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Riscos legais para empresas e indivíduos brasileiros frente a invasão Russa à Ucrânia

Este artigo busca oferecer orientação acerca do possível risco legal existente para empresas e indivíduos brasileiros que possuam direta ou indiretamente relações comerciais e financeiras com contrapartes russas.

30/3/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

Em 2 de março de 2022, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) anunciou1 a formação da Força Tarefa Kleptocapture (“Clepto-Captura”), um esforço interagências destinado a investigar violações das medidas impostas pelo governo dos Estados Unidos em resposta à invasão russa da Ucrânia. Paralelamente, em 17 de março, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e outros países anunciaram2 a formação de uma Força Tarefa multinacional denominada REPO -  Russian Elites, Proxies, and Oligarchs (Elites, Procuradores e Oligarcas Russos”), que inclui o DOJ, para coordenar os esforços internacionais visando a apreensão e o sequestro de bens dos cidadãos russos sancionados, bem como de seus intermediários.   

Este artigo busca oferecer orientação acerca do possível risco legal existente para empresas e indivíduos brasileiros que possuam direta ou indiretamente relações comerciais e financeiras com contrapartes russas, fornecendo exemplos dos tipos de casos criminais que estas Forças-Tarefa poderiam perseguir na Justiça americana e oferecendo algumas recomendações com o objetivo de reduzir o risco de que empresas e indivíduos brasileiros figurem como alvo das autoridades americanas e internacionais.

 I.A criação de duas Forças-Tarefas (Kleptocapture e REPO) focadas em detectar violações das sanções estabelecidas contra a Rússia.

Embora os detalhes a respeito da Força Tarefa REPO ainda estejam surgindo, o recente anúncio acerca da criação da Força Tarefa Kleptocapture e o histórico de persecuções criminais por parte das autoridades americanas em casos relativamente similares fornecem valiosas informações sobre a estratégia de persecução penal que o DOJ deve adotar na atual crise.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o DOJ tem um histórico considerável em processar criminalmente entidades e indivíduos estrangeiros nos tribunais americanos, pela perpetração de violações a sanções internacionais e crimes relacionados à lavagem de dinheiro, quando existente um nexo com os EUA. Este nexo, exemplificativamente, pode ser uma simples transação bancária usando o sistema financeiro americano, ou ainda a realização de pagamentos em dólares americanos.

O DOJ, por exemplo, está processando o Halkbank1, um banco estatal turco, por um suposto esquema destinado a burlar as sanções impostas contra o Irã através da lavagem dos lucros relacionados ao petróleo, ouro e outras commodities iranianas.  Como em muitos casos anteriores, o DOJ alega que o Halkbank está sujeito à jurisdição dos EUA porque, dentre outras razões, o banco turco realizou transferências envolvendo milhões de dólares através de contas correspondentes nos EUA.

A Força-Tarefa Kleptocapture buscou unir procuradores com experiência no confisco de bens (asset forfeiture), lavagem de dinheiro e em questões de segurança nacional. Os esforços para combinar essas habilidades se refletem nas ações de confisco de bens civis do DOJ (civil asset forfeiture actions), havidas em 2019 e 2021, contra os navios de transporte marítimo Wise Honest2 e Courageous3. A acusação é de que estes navios de navegação comercial foram usados para transportar ilicitamente carvão e produtos petrolíferos para a Coréia do Norte, violando as sanções dos EUA contra o referido país. Comunicados de imprensa relacionados a ambas as apreensões descrevem o envolvimento da Divisão de Segurança Nacional do DOJ, e a utilização do sistema financeiro americano para a realização de transações em favor dos dois esquemas. Os procuradores da Força Tarefa Kleptocapture podem investigar casos similares de confisco civil visando bens vinculados às pessoas e empresas russas sancionadas, mesmo quando essas não estejam sujeitas à prisão ou extradição.

Reverberando preocupações expressas por outras autoridades americanas, as declarações públicas relacionadas à Força-Tarefa Kleptocapture indicam que ela também investigará indivíduos ou empresas que utilizarem criptomoedas para escapar das sanções americanas. A acusação do cidadão norte-americano Virgil Griffith fornece um roteiro para situações deste tipo. Em 2021, Griffith declarou-se culpado4 de prestar serviços ilegais à Coréia do Norte, em violação às sanções dos EUA. Os promotores do caso argumentaram que a conduta criminosa de Griffith incluiu a participação numa conferência de 2019 em Pyongyang, onde Griffith e outros co-conspiradores forneceram instruções sobre como usar a tecnologia de blockchain e criptomoedas para lavar dinheiro e escapar das sanções.

Ainda, em 11 de março, um funcionário sênior do DOJ advertiu5 que a Força Tarefa Kleptocapture examinará as políticas contra a lavagem de dinheiro vigentes em bancos e outras empresas, incluindo provedores de serviços de ativos virtuais (VASPs – Virtual Asset Service Providers).  O DOJ utilizou esse tipo de estratégia na acusação dos executivos da Bitcoin Mercantile Exchange (BitMEX)6, uma bolsa de derivativos de criptomoedas baseada em Seychelles e com sede em Hong Kong, por não manter um programa adequado de compliance para combater a lavagem de dinheiro, em desrespeito à Lei de Segredo Bancário dos EUA (Bank Secrecy Act).  Nesse caso, o DOJ alegou que a BitMEX estava sujeita à jurisdição dos EUA com base em suas operações nos EUA, tais como atender clientes sediados nos EUA.

Consistente com outras iniciativas criminais e regulatórias dos EUA, o anúncio da Força Tarefa Kleptocapture do DOJ indica que os investigadores se utilizarão do rastreamento de criptomoedas e de outras sofisticadas técnicas de investigação, em coordenação com o setor privado. A crescente proficiência do governo e das autoridades dos EUA na utilização dessas ferramentas pode ser vislumbrada nos registros públicos7 relacionados às prisões de Ilya Lichtenstein e Heather Morgan com base em alegações de que eles conspiraram para lavar US$ 4,5 bilhões em criptomoedas roubadas em conexão com o hack de 2016 da Bitfinex, uma das maiores exchanges de criptomoedas do mundo. Durante a investigação, um juiz dos EUA proferiu uma decisão8 que constatou que produtos de software privados para o rastreamento de criptomoedas produzem provas confiáveis que podem ser utilizadas em casos criminais.

 

Emil Bove
Sócio do escritório internacional CSG Law, ele é integrante das áreas de White Collar Criminal Defense, Government Investigations e Cybersecurity da banca. Antes de ingressar no CSG Law, Emil foi co-chefe da unidade de segurança nacional do U.S. Attorney's Office for the Southern District of New York, onde trabalhou por quase uma década. Emil tem vasta experiência em assuntos transnacionais envolvendo lavagem de dinheiro, corrupção e suborno, sanções econômicas, espionagem, terrorismo e tráfico internacional de drogas.

Pedro Beretta
Sócio do escritório Höfling Sociedade de Advogados. Atua na defesa criminal de colarinho branco. Fala regularmente sobre assuntos de colarinho branco. É pós graduado em Corporate Criminal Law, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal. Ele faz parte do Comitê Criminal do Centro de Estudos da Sociedade de Advogados (CESA). Foi anteriormente professor assistente de direito penal e de execução penal na Pontifícia Universidade Católica (PUC) em São Paulo.

Eduardo Lemos
Sócio do escritório Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão, com escritórios em Recife, Brasília e São Paulo. Atualmente reside em Nova York, cursando um mestrado em direito (LL.M.) na New York University Law School. Eduardo atua na defesa de crimes de colarinho branco e é especialista em compliance & investigações, detendo mais de dez anos de experiência. Eduardo é também professor do programa de MBA da Universidade Católica de Pernambuco.

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