Ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários – novas regras
Lior Pinsky
Franco Musetti Grotti
Thiago Spercel*
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) baixou, em 29 de dezembro de 2003, a Instrução CVM nº 400, que regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário. A Instrução CVM nº 400 constitui o terceiro grande passo da CVM na consolidação da regulamentação brasileira de mercado de capitais, ao lado das Instruções CVM nºs 358 e 361, e entrará em vigor em 2 de fevereiro de 2004, revogando as Instruções CVM nºs 13 e 88, de 30 de setembro de 1980 e 3 de novembro de 1988, respectivamente.
A Instrução CVM nº 400 trouxe importantes inovações à regulamentação de distribuições públicas, há tempos desejadas pelo mercado, tais como a possibilidade de registro de prateleira (os chamados ‘programas de distribuição’), o reconhecimento expresso de práticas internacionais já admitidas no País (tais como green shoe ou lote suplementar, sistemática de bookbuilding e práticas de estabilização) e a imposição à CVM de prazos mais curtos para análise de determinados processos. Essas alterações decorrem do reconhecimento, pela CVM, de que a agilidade de todos os envolvidos, inclusive do regulador, é essencial para o desenvolvimento do mercado de capitais.
Resumimos a seguir as principais inovações da Instrução CVM nº 400.
Registro e Hipóteses de Dispensa
A regra geral continua sendo o registro prévio obrigatório de ofertas públicas na CVM. A Instrução CVM nº 400 exige que as ofertas realizadas no território brasileiro, dirigidas a pessoas naturais ou jurídicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil, sejam submetidas previamente a registro na CVM.
A dispensa de registro, exceção da regra geral, poderá ocorrer tanto automaticamente (como é o caso das ofertas de ações de propriedade de pessoas jurídicas de direito público e de entidades controladas direta ou indiretamente pelo poder público, nos termos da Instrução CVM no 286, de 31 de julho de 1998), quanto por deliberação da CVM. A CVM tem o poder de dispensar o registro ou alguns dos requisitos para determinadas ofertas, considerando, para esse fim, dentre outras condições especiais, a categoria do registro de companhia aberta, o montante da oferta e o público destinatário (especialmente se a oferta for dirigida exclusivamente a investidores qualificados).
Nas ofertas secundárias de ações em que o registro da companhia emissora esteja atualizado e em certas ofertas primárias de sobras ações, o ofertante poderá requerer a adoção do procedimento simplificado, com prazos abreviados para concessão de registro e menor quantidade de informações.
Prazos de Análise e Cumprimento de Exigências
Os prazos de análise das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, bem como de cumprimento e análise de exigências formuladas pela CVM foram alterados, conforme descrito na tabela abaixo. Vale notar que de uma maneira geral houve diminuição de prazos, em particular no que se refere aos procedimentos especiais (procedimento simplificado e análise de suplemento no âmbito de programa de distribuição), o que certamente possibilitará as interessados uma maior agilidade nos processos de distribuição.
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Prazo anterior |
Novo prazo (I/CVM 400) | ||
Distribuição Primária (I/CVM 13) |
Distribuição Secundária (I/CVM 88) |
Procedimento Comum |
Procedimentos Especiais | |
Prazo de análise da CVM após protocolo |
30 dias |
15 dias |
20 dias úteis |
10 dias úteis |
Prazo para atendimento de exigências |
60 dias |
30 dias |
40 dias úteis, prorrogável por até 20 dias úteis adicionais mediante pedido fundamentado pelos interessados. |
10 dias úteis |
Prazo de análise da CVM após cumprimento de eventuais exigências |
Caso as exigências da CVM sejam cumpridas depois de decorridos 15 dias do pedido de registro, novo prazo de 30 dias contados da data do cumprimento das exigências. |
Caso as exigências da CVM sejam cumpridas depois de decorridos 10 dias úteis do pedido de registro, novo prazo de 15 dias úteis contados do cumprimento das exigências. |
10 dias úteis (20 dias úteis se houver novas informações que não decorram do cumprimento exigências) |
5 dias úteis |
Caso não haja manifestação da CVM dentro dos prazos acima mencionados, o registro será considerado automaticamente obtido. Além disso, a CVM poderá manifestar-se uma só vez na análise do pedido de registro, e a solicitação de informações adicionais deverá ser formulada em ato único e conjunto pelas áreas da autarquia.
Programas de Distribuição de Valores Mobiliários
A Instrução CVM no 400 inovou ao estabelecer que a companhia aberta que já tenha efetuado distribuição pública de valores mobiliários poderá submeter para arquivamento na CVM um programa de distribuição de valores mobiliários, com o objetivo de efetuar futuras ofertas públicas, dentro do prazo máximo de 2 (dois) anos contado do seu arquivamento pela CVM. A adoção do programa de distribuição confere ao emissor maior flexibilidade e agilidade na análise das suas ofertas, possibilitando melhores chances de aproveitamento de janelas de oportunidade mais curtas que aparecerem no mercado, além de representarem uma potencial redução nas formalidades e nos custos de transação para as companhias que têm necessidade ou interesse em distribuir valores mobiliários regularmente.
O montante máximo dos valores mobiliários a serem emitidos ao amparo do programa deverá ser informado à CVM, podendo ser postergado para o momento da oferta a definição do tipo, espécie ou classe do valor mobiliário a ser distribuído e o seu respectivo preço, bem como as demais condições específicas da oferta.
Após o arquivamento do programa de distribuição, o ofertante e a instituição líder poderão requerer o registro de distribuição de valores mobiliários mediante a apresentação de um suplemento ao prospecto, o qual deverá conter a atualização das informações do prospecto, podendo ser incluída por referência toda e qualquer informação já apresentada à CVM e disponível ao público. Os pedidos de registro de ofertas públicas de distribuição efetuados com base em suplemento possuem prazos de análise mais curtos que os prazos de análise convencionais, conforme mencionado no quadro acima, o que de maneira geral torna o procedimento mais célere e atrativo para companhias que distribuam valores mobiliários regularmente. A responsabilidade pela elaboração do suplemento é do ofertante, em conjunto com a instituição líder da distribuição. Entretanto, a instituição líder tem o dever de verificar se as informações anteriormente prestadas no âmbito da emissão são verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes.
Lote Suplementar ou Green Shoe
A Instrução CVM nº 400 prevê expressamente o mecanismo conhecido como green shoe. Nesses casos, o ofertante poderá outorgar opção à instituição intermediária que, caso exercida, possibilitará a tal instituição aumentar a quantidade de valores a distribuir ao público, nas mesmas condições e preço dos valores mobiliários inicialmente ofertados, caso a demanda assim justifique. A opção de distribuição de lote suplementar deverá ter um montante pré-determinado que constará obrigatoriamente do prospecto e que não poderá ultrapassar a 15% da quantidade inicialmente ofertada.
Adicionalmente ao lote suplementar e a critério do ofertante, a quantidade de valores mobiliários a serem distribuídos poderá ser aumentada em um montante de até 20% da quantidade inicialmente requerida, a critério do ofertante e sem a necessidade de novo pedido ou de modificação nos termos da oferta.
Oferta Condicional, Preço e Distribuição Parcial
A princípio, a oferta deverá ser irrevogável, mas é permitida a oferta sujeita a condições que correspondam a um interesse legítimo do ofertante, que não afetem o funcionamento normal do mercado e cujo implemento não dependa de atuação direta ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele vinculadas.
O preço dos valores mobiliários ofertados será único, mas a CVM poderá autorizar, em operações específicas, a possibilidade de preços e condições diversos consoante tipo, espécie, classe e quantidade de valores mobiliários ou de destinatários, fixados em termos objetivos e em função de interesses legítimos do ofertante, admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado.
A Instrução passa a prever expressamente que o ofertante poderá estabelecer que o preço e, tratando-se de valores mobiliários representativos de dívida, também a taxa de juros, sejam determinados no dia da apuração do resultado da coleta de intenções de investimento (procedimento de bookbuilding), desde que sejam indicados os critérios objetivos que presidem à sua fixação no prospecto preliminar.
Caso não haja a distribuição total dos valores mobiliários previstos na oferta, o ofertante poderá determinar a distribuição parcial em quantidade mínima pré-determinada, para a qual será mantida a oferta, desde que o investidor tenha aceitado tal condição.
Consulta sobre a Viabilidade da Oferta
Verdadeira inovação da Instrução CVM nº 400 é a possibilidade de consulta a potenciais investidores pelo ofertante e pela instituição líder da distribuição para apurar a viabilidade ou o interesse de uma eventual oferta pública de distribuição, o que antes poderia ser considerado como início de oferta e configurar infração. A referida consulta deverá estar limitada a 20 investidores, não poderá ser vinculante e deverá ter critérios razoáveis para o controle da confidencialidade e do sigilo.
Prospecto
O prospecto deverá ser elaborado pelo ofertante em conjunto com a instituição líder da distribuição, sob a forma preliminar ou definitiva, e será obrigatório nas ofertas públicas de distribuição de que trata a Instrução CVM nº 400. Ele deverá conter informação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível. Não poderá omitir fatos de relevo, nem conter informações que possam induzir em erro os investidores, e deverá conter, além de informações adicionais a serem eventualmente solicitadas pela CVM, informações básicas sobre: (i) a oferta; (ii) os valores mobiliários objeto da oferta e os direitos que lhes são inerentes; (iii) o ofertante; (iv) a companhia emissora e sua situação patrimonial, econômica e financeira; (v) terceiros garantidores de obrigações relacionadas com os valores mobiliários objeto da oferta; e (vi) terceiros que venham a ser destinatários dos recursos captados com a oferta. Em alguns casos continua sendo necessária a apresentação do estudo de viabilidade.
A Instrução CVM nº 400 passou a prever, em seu Anexo III, diversos assuntos que deverão ser descritos em maiores detalhes em relação à legislação anterior, inclusive em relação ao Código de Auto-Regulação da ANBID.
Exemplares do prospecto definitivo ou preliminar deverão ser entregues ao investidor, admitindo-se seu envio ou obtenção por meio eletrônico, pelo menos 5 dias úteis antes do prazo inicial para o recebimento de reserva, no caso de prospecto preliminar. Caso não tenha sido utilizado o prospecto preliminar, ou se as informações constantes do prospecto definitivo forem substancialmente diferentes das informações do prospecto preliminar, o prospecto definitivo deverá ser entregue pelo menos 5 dias úteis antes do prazo inicial para a aceitação da oferta. Além da entrega aos investidores, o prospecto definitivo deverá estar disponível, na data do início da distribuição, na sede e na página da Internet da emissora, do ofertante, das instituições intermediárias integrantes do consórcio, da CVM e da bolsa de valores ou mercado de balcão organizado competentes.
Responsabilidade dos Envolvidos
O ofertante será sempre responsável pela veracidade, consistência, qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do registro e fornecidas ao mercado durante a distribuição. No entanto, a instituição líder deverá tomar todas as cautelas e agir com elevado padrão de diligência, respondendo pela falta de diligência ou omissão, para assegurar que tais informações sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes, permitindo aos investidores uma tomada de decisão fundamentada a respeito da oferta.
Caso haja substituição da instituição líder no decurso de programas de distribuição, a instituição líder de cada distribuição será responsável pela elaboração do respectivo suplemento e pela atualização das informações anteriormente prestadas.
Normas de Conduta
A Instrução CVM nº 400 estabeleceu normas de conduta a serem seguidas pela emissora, pelo ofertante e pelas instituições intermediárias no curso de uma distribuição pública, entre elas guardar sigilo, abster-se de negociar valores mobiliários de emissão do ofertante ou da emissora até a publicação do anúncio de encerramento e observar princípios de qualidade, transparência e igualdade na divulgação de informações.
Conclusão
A Instrução CVM nº 400 representa um efetivo avanço da legislação brasileira sobre distribuições públicas nos mercados primário e secundário. Procedimentos como os programas de distribuição, a colocação de lotes suplementares ou green shoe, as realocações entre as instituições intermediárias, a possibilidade de consulta a potenciais investidores sobre a viabilidade da oferta e a coleta antecipada de intenções de investimento representam um desejável alinhamento da legislação brasileira com as normas e práticas internacionais do mercado de capitais.
O mercado ganha com isto uma regulamentação mais clara e simplificada que tende a reduzir os custos de transação para operações de distribuição de valores mobiliários, e as empresas que acessam com freqüência o mercado de capitais poderão se beneficiar do programa de distribuição, tendo maiores possibilidades de aproveitar janelas de oportunidade.
É de se esperar que, com as regras mais claras e flexíveis da nova regulamentação, as empresas tenham maior apetite em acessar o público investidor para buscar capital para financiar suas necessidades operacionais e de investimento.
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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