Em recente julgamento, o STJ enfrentou o tema repetitivo 1.076, para tratar a correta interpretação dos parágrafos 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil (CPC) e, consequentemente, sobre a possibilidade ou não de utilização da equidade como critério para fixação de honorários sucumbenciais em causas com valores elevados.
Mais do que isto, o julgamento do tema 1.076 serve também para chancelar a relevância do pacote principiológico estabelecido com o Código de Processo Civil vigente.
É exatamente neste ponto que cabe o destaque sobre a boa-fé processual.
Em que pese a redação do artigo 85 do CPC ser objetiva e de fácil compreensão, no sentido de que os honorários deverão ser fixados necessariamente entre 10% e 20% sobre o (i) valor da condenação, (ii) proveito econômico obtido pela parte, ou, ainda, (iii) valor da causa, fato é que desde a vigência do atual CPC o que pôde se notar foi a relativização da sua aplicação caso a caso.
Em outras palavras, a depender do entendimento de determinado tribunal estadual ou, ainda, do efetivo valor envolvido, uma vez que muitos magistrados, por conta própria, buscavam evitar a fixação de honorários considerados elevados.
Para alcançar tal objetivo, a aplicação da equidade como critério geral de fixação de honorários passou a ser utilizada na tentativa, portanto, de evitar honorários exorbitantes que destoassem, nas palavras da ministra Nancy Andrighi, que encabeçou o voto divergente no STJ, do binômio “remuneração-trabalho realizado”.
De qualquer maneira, a despeito das colocações no sentido de que a regra fixada no CPC seria incompatível com os próprios princípios fixados no artigo 85, fato é que a regra não deixa margem para dúvidas e permite o uso da equidade apenas para causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, hipóteses descritas no parágrafo 8º do mesmo artigo, que implicariam em honorários igualmente irrisórios.
Nesse sentido, o STJ, que ainda não publicou a íntegra do acórdão, ratificou o quanto previsto expressamente no CPC e, portanto, legitimou, de uma vez por todas, a intenção do legislador de valorizar a remuneração do advogado, reafirmando seu caráter alimentar.
Atualmente, debates são constantemente travados para explorar a importância dos muitos princípios jurídicos que já eram consagrados no dia a dia da advocacia litigiosa, mas que foram formalizados em letra de lei quando da reestruturação do CPC.
A boa-fé processual, portanto, prevista expressamente no artigo 5º CPC, materializa com maestria o referido pacote principiológico citado, destacando que o CPC foi idealizado para potencializar a viabilização de acesso à justiça em prazo razoável, de maneira satisfativa, e, portanto, igualmente materializando para refletir a preocupação dos consumidores, do empresariado e até mesmo do Judiciário em minimizar o espirito de litigância excessiva que tanto aflige nosso país.
Apenas a título de exemplo e contextualização, o ranking do World Justice Project: Rule of Law Index 2021, classifica o Brasil na 75ª posição, entre os 139 países avaliados sobre o devido processo legal, se valendo de oito fatores: eficiência dos sistemas de Justiça Civil e Criminal, combate à corrupção, atividade regulatória, transparência governamental, ordem e segurança, limitação aos poderes governamentais e respeito aos direitos fundamentais.
Evidente, portanto, que o combate à litigiosidade excessiva, bem como ao ajuizamento desarrazoado de demandas (não apenas considerando a pertinência do objeto das mesmas, mas também a razoabilidade do valor atribuído às causas) ainda não estão em níveis desejáveis, o que potencializa ainda mais a importância do posicionamento fixado pelo STJ.
A decisão do STJ, em outras palavras, segue na esteira de destacar a importância da boa-fé processual e potencialmente tem a capacidade de criar um efeito em cadeia positivo.
Nessa linha de raciocínio, para evitar o risco desnecessário de pagamento de elevados honorários sucumbenciais, tanto sob o ponto de vista do empresariado, quanto do consumidor, as partes deverão analisar com máxima cautela a propositura de ações ou, indo além, deverão investir mais tempo e mais recursos na fase de elaboração dos contratos e negociação extrajudicial de controvérsias, para que o litígio definitivamente seja a última opção.
A manutenção, portanto, da literalidade do texto de Lei não apenas consagra a importância da boa-fé processual, nos termos acima destacados, mas também reforça a importância das fases preliminares à existência do litígio ou, ainda, do próprio negócio jurídico, impondo às partes a necessidade de adoção de boas práticas, deixando claro que o uso indiscriminado do Poder Judiciário seguirá, com razão, custando caro.