Migalhas de Peso

Os desafios da proteção marcária no ambiente virtual

Fica evidente que a regulação, individual, de cada país para critérios de proteção e análise de registrabilidade de marcas não será mais suficiente.

5/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O tema Metaverso tem se tornado cada vez mais frequente. Embora o assunto ainda seja nebuloso para grande parte da sociedade, as empresas já se encontram em uma espécie de corrida contra o tempo para não ficarem de fora desse universo paralelo e tecnológico.

Nesse sentido, a marca da fast food mais valiosa do mundo1, não poderia ficar de fora. O Mcdonalds efetuou o requerimento, perante o USPTO (escritório de marcas dos Estados Unidos), de pedidos de registro das marcas MCDONALDS2 e MCCAFE3, direcionadas ao universo do Metaverso.4

O curioso é que a própria descrição dos produtos e serviços que serão identificados pelas marcas é específica ao segmento, como “alimentos e bebidas virtuais” ou “operação um restaurante virtual online com entrega em domicílio” e, ainda “eventos e serviços de entretenimento sob as marcas McDonald's e McCafé para eventos online reais e virtuais".

Ainda não é possível prever qual será o posicionamento do USPTO, já que os pedidos de registro levam, em média, entre 12 e 18 meses para serem analisados. Todavia, a nova realidade nos leva a refletir sobre o futuro do registro de marcas no Brasil e no mundo.

De antemão, pegando gancho nos pedidos realizados pelo McDonald's, o tema classificação de produtos e serviços é um desafio. Atualmente, a maioria dos países adota a Classificação de Nice, que oferece 45 classes de produtos e serviços, voltados a segmentos distintos. Não há, porém, uma classe de produtos ou serviços que seja especialmente dedicada ao metaverso.  

Nesse sentido, assim como ocorreu com o McDonald's, as empresas buscam saídas diversas para tentarem, ao máximo, conferir proteção jurídica às suas marcas.

No Brasil, ainda não existem muitos registros ou pedidos de marcas que adotam na descrição de serviços a expressão “metaverso”, porém, mais de 50 registros de marcas já visam a exploração de ambientes virtuais. Alguns exemplos são os registros das marcas SECOND LIFE5, em nome de Linden Research, Inc., que confere nome ao jogo de realidade virtual e a marca ALTSPACEVR6, registrada pela Microsoft Corporation, que identifica, no mercado, justamente uma plataforma para eventos virtuais através do uso de avatares.

Além disso, a territorialidade também é uma questão que, certamente, deverá ser revista. O metaverso é um ambiente global. Enquanto isso, na maior parte do mundo, a proteção marcaria é restrita ao território em que a marca fora registrada. Embora seja possível requerer registros de marcas em inúmeros países, na prática, essa medida acarreta um ônus financeiro enorme para as empresas.

Hoje em dia, não há a possibilidade de um único registro internacional já conceder a proteção mundial da marca, o registro deverá ser efetuado em cada um dos países. Embora já existam mecanismos que visam facilitar a interconexão de registros de marcas pelo mundo, como é o caso do Protocolo de Madri, que passou a ser uma realidade no Brasil em 2019 ou do registro através da EUIPO na União Europeia, esses procedimentos possuem custos elevados, o que nos leva a crer que o ambiente do metaverso será restrito à grandes empresas.

Nesse viés, também se traz à tona o desafio de monitorar possíveis violações marcárias que ocorrerão no ambiente virtual. Seguramente, será necessário criar tecnologias que possibilitem o monitoramento do uso e registro de marcas em âmbito mundial. De qualquer forma, como se dará o enforcement da violação marcária ainda é uma pergunta que deverá, com o tempo, ser respondida.

Os desafios são inúmeros e, em breve, se tornarão uma preocupação das empresas, que, no momento, visam criar oportunidades e atrair os consumidores. Fato é que nos faltam respostas sobre como essas novas questões serão solucionadas, mas não nos falta criatividade para adaptar o novo ambiente ao mundo real.

Não é novidade que o avanço tecnológico cria a necessidade de avanços em leis, tratados e convenções, já que as efervescentes relações demandam regulação. Contudo, diferentemente do quer já tínhamos visto antes, o metaverso acabou por universalizar, criar um mundo paralelo em que todos os indivíduos e marcas estão conectados, em outras palavras, pessoas que hoje estão na China e no Brasil, no metaverso, estarão no mesmo ambiente, em tempo real.

Nesse sentido, fica evidente que a regulação, individual, de cada país para critérios de proteção e análise de registrabilidade de marcas não será mais suficiente. O futuro demandará uma intersecção de proteção marcária, exigindo uma experiência global, já que a nova realidade será a de um mundo sem fronteiras.

___________

1 https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/38565/mcdonalds-se-mantem-como-a-marca-de-fast-food-mais-valiosa-do-mundo.html

2 Pedidos de registro nº 97253159 (classe 09); 97253170 (classe 35); 97253179 (classe 43).

3 Pedidos de registro nº 97253336 (classe 09); 97253361 (classe 35); 97253767 (classe 41); 97253374 (classe 43).

4 https://www.euronews.com/next/2022/02/11/order-your-mcdonald-s-in-the-metaverse-the-company-applies-for-nft-and-virtual-trademarks

5 Registro 829318909

6 Registro 914124897

Larissa Nunes Pietoso
Advogada especialista em marcas do escritório Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Advocacia no metaverso: operadores do Direito já devem se preparar?

14/12/2021

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024