Em matéria tributária, o ano de 2022 se iniciou com grandes movimentações, especialmente com a edição da lei complementar 190, publicada em 05 de janeiro de 2022.
A expectativa geral era que a lei complementar fosse publicada até 31/12/2021, e sua ‘tardia’ publicação vem causando uma série de questionamentos e propositura de ações judiciais por parte dos contribuintes em todo o país.
Retomando o histórico, a LC 190/22 foi editada para cumprimento do quanto fixado pelo STF no Tema 1093, quando se decidiu ser necessária a edição de lei complementar para possibilitar a exigência do diferencial de alíquota (“DIFAL”) de ICMS nas operações com consumidores finais não contribuintes do imposto, de forma a dar cumprimento à alteração promovida pela EC 87/15.
A LC 190/22 indica que seus efeitos devem observar o quanto dispõe a alínea “c” do inciso III, do artigo 150 da Constituição Federal (que prevê o princípio da anterioridade nonagesimal). Por conta disso, algumas Secretarias de Fazenda Estaduais têm sustentado que não seria necessária a observância da anterioridade anual e que o Difal poderia ser exigido ainda em 2022 (já a partir de 05 de abril).
Outra vertente, ainda mais drástica, também vem sendo adotada por alguns Estados: o Difal poderia ser exigido no dia seguinte ao da publicação da lei complementar, considerando que já havia legislação estadual anterior tratando sobre a matéria em seus respectivos territórios.
Em suma, ressalvadas todas as discussões de mérito sobre os mais variados posicionamentos que vem sendo adotado pelas Secretarias de Fazenda Estaduais, é fato que, diante desse cenário duvidoso, restou aos contribuintes buscar amparo perante o poder judiciário, para que suas mercadorias não sejam barradas nas fronteiras estaduais.
Os contribuintes vinham obtendo decisões favoráveis, em diversos Estados, garantindo o seu direito de não se sujeitar ao indevido recolhimento do Difal neste ano.
A reação das Fazendas Estaduais foi rápida: tem se observado um movimento em massa, por meio de pedidos de Suspensão de Liminar apresentados perante os Tribunais de Justiça, para cassar as liminares obtidas pelos contribuintes.
Diante dessa pressão fazendária, até o momento os Presidentes dos Tribunais de Justiça da Bahia, Ceará, Pernambuco, Espírito Santo e Goiás já cassaram mais de 70 liminares, que tinham afastado a imediata exigência do Difal. Importante destacar que essas decisões são proferidas em determinados processos e estendidas para tantos outros em trâmite no respectivo Estado.
Considerando que tais referidas decisões estão fundamentadas em aspectos mais de natureza econômico-financeira em prol do equilíbrio das contas públicas do que nos aspectos puramente jurídico-normativos, o manejo de recursos por parte dos contribuintes acaba ficando prejudicado na prática, tratando-se de um verdadeiro ‘trunfo’ por parte dos entes estatais. Muito embora se tenha previsão para recurso contra essa decisão, é julgado pelo próprio Tribunal de Justiça (seja via Órgão Especial ou Tribunal Pleno - conforme previsões específicas do Regimento Interno do Tribunal de cada Estado). Além disso, os argumentos relacionados ao equilíbrio de contas públicas que nortearam as decisões dos Presidentes dos Tribunais dificilmente são reformados nessa instância. Como se não bastasse, os recursos seguintes que caberiam nessa hipótese – recursos especial e extraordinário – teriam que ser processados e julgados no decorrer de 2022, o que também dificilmente ocorrerá na prática.
Ou seja, mesmo os contribuintes que buscaram a tutela do judiciário – e tem decisão liminar favorável – estão sujeitos a um cenário de extrema insegurança jurídica na consecução de suas atividades comerciais e remessas de mercadorias para outros Estados.
Vale lembrar que a discussão de mérito quanto à possibilidade de exigência do Difal em 2022 já foi submetida ao STF, por meio das ADIns 7.066, 7.070, 7.075 e 7.078. Entretanto, até o momento, o Ministro Relator Alexandre de Moraes ainda não se posicionou sobre os as medidas cautelares requeridas, a despeito de já ter determinado o processamento das ações pelo rito mais célere previsto pela lei 9.868/99 (“Lei da ADI”).
Serve de alento o fato de que, nos últimos dias, a Advocacia-Geral da União tem se manifestado em mais de uma dessas ADIn, pela aplicação do princípio da anterioridade anual à LC 190/22 ou, no mínimo, para que seja observado o prazo de 90 dias da publicação da lei.
Assim, nesse momento e diante das decisões proferidas pelas Presidências dos Tribunais de Justiça Estaduais, a melhor aposta dos contribuintes parece ser, como em tantos debates nos últimos anos, é aguardar pelo posicionamento do STF sobre o tema e torcer para que a Corte Suprema coloque uma pá de cal sobre a indevida pretensão dos Estados de exigir o Difal em 2022.