Migalhas de Peso

A atuação de OGFPs - Organizações Gestoras de Fundo Patrimonial na política nacional de assistência social

Uma oportunidade para o fomento e ampliação do assessoramento financeiro no âmbito da assistência social no Brasil.

29/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Atualmente, não resta qualquer dúvida quanto à importância das atividades desenvolvidas pelas associações e fundações sem fins lucrativos, em apoiar e executar programas e projetos voltados à redução das desigualdades sociais, em prol daqueles que se encontram em estado de vulnerabilidade social. Dentro desse escopo, existem diversos estudos indicando a importância de se ampliar essas ações1, para que elas tenham uma abrangência intersetorial e interinstitucional, pois, desta forma, seriam observados aumentos significativos na sua eficácia, além de gerar um impacto maior em relação ao desenvolvimento das políticas públicas.

A par disso, mas limitando o tema à assistência social, é sabido que a LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social, lei 8.742/93, definiu o desenvolvimento da assistência social no Brasil, pós Constituição, como:

“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”

Neste sentido, a participacão da sociedade está no cerne do desenvolvimento do acesso a esse direito fundamental, além da própria iniciativa pública, tendo as organizações composta pela sociedade civil de direito privado sem fins lucrativos, constituídas juridicamente como associações ou fundações que possuam interesse público. Ou seja, a participação social é um mecanismo que contribui para o enfrentamento da pobreza, de forma integrada às políticas setoriais, garantindo os mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promover a universalização dos direitos sociais, conforme preconizado na LOAS.

As entidades e organizações de assistência social são aquelas sem fins lucrativos que isolada, ou cumulativamente, prestam atendimento, assessoramento, promovem a defesa e garantia de direitos aos beneficiários abrangidos pela LOAS. O CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social constituído na respectiva Lei Orgânica, é órgão responsável pela coordenação da PNAS – Política Nacional de Assistência Social, bem como para trazer deliberações acerca das atividades de atendimento, assessoramento defesa e garantia de direitos no âmbito da assistência social.

Em relação as organizações que desenvolvem atividades de atendimento, o CNAS publicou a resolução 109/11, com a tipificação das atividades de atendimento, enquanto as ações de assessoramento, defesa e garantia de direitos foram dispostas na resolução CNAS 27/11, como uma caracterização que, posteriormente, foram detalhadas em nota técnica 10/18. Ademais, o CNAS publicou a Resolução 16/10, a qual atualizou os parâmetros nacionais para inscrição destas organizações, inclusive as de assessoramento e defesa e garantia de direitos, nos conselhos de assistência social dos municípios e do Distrito Federal.

Desta forma, as associações e fundações, desde 2011 podem ser identificadas e reconhecidas pelas instâncias da PNAS de forma mais clara, não que antes de tal resolução não fosse possível, mas essa veio para segundo seu próprio texto: “reconhecer a primazia das entidades não governamentais no campo do assessoramento e da defesa e garantia de direitos” .

Portanto, observando a importância das organizações da sociedade civil no cenário nacional e a necessidade de que as ações sejam ampliadas para albergarem um público maior, no dia 21/6/19, foi publicada a lei 13.800/19, cujo teor dispõe sobre a possibilidade de que uma associação ou fundação gestora de fundo patrimonial - OGFP possa constituir fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público.

Em breve síntese, as OGFPs, são instituições privadas sem fins lucrativos instituídas na forma de associação ou de fundação privadas com o intuito de atuar exclusivamente para um fundo, na captação e na gestão das doações oriundas de pessoas físicas e jurídicas e do patrimônio constituído, para apoiar causas, dentre elas, a política nacional de assistência social em toda sua intersetorialidade. Nesse sentido, já se verifica uma grande sinergia com as organizacões que já atuavam no âmbito do assessoramento técnico, financeiro, administrativo financeiro nos termos da resolução 27/11 do CNAS.

As organizações de assessoramento, defesa e garantia de direitos para a LOAS são aquelas que de forma continuada, permanente e planejada, prestam serviços e executam programas ou projetos voltados prioritariamente para o fortalecimento dos movimentos sociais, das organizações de beneficiários, da formação e capacitação de lideranças, bem como, das que prestam serviços e executam programas e projetos voltados prioritariamente para a defesa e efetivação dos direitos socioassistenciais, construção de novos direitos, promoção da cidadania, enfrentamento das desigualdades sociais, articulação com órgãos públicos de defesa de direitos, dirigidos ao público da política de assistência social, nos termos desta lei, e respeitadas as deliberações do CNAS, de que tratam os incisos I e II do art. 18. 

O assessoramento financeiro está patente no bojo da constituição das OGFPs, uma vez que o fundo patrimonial é criado com a finalidade de constituir fonte de recursos de longo prazo para o fomento das instituições apoiadas e para a promoção de causas de interesse público, por meio de instrumentos de parceria e de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público.

Ressalte-se que o assessoramento financeiro é taxativamente definido na resolução 27/11 do CNAS, o qual traz, de forma cristalina, essa atividade, seus objetivos, público-alvo e resultados esperados que deverão ser fixados nos termos de parcerias próprios para avaliação das organizações fomentadas, ou seja, não se trata de uma simples doação ou repasse, e sim, toda uma sistemática voltada aos impactos esperados. Por essa razão, nossas recomendações técnicas apontam para que a OGFP observe rigorosamente a PNAS, bem como, observe o trajeto a ser percorrido nas instâncias de controle social da PNAS, com objetivo de ser reconhecida como OGFP de assessoramento no âmbito da assistência social.

Um ponto forte de sinergia entre as OGFP de assessoramento e a norma de assistência social, nesse âmbito de atuação, é também a necessidade do fomento político, técnico, administrativo e financeiro a ser realizado mediante instrumentos jurídicos adequados e que contenham as metas e os resultados esperados, e justamente, estas atividades serão reguladas por meio do termo de execução de programa, projetos e demais finalidades de interesse público.

Esse instrumento é definido na lei 13.800/19 como acordo firmado entre a organização gestora de fundo patrimonial, a instituição apoiada e, quando necessário, a organização executora, que define como serão despendidos os recursos destinados a programas, projetos ou atividades de interesse público. Devemos lembrar que tais instrumentos servirão para que seja mensurado cada fase de execução das ações de fortalecimento, mobilização, articulação para o fortalecimento da cidadania dos beneficiários da PNAS. Ou seja, é possível realizar o monitoramento e avaliação acurada de impactos esperados para a sociedade.

Guardados os dispositivos legais específicos que tratam da constituição de uma organização gestora, uma vez estando eles presentes no Estatuto Social, Regimento Interno, relatório de atividades e nas suas políticas internas, salta aos olhos a existência de pontos de muita convergência entre o assessoramento realizado pelas OGFPs em relação as atividades de assessoramento, defesa e garantia de direitos da assistência social trazidas pela LOAS.

Mais uma vez, tendo como norte a necessidade de ampliação das ações sociais visando fomentar as políticas públicas, essa reflexão abre diversas possibilidades às associações e fundações privadas sem fins lucrativas constituídas como gestoras de fundo patrimonial, vez que, tanto suas finalidades estatutárias quanto o objetivo do legislador e do conselho regulador da PNAS estão em sintonia para que o assessoramento financeiro através de repasse de recursos captados a outras organizações e entidades, ora instrumentalizado através de um termo de execução, seja caracterizada como uma ação de assessoramento financeiro inserida na regra Matriz da Resolução CNAS 27/11, cuja orientação expressa na citada nota técnica 10/18 possibilita, inclusive, que estas ações sejam feitas de forma intersetorial e interinstitucional.

Lembramos por fim, que é imperioso que a OGFP desde sua criação observe todos os aspectos regulatórios da assistência social no Brasil, visando obter de todos os órgãos gestores da política de assistência social os credenciamentos necessários para maior mais segurança jurídica.

Por fim, é importante que as OGFPs não realizem simplesmente doações ou repasses de recursos financeiros às parceiras, mas que estas ações sejam feitas de forma estruturada e com metodologia adequada a comprovação dos resultados esperados pela PNAS, para que reste evidenciado que o fomento e o apoio financeiro estão em sintonia com a respectiva política. Estando isso bem demonstrado, defensável o reconhecimento da similaridade dessas ações com àquelas depreendidas na LOAS e resolução 27/11 do CNAS.

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1 NASCIMENTO, Sueli do. Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas. Serviço Social & Sociedade, n. 101, p. 95-120, 2010.

Ana Carolina B. P. Carrenho
Advogada, mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento, especialista em organizações da sociedade civil.

Rodrigo Pinheiro Nako
Advogado do escritório Pinheiro Carrenho

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