este tema possui, o artigo rompe com a barreira do pré-conceito sobre a sagrada planta pelo qual os ancestrais sempre fizeram o uso, seja social, econômico, ritualístico ou medicinal. A planta ser intencionalmente colocada na ilegalidade possui suas finalidades punitivas que não condizem com a realidade que a planta oferece a humanidade.

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BARIONI, Murilo. A descriminalização da maconha no Brasil. Tese de Conclusão de Curso. São Paulo, 2021.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

BRASIL. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas). Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília: Presidência da República. [2006]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11343.htm

KOGAN, Natalya; MECHOULAM, Raphael. Cannabinoids in Health and Disease.  Dialogues in Clinical Neuroscience Journal. Rockville, Maryland, EUA: Les Laboratoires Servier (LLS). 09/12/2007.

https://exame.com/economia/legalizar-maconha-poderia-render-ate-r-6-bi-em-impostos/

Murilo dos Santos Barioni
Advogado. Formado pela Instituição IBMEC/SP. Artigos voltados à temática social.

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